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Hepatite ameaca povos da selva

CB, Brasil, p.12
15 de Mai de 2005

Conselho do Vale do Javari, no Amazonas, alerta que seis etnias podem desaparecer em 20 anos por conta da doença. Funasa diz que a culpa é dos líderes das comunidades, que estariam desviando dinheiro
Hepatite ameaça povos da selva
Ullisses Campbell
Da equipe do Correio
As hepatite B e D está ameaçando a saúde da população da segunda maior reserva indígena brasileira. Uma epidemia da doença contaminou pelo menos 80% dos 3.500 índios de seis etnias do Delta do Rio Negro, segundo o Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), no sudoeste do Amazonas. O presidente do conselho, Jorge Korubo, faz o seguinte alerta ao Ministério Público Federal em Manaus: se não forem tomadas
providências urgentes, a população indígena que habita a região será dizimada em 20 anos”. A doença afeta principalmente índios das aldeias Marubo, Mayuruna, Kanâmari, Matis, Kulina e Korubo. Na quinta-feira, índios de todas essas etnias se reuniram com promotores públicos para denunciar a precariedade do trabalho da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão do governo federal responsável pela saúde indígena.
Aqui, como em todo o Brasil, a Funasa é negligente”, ressalta o administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Eriverto Vargas, do município de Atalaia do Norte (AM). A administradora da Funasa em Atalaia do Norte, Edilamar Ferreira, reconhece que os índios estão adoecendo com hepatite, mas ressalta que a doença está na região desde a década de 70. Segundo Edilamar, os índios enfrentam problemas de saúde porque não se cuidam. Muitas aldeias deveriam ter saneamento básico, mas não têm porque os índios desviaram dinheiro do governo”, critica. Segundo a Funasa, de 2004 até o mês passado, dois índios morreram com hepatite.
Pelas contas do Civaja, o número de mortes é bem maior. Só no mês passado dois morreram com hepatite. Um deles era da etnia Mayoruna e a outra vítima era uma mulher da aldeia Marubo. Segundo o conselho, o quadro vem se agravando desde 2001. De lá pra cá, foram registrados 24 óbitos por Síndrome Febril Íctero Hemorrágica Aguda (SFIHA), uma complicação de saúde atribuída à hepatite B e D. Só em 2003, ocorreram 17 mortes. Esses dados constam no dossiê A Grave Situação das Hepatites B e D no Javari, elaborado pelo Centro de Trabalho Indigenista, uma organização não-governamental que atua na região.
Medo da morte
O professor Valcilei Marubo, 25 anos, não sai da rede que usa para dormir há uma semana. Com hepatite grave, está com quarenta graus de febre e sofre de fortes dores na barriga. Fiz um exame de sangue, mas os técnicos do laboratório nunca me entregaram o resultado”, reclama. As equipes que coletaram o sangue de Valcilei são do Laboratório Central de Manaus e fizeram coletas sorológicas a pedido da Funasa. O estado de saúde do índio piora a cada dia. Ele expele sangue pelas narinas e pelas fezes. Tenho medo de morrer”, ressalta.
Na semana passada, o índio perdeu uma amiga, que morreu com sintomas semelhantes às da hepatite crônica. O diretor de Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, disse que entre os índios do Vale do Javari está aumentando o número de casos de hepatite . Ele afirma que o governo federal está ampliando a cobertura vacinal para hepatite B nas aldeias. Lembrou que o Civaja é uma Ong que atuava juntamente com a Funasa, mas foi descredenciada por conta de irregularidades na administração de recursos públicos.
Uma auditoria descobriu falhas justamente na construção de postos de saúde e saneamento básico”, justificou.

Dossiê aponta negligência
O dossiê contendo denúncias contra a gestão da saúde indígena no vale do Javari foi encaminhado ao Ministério da Saúde, à Funai, ao Ministério Público Federal e à Secretaria Especial de Direitos Humanos. No dossiê, a acusação é de negligência. Os índios estão morrendo e a Funasa insiste em acusar a Funai de querer para ela a gestão da saúde indígena. Quando as autoridades vão, de fato, se interessar pela saúde desses índios?”, questiona Hilton Nascimento.
Na semana que vem, o Civaja, a Funasa e a Funai se reunirão com o Exército, em Manaus, para dar início a coleta de sangue dos índios para traçar um diagnóstico preciso da hepatite no Vale do Javari. No ano passado, a Funasa coletou sangue de 400 índios e descobriu que 70% deles estavam com hepatites B e D. No mês passado, assustados com o avanço da doença, dezenas de índios da região ocuparam a sede da Funasa, em Atalaia do Norte. Eles reivindicavam a presença do presidente da Funasa e da Coordenadora de Atenção à Saúde Indígena. (UC)

CB, 15/05/2005, p. 12

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