VOLTAR

Haverá limite para a internet?

OESP, Opinião, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
15 de Fev de 2008

Haverá limite para a internet?

Washington Novaes

Durante milênios convivemos com a convicção de que não haveria limites para a atividade humana, seja quanto ao uso de recursos e serviços naturais, seja de energia, de praticamente tudo. O tempo encarregou-se de mostrar o contrário - com os limites na área dos recursos hídricos acentuados pelo crescimento da população; com o uso de combustíveis fósseis detonando a questão das mudanças do clima; com a insustentabilidade dos atuais padrões de produção e consumo, além da capacidade de reposição do planeta. Agora, mais alguns limites se esboçam no horizonte para a fabricação e uso de computadores, por causa do consumo de energia; da emissão de gases em razão do seu uso; da sobrecarga em vários tipos de utilização, que ameaça até com um "apagão planetário"; e da geração de lixo tecnológico.

Estudo recente do pesquisador Jonathan Kooney, do Lawrence Berkeley National Laboratory, na Califórnia, mostrou que o consumo de energia pelos computadores no mundo todo mais do que dobrou entre 2000 e 2005; passou de 29 bilhões de kilowatts-hora (kWh) para 61 bilhões de kWh; nos EUA, subiu de 12,5 bilhões de kWh para 24 bilhões de kWh. Outro estudo, do Global Action Plan, situa as emissões de gases poluentes geradas pelas tecnologias de informação e comunicação no mesmo nível das emissões feitas pelo transporte aéreo no mundo, 2% do total.

São números que começam a preocupar a própria indústria de produção de equipamentos nessas áreas. Uma semana depois da divulgação do último relatório, as principais produtoras desses equipamentos no mundo criaram um sistema conjunto para aumentar a eficiência de hardwares e softwares. Pensam em novas formas de suprimento de energia, talvez a solar, em substituição do tipo de corrente nos centros armazenadores de informações e em disseminar informações que advirtam sobre os problemas de estocagem ilimitada de informações, imagens ou som. A IBM, uma das maiores interessadas na questão, está investindo US$ 1 bilhão no projeto Big Green, segundo a revista New Scientist, para dobrar a capacidade de processamento de data centers sem aumentar o consumo de energia.

Há outros ângulos do problema que chegam a atingir o campo da política, como nos EUA, porque, como informou este jornal (6/2), os procedimentos antiéticos preocupam. Já na eleição presidencial de 2002, mensagens provocadoras ou portadoras de falsas informações abarrotaram os computadores de eleitores do Partido Democrata. Em 2006, na Califórnia, os eleitores latinos receberam mensagens dizendo que seu voto era ilegal e que poderiam ser deportados se exercessem esse direito. O candidato republicano John McCain descobriu que haviam aberto um site em seu nome, no qual anunciava ser ele a favor de reivindicações de homossexuais - o que poderia levá-lo a perder votos de eleitores contrários a esse posicionamento.

Nem é preciso falar no problema dos spams, que entopem as caixas de recepção de mensagens no mundo, todos os dias, muitos deles portadores de vírus extremamente problemáticos. E ainda não é tudo. Em vários pontos do mundo, especialistas começam a perguntar se também haverá um limite de utilização para a internet, se poderá haver um "apagão" geral no mundo por causa da sobrecarga. Os efeitos desastrosos dessa possibilidade foram parcialmente sentidos há poucos dias, quando se romperam cabos submarinos que ligavam o Egito ao Oriente Médio, à Índia e a outras partes da Ásia. Mais de 70% do sistema foi interrompido no Egito; 60%, na Índia; um pouco menos, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos e no Kuwait. O ministro egípcio das telecomunicações chegou a pedir aos internautas que deixassem de fazer downloads de filmes e arquivos, para que se pudesse dar prioridade ao uso da rede para negócios - prioridade que não foi aceita sem protestos.

E ainda há o problema do lixo tecnológico (peças e pedaços de computadores, pilhas, baterias), já tão grave que a própria ONU criou para ele um programa denominado Solving the E-waste Program (SEP), com diretrizes mundiais que apontam caminhos para ampliar a vida dos componentes e promover a reciclagem. No Brasil, para pilhas e baterias já existe uma resolução (no 257) do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que determina a entrega de pilhas e baterias que contenham cádmio, chumbo, mercúrio e seus compostos, bem como produtos eletroeletrônicos que as incluam, aos estabelecimentos que os comercializem ou à rede de assistência técnica das respectivas indústrias, para que repassem aos fabricantes ou importadores, que deverão reutilizá-los, reciclá-los ou lhes dar destinação final adequada.

Mas o cumprimento ainda é escasso, mesmo com o crescimento acelerado da produção de lixo tecnológico. E este é fruto da utilização cada vez maior de computadores. Nos EUA, por exemplo, em 2006 se venderam mais computadores que aparelhos de TV. No Brasil, segundo a associação das indústrias do setor, no ano passado as vendas cresceram 23%, com 10,1 milhões de computadores (PCs) e 2,1 milhões de notebooks (211% mais que no ano anterior). Hoje, 19% dos domicílios já têm 40 milhões de computadores (a média mundial é de 17%; nos EUA, de 80%) e se prevêem que serão 60 milhões em 2010. No mundo, este ano vai chegar a 1 bilhão.

Um dos exemplos mais claros da gravidade do problema do lixo tecnológico está em sua exportação para países pobres. Lagos, a capital da Nigéria, recebe a cada mês 500 contêineres carregados com 500 mil monitores de computadores ou 175 mil aparelhos de TV (Envolverde, 30/1), dos quais 75% são considerados lixo eletrônico, embora exportados sob pretexto de reutilização.

Como diz o poeta Manoel de Barros, "louvo a ciência por seus benefícios à humanidade; mas não concordo que a ciência não se aplique em produzir encantamentos".

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

OESP, 15/02/2008, Opinião, p. A2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.