CB, Cidades, p. 35
19 de Jun de 2008
Há 10 anos, um só índio
Terracap diz possuir documentos para provar que os indígenas não têm vínculo histórico com a área onde será erguido o novo setor habitacional. A empresa dará início a uma série de ações judiciais de desocupação
Helena Mader e Gizella Rodrigues
Da Equipe do Correio
A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) garante ter trunfos que permitirão a retomada do terreno de 825 hectares onde será erguido o Setor Noroeste. O presidente da empresa, Antônio Gomes, disse ontem que possui estudos segundo os quais apenas um índio vivia na região 10 anos atrás e um memorando que aponta a inexistência de registros históricos de reserva indígena na capital federal. Esse material será usado pela empresa pública para dar a início a uma batalha jurídica a partir de hoje. Após tentativas infrutíferas de acordo com os 27 índios que atualmente ocupam a área, a disputa para reaver a área agora seguirá na Justiça. A Defensoria Pública da União, responsável por defender os interesses dos índios, também vai entrar com uma ação declaratória para tentar garantir a posse dos indígenas moradores da localidade.
Os advogados da Terracap e os procuradores do Distrito Federal reuniram-se ontem para definir a estratégia jurídica e devem entrar ainda hoje com uma série de ações para pedir a desocupação da região do futuro Noroeste, ao final da Asa Norte, próxima ao Parque Nacional de Brasília. "Temos dois Estudos de Impacto Ambiental (Eia-Rima) realizados nos últimos 10 anos que indicam a presença de apenas um índio vivendo na área", informou o presidente da Terracap, Antônio Gomes. Os levantamentos foram encomendados pela empresa para atestar a viabilidade ambiental do novo setor.
Outro documento: um memorando técnico da Fundação Nacional do Índio (Funai), segundo o qual nunca foi registrada a existência de qualquer sítio indígena na capital federal. "Vamos mover ações para conseguir desocupar a área. Além dos estudos e do memorando, temos fotos aéreas do local. Vamos comprovar que a área é pública e não tem nenhuma relação com reserva indígena", garantiu Antônio Gomes.
Ao todo, 27 pessoas das etnias Fulni-Ô, Kariri-Xocó e Tapuya vivem hoje em uma área de 10 hectares dentro do terreno de propriedade da Terracap. Segundo os próprios índios, o surgimento da comunidade remonta aos anos 1970, quando alguns deles chegaram de estados do Nordeste em busca de tratamento médico. Como não tinham local para se instalar, eles construíram casas no meio da área pública onde hoje o GDF quer construir o novo bairro de classe média da capital.
Acordo
Apesar do clima de embate judicial, Antônio Gomes disse ontem que a empresa ainda está aberta ao diálogo. "Tomaremos as ações cabíveis porque cansamos de esperar por um acordo. Mas ainda estamos dispostos a negociar caso sejamos procurados. Podemos até oferecer outras áreas para transferência", afirmou.
A Terracap já adiantou que vai pedir ao Ministério Público Federal a emissão de uma certidão que comprove que o GDF tentou negociar com os índios antes de entrar na Justiça para retirá-los. A área oferecida pela empresa à comunidade fica no Recanto das Emas. São oito hectares em quatro chácaras, ao lado do Núcleo Rural Monjolo.
A defesa dos índios tentará provar que o terreno ocupado pode ser classificado como reserva indígena. "Os índios têm uma forte ligação espiritual e cultural com aquele local, onde foram enterrados seus antepassados", argumentou a defensora pública da União Liana Pacheco.
Durante o processo, a Justiça deve determinar um perito para analisar essa possibilidade. Caso considere que haja elementos técnicos, o juiz poderá até demarcar parte do terreno como reserva indígena.
Análise da notícia
A quem interessa o embate?
Samanta Sallum
Da equipe do Correio
A disputa pelas terras do Noroeste ultrapassa a questão indígena. Ou melhor, disfarça-se nela. O embate virou alvo de manobra política e empresarial. Há interesses contrariados que não se limitam aos dos índios. Parte do setor imobiliário não está muito contente com a oferta de um novo bairro que pode ofuscar empreendimentos em outros setores. E há também a influência de um grupo político estimulando a resistência. É análise superficial e equivocada encarar esse caso como mais um episódio da velha perseguição dos brancos contra os índios.
O acordo foi proposto pela Terracap. Os índios não aceitam outra terra que não seja naquele local. Por quê? Alguns ambientalistas aplaudem porque os índios representam um escudo do verde contra o concreto. Mas há outras formas de garantirmos a preservação ambiental. E se a questão é essa, que tratemos de forma clara e não usando falsas bandeiras.
CB, 19/06/2008, Cidades, p. 35
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