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Haja indio!

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
18 de Dez de 2005

Haja índio!
Com toda razão os especialistas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os da Fundação Nacional do Índio (Funai) e todos os cientistas dedicados à pesquisa demográfica ficaram perplexos com o crescimento incrível da população indígena brasileira. Em todas as regiões do mundo, as populações autóctones, que por séculos foram sendo substituídas por outras que passaram a ocupar seu território original - e deixemos de lado quaisquer juízos, sempre discutíveis, sobre o grau de "avanço" das culturas que historicamente disputaram bases territoriais -, na melhor das hipóteses conseguiram apenas preservar alguns contingentes em determinadas reservas (enquanto na pior foram praticamente dizimadas). O que não se tinha jamais assistido era a um crescimento populacional desses contingentes, especialmente em índices extraordinários, várias vezes maiores do que os índices de crescimento da população geral do País.
Com efeito, em uma década - de 1991 a 2000 - a população indígena brasileira saltou de 294 mil para 734 mil pessoas, o que significa um crescimento de 150%. Enquanto a população brasileira, como um todo, teve um aumento demográfico anual da ordem de 1,6%, a população indígena, no mesmo período, aumentou em nada menos que 10,8% (quase 7 vezes mais, portanto). Como os dados são de 2000 e há mais 5 anos a acrescentar desde então, sem qualquer motivo que indique mudança de tendência, é possível que esse crescimento seja ainda mais expressivo. Qual a explicação para o intrigante fenômeno? Seria um aumento repentino da fertilidade da população indígena - e qual o segredo disso?
Diante de tantas interrogações, veio a explicação do presidente interino da Funai, Roberto Lustosa, nos seguintes termos: "As pessoas não têm mais vergonha de se identificar como índios ou descendentes deles. Saíram daquele clima de obscuridade que era determinado pelo preconceito." A explicação parece verossímil, mas talvez peque por um certo subdimensionamento, uma vez que algo maior do que a diminuição do preconceito deve ter contribuído para aumentar em porcentuais tão expressivos o número de pessoas que se auto-identificam como índios: trata-se, na verdade, do atrativo daquilo que virou verdadeira griffe antropológica, um valorizado status que corresponde aos inegáveis privilégios concedidos às tribos indígenas, com suas enormes reservas demarcadas, expandidas ou a caminho de o serem, e suas inimputabilidades.
Lembremo-nos de que somente 45% das pessoas que se autodeclararam índios, em 2000, residindo em 604 reservas indígenas, detinham 12,5% do território nacional. Mas o grande crescimento da população indígena tem se dado de forma dispersa, fora das aldeias. No Sudeste o número de índios cresceu 20,5% ao ano, quase o dobro da média nacional. E o IBGE calcula que existe pelo menos um índio em cada um de 3.500 municípios que abrangem 65% do território nacional.
Algumas lideranças indígenas, de tribos com privilégios de uso ou exploração de recursos naturais, têm feito transações comerciais - seja no setor de madeiras, no de minérios ou outros - legais e ilegais, cujos resultados podem representar a concretização do sonho de consumo de muitos: carros importados, roupas, objetos e utensílios de luxo, etc. Ora, é como se fosse um clube que atraísse uma multidão de candidatos a sócio, em razão das grandes vantagens oferecidas ao seu quadro associativo. Esperemos apenas que, tendo sido descoberto que nossa população indígena mais do que dobrou em uma década, não se torne reivindicação, agora, aumentar as reservas de 12,5% do território nacional, estabelecidas quando era de 294 mil, de 150%, o que resultaria em quase 32% do território.
É claro que só merece elogios a recuperação do orgulho em relação à própria origem étnica, assim como a valorização da própria cultura, começando pelo idioma materno - e isso vale para todos os povos do mundo, incluindo os habitantes originais do Brasil. Mas seria necessário avaliar melhor a procedência dos que, sem traços étnicos ou culturais mais perceptíveis, começam a "acreditar" que são índios - como se o simples uso de indumentárias e rituais, para efeitos de exibição externa, lhes outorgasse essa privilegiada condição.

OESP, 18/12/2005, p. A3

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