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Guerrilha colombiana explora ouro ilegalmente na Venezuela, perto da fronteira do Brasil

O Globo, Mundo, p. 33-34
01 de Set de 2019

Guerrilha colombiana explora ouro ilegalmente na Venezuela, perto da fronteira do Brasil
ELN é maior grupo rebelde em atuação na América Latina depois da desmobilização das Farc; produto da mineração clandestina é usado no comércio com brasileiros

Vinicius Sassine, enviado especial
01/09/2019 - 04:30 / Atualizado em 02/09/2019 - 10:36

PACARAIMA, Roraima - O Exército de Libertação Nacional (ELN), maior guerrilha em atuação na América Latina depois de as conterrâneas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ) se desmobilizarem e se tornarem um partido político, atua na exploração ilegal de ouro na Venezuela, a 250 quilômetros da fronteira com o Brasil. O negócio paralelo resulta em transporte do minério - ou do dinheiro associado a ele - ao território brasileiro, em ritmo frenético e à margem de fiscalização.

Criado nos anos 1960 sob inspiração da Revolução Cubana, o ELN também iniciou negociações de paz com Bogotá, mas elas não prosperaram. Seus membros atravessaram a fronteira com a Venezuela e avançaram país adentro, chegando até a região de mineração em Bolívar. É o estado que faz fronteira com Roraima, rota dos milhares de imigrantes venezuelanos que decidiram deixar seu país e tentar a vida no Brasil.

O GLOBO confirmou a informação sobre a presença do ELN no arco de mineração em Bolívar com 12 fontes distintas. O Exército brasileiro e a Polícia Federal (PF) têm informações reservadas sobre a atuação do ELN na região de Las Claritas, uma cidade dominada pela mineração ilegal, a 250 quilômetros - ou três horas e meia de carro - de Pacaraima (RR), cidade na fronteira do Brasil com a Venezuela.

Um desertor de um órgão de espionagem do governo de Nicolás Maduro, abrigado em Pacaraima, disse à reportagem que esteve na região e que presenciou a atuação do grupo guerrilheiro. O mesmo relato foi feito por garimpeiros brasileiros que extraíram ouro no local e por empresários de Roraima que enriqueceram com a exploração ilegal do minério.

Interesse pelo Brasil
Três instituições independentes de pesquisa, que mapearam a penetração do ELN na Venezuela, incluíram nesses mapas o arco de mineração em Bolívar. Dois pesquisadores independentes, de outros institutos, chegaram à mesma conclusão, assim como o Ministério Público da Colômbia e a alta cúpula das Forças Armadas daquele país.

Além de Las Claritas, guerrilheiros exercem influência em outras cidades dependentes do ouro ilegal, como El Callao, a 434 quilômetros de Pacaraima; Tumeremo, a 395 quilômetros; e El Dorado, a 333 quilômetros da cidade brasileira. O respaldo do regime de Maduro à atuação do ELN é apontado tanto pelo governo colombiano quanto por venezuelanos que passaram pela região. A Venezuela estaria cada vez mais dependente do ouro extraído desses lugares, diante da crise econômica aguda e das sanções comerciais e financeiras dos Estados Unidos.

Cerca de mil guerrilheiros do ELN estão na Venezuela e outros 1.400 na Colômbia, de acordo com as Forças Armadas colombianas. Outras autoridades do país mencionam números maiores: 4 mil na Venezuela e 2 mil na Colômbia.

VEJA TAMBÉM: Guerra em Catatumbo: mortes e recrutamento de crianças aumentaram após acordo com as Farc

Os garimpos no arco de mineração em Bolívar têm grandes dimensões, são marcados por uma violência sem controle e por conflitos com outros grupos armados - conhecidos como "sindicatos" pelos garimpeiros. Diversos brasileiros garimpam na região.

Os governos do Brasil e da Colômbia dividem-se quanto à possibilidade de integrantes do ELN terem chegado ao território brasileiro. Segundo o Itamaraty e o Ministério da Defesa, apesar da relativa proximidade, o grupo armado não chegou a ultrapassar a fronteira nem há um fluxo de integrantes ou ex-integrantes da guerrilha na explosão migratória que atingiu Roraima. Militares na região não têm conhecimento de nenhum guerrilheiro ou ex-guerrilheiro que tenham passado por Pacaraima.

"Não há registro de atuação do ELN em nosso território nacional", afirmou o Ministério da Defesa. "A situação atual de operação da embaixada brasileira em Caracas, com limitações de acesso ao interior do país, dificulta a obtenção de informações detalhadas. Não temos registro, até o momento, de atuação ostensiva do grupo próxima à fronteira brasileira", disse o Itamaraty.

Na contramão da posição oficial brasileira, o governo colombiano diz que há, sim, guerrilheiros do ELN entrando e saindo do país. Ao GLOBO, o comandante-geral das Forças Militares da Colômbia, general Luis Fernando Navarro, disse que há interesse do grupo pelo Brasil.

- São muito poucos (no Brasil), são três neste momento, mas esse número oscila porque eles vão e vêm pelas regiões de fronteira. Em relação ao Brasil, o ELN não tem uma grande estrutura, é uma célula pequena de indivíduos que estão fazendo contatos com grupos de delinquência organizada do país.

Além disso, a reportagem encontrou duas conexões de brasileiros com o ELN. Em um dos casos, um jovem de Bauru (SP) segue sendo investigado pelas autoridades colombianas por suposta atuação conjunta com guerrilheiros no Norte da Colômbia, na fronteira com a Venezuela. Ele nega.

A rota do ouro
O ouro extraído da região de Las Claritas está chegando ao Brasil, principalmente por meio de empresas que exportam alimentos à Venezuela . O minério é usado como meio de pagamento, diante da dificuldade de acesso ao dólar e da desvalorização da moeda venezuelana, o bolívar. O pagamento é ilegal, uma vez que não há declaração do ouro em território brasileiro. É comum que o minério recebido seja trocado antes da chegada à fronteira com o Brasil.

- O comércio de Pacaraima é movido pelo ouro venezuelano. No comércio, tem fila de gente vendendo esse ouro - disse uma autoridade com atuação na fronteira, que pede anonimato.

A PF fez apreensões de ouro na fronteira e em Boa Vista, mas o laudo pericial não consegue precisar a origem. O GLOBO questionou a Receita Federal e não houve resposta até o fechamento desta edição.

Autoridades colombianas associam a atuação do ELN ao controle de rotas do tráfico de drogas tanto na Colômbia quanto na Venezuela. Fontes da PF que atuam no combate ao narcotráfico afirmam que, até agora, as investigações em curso e as operações deflagradas não constataram relações entre traficantes brasileiros e integrantes do ELN.

O que é comum, segundo essas fontes, é um "apagão" da cooperação solicitada à Venezuela. Pelo menos três operações da PF detectaram rotas que passam pelo país vizinho com atuação de pilotos brasileiros. A droga vai para EUA e Europa, com uma escala na América Central. O Brasil pediu cooperação a Caracas para destruição das rotas e não teria sido correspondido.

O ELN mantém um site, onde informa e-mails para contato. O GLOBO enviou perguntas aos dois e-mails informados, mas as mensagens não chegaram ao destino. O Ministério da Defesa da Venezuela não retornou o contato.

Brasileiro é suspeito de ligação com guerrilha colombiana
Eduardo de Abreu Rays, de Bauru, foi preso com combatentes do ELN, mas diz ter sido sequestrado e forçado a pilotar avião roubado

Vinicius Sassine
01/09/2019 - 04:30 / Atualizado em 01/09/2019 - 10:04

BRASÍLIA - Um homem de 34 anos do interior de São Paulo é o único brasileiro a ter elo conhecido com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional ( ELN ), o grupo narcoterrorista de extrema-esquerda da Colômbia que segue na luta armada. Eduardo de Abreu Rays, de Bauru, foi preso em flagrante em 31 de janeiro de 2018 no Norte da Colômbia , quase na fronteira com a Venezuela. Estava ao lado de três integrantes do ELN - os quatro devidamente trajados com roupas militares e com braceletes da organização guerrilheira, segundo o Ministério Público (MP) do país - e participou do roubo de um pequeno avião carregado com 2 bilhões de pesos colombianos (cerca de US$ 579 mil), conforme a acusação do MP.

Rays ficou preso na Colômbia por um ano e quatro meses, até maio passado. Está de volta ao Brasil, segundo um levantamento de dados feito pelo MP colombiano. O roubo do avião ocorreu no aeroporto da cidade de Aguachica, no departamento (estado) de Cesar. Segundo a acusação, a avioneta carregada de dinheiro estava na pista do aeroporto, já tripulada, quando os quatro integrantes do ELN chegaram ao local fazendo disparos de fuzis. Acuados, os tripulantes desceram e os assaltantes tomaram o controle da aeronave.

Logo após decolarem, foram surpreendidos por disparos da polícia e forçados a pousar apenas cinco quilômetros adiante. O piloto era Rays, que acabou preso. Os três guerrilheiros que o acompanhavam fugiram. Na hora, o brasileiro disse ter sido sequestrado pela guerrilha em Barranquilla, a 420 quilômetros de Aguachica.

- Ele argumentou ter entrado na Colômbia com uma filha pequena. Mas entrou sozinho - disse ao GLOBO o procurador Cesar Tibamoso, que atua na área especializada do MP contra o terrorismo e cuida do caso.

Tibamoso explica que é comum o fluxo de guerrilheiros na fronteira entre Colômbia e Venezuela . Em suas palavras, "eles entram e saem o tempo todo" nessa parte norte do país.

Rays, no entanto, acabou sendo beneficiado por uma questão processual. Como não havia um tradutor para o português, o brasileiro acabou liberado e voltou ao Brasil. O promotor diz que isso não significa, no entanto, impunidade. Se houver condenação pela Justiça colombiana, o MP local vai pedir às autoridades brasileiras a extradição.

Dois casos comunicados
O GLOBO conseguiu contato com o jovem, por telefone. Ele - cujas postagens nas redes sociais não evidenciam nenhuma militância de esquerda ou extrema esquerda - disse ter sido sequestrado e obrigado a pilotar o avião.

- Sou vítima. Estou em tratamento psiquiátrico, sob efeito de drogas, foi um trauma terrível. Fiquei totalmente abalado.

Questionado sobre onde no Brasil ele está no momento, Rays respondeu:

- Não estou em lugar nenhum.

Telegramas diplomáticos obtidos pelo GLOBO, por meio de pedido ao Itamaraty via Lei de Acesso à Informação, mostram que organismos diplomáticos do Brasil na Colômbia foram acionados pelo menos duas vezes nos últimos dois anos para tratar de casos de brasileiros relacionados de alguma maneira ao ELN. Um desses casos é o que envolve Rays.

O telegrama da Embaixada do Brasil em Bogotá ao Itamaraty informa que um cônsul de Bucaramanga, a 170 quilômetros de Aguachica, foi deslocado para dar assistência ao brasileiro. Na audiência, em 2 de fevereiro de 2018, Rays ouviu a acusação de envolvimento com o ELN, como consta no telegrama. A sessão durou oito horas e, depois, ele foi encaminhado a um presídio de segurança máxima.

Um segundo caso citado em telegrama ocorreu em 2017. Uma brasileira foi sequestrada junto com a irmã do então negociador-chefe do governo colombiano com o ELN . Não fica claro se o grupo foi o responsável pelo sequestro. O telegrama diplomático registra que as duas ficaram 24 horas em poder de "criminosos" ligados a um "grupo delinquente", sendo libertadas pela Polícia Nacional da Colômbia.

Os telegramas mostram ainda que o governo brasileiro foi informado sobre como o ELN ocupou vazios deixados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ) e sobre a consolidação da presença da guerrilha na fronteira entre Colômbia e Venezuela, incluindo com atuação em mineração ilegal. Os diplomatas avaliaram que não havia quase nenhum otimismo das autoridades colombianas em relação a um acordo de paz com o grupo.

O acordo de paz costurado com as Farc rendeu frutos para o ELN. A chegada em 2018 de um governo de direita na Colômbia, do presidente Iván Duque, tornou a possibilidade de acordo ainda mais remota.

Em janeiro deste ano, um atentado do ELN com carro-bomba contra uma escola militar em Bogotá deixou 21 mortos. Menos de um ano antes, sete policiais foram mortos em outro ataque do grupo, ainda no governo de Juan Manuel Santos, responsável pelo acordo de paz com as Farc. Na semana passada, três ex-dirigentes das Farc anunciaram um retorno às armas e defenderam uma aliança ao ELN. O ex-comandante militar das Farc e atual líder do partido político formado após o acordo de paz, Rodrigo Londoño, condenou os dissidentes e afirmou que eles representam menos de 10% dos ex-combatentes.

'Vínculo de guerrilha colombiana com Brasil é de negócios ilegais', diz general
Luis Fernando Navarro, comandante-geral das Forças Militares da Colômbia, foi nomeado há oito meses para impedir expansão de dissidentes das Farc

Vinicius Sassine e Leticia Fernandes*
01/09/2019 - 04:30 / Atualizado em 01/09/2019 - 10:02

COLÔMBIA e BRASÍLIA - O general Luis Fernando Navarro foi nomeado há oito meses comandante das Forças Militares da Colômbia para "estancar a expansão de dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ) e atacar as bases do ELN ", segundo descrição de autoridades diplomáticas brasileiras em Bogotá em comunicado a Brasília. Em sua ampla sala no 16o andar de um edifício no centro de Bogotá, Navarro deu uma entrevista ao GLOBO na última sexta-feira. Ele apontou a existência de tráfego de integrantes do ELN na Amazônia brasileira.

O que o governo vai fazer diante do anúncio de dissidentes das Farc de que voltarão a pegar em armas?

Isso não é nada novo. Já havia uma frente afastada do processo de paz. As mesmas Farc que já estavam imersas no processo excluíram das negociações alguns integrantes. Começaram a surgir grupos em regiões do país ao redor de economias ilícitas como o narcotráfico e a exploração de ouro ilegal. Então, esses bandidos já estavam delinquindo. O pronunciamento e a ameaça ao Estado colombiano feita pelo bandido conhecido como Iván Márquez (que foi um dos principais negociadores do processo de paz) não devem ser encarados como o surgimento de um novo grupo. Eles simplesmente estão se juntando aos outros grupos que já estavam organizados.

Há uma aliança com o ELN?

Há alianças com o ELN no departamento de Arauca e foram encontrados na Venezuela líderes de uma das frentes de guerra do grupo, além desses personagens obscuros que vimos ontem [quinta-feira, 29]. Queremos reiterar ao povo colombiano e à comunidade internacional, especialmente aos nossos vizinhos, que o Estado colombiano vai seguir fazendo controle territorial, combatendo o narcotráfico, a extorsão, o sequestro e a exploração de ouro ilegal.

O acordo de paz está ameaçado?

O governo tem sido firme em reafirmar o compromisso de acolher as pessoas que participam do acordo de paz, e os compromissos estão avançando. Nos ETCR (espaços territoriais de capacitação e reincorporação, onde estão concentrados ex-guerrilheiros das Farc em processo de negociação), não temos nenhuma ameaça.

Quantos dissidentes das Farc estão hoje na Venezuela?

Calcula-se mais ou menos 600 bandidos na Venezuela. Eles se sentem seguros lá, longe do alcance das autoridades colombianas.

E quantos integrantes do ELN estão em território colombiano e venezuelano?

São aproximadamente 2.400 bandidos do ELN no total, sendo mil na Venezuela. Estamos falando de Táchira e Apure, onde mais permanecem. E também do Amazonas venezuelano e, em número pequeno, do Amazonas brasileiro. Essa presença no Brasil não é significativa, porque a missão deles não é controle territorial. É muito mais de coordenação com as estruturas de crime organizado brasileiro para temas de narcotráfico, exploração de minas ilegais, tráfico de armas, munições e explosivos. Eles controlam pistas de voos da Amazônia venezuelana e levam drogas até Manaus e depois para os principais portos do país. Também há registro dessas atividades na região do Triângulo Mineiro.

O ouro explorado ilegalmente pelo grupo chega ao Brasil?

Sim, o vínculo desse grupo com o Brasil é mais esse dos negócios ilegais. Acredito que podemos neutralizá-lo com os mecanismos de cooperação entre os dois países.

Como é a atuação do ELN na Venezuela? Como se organizam?

A presença do ELN na Venezuela é determinada por algumas variáveis. A primeira é o uso do território venezuelano como uma retaguarda estratégica. Segundo, uma clara conivência das autoridades do regime de Nicolás Maduro com essa organização. E, terceiro, eles não são combatidos e se sentem seguros. Na Venezuela não há um controle fronteiriço em relação aos grupos armados, e as estruturas que mais delinquem ou permanecem na Venezuela são algumas frentes de guerra do ELN. Isso facilita o refúgio de seus líderes.

Qual o tamanho da exploração de ouro ilegal em território venezuelano?

É muito grande, eles estão presentes principalmente nos estados do Amazonas venezuelano e de Bolívar, explorando a região conhecida como Arco Mineiro. Também há presença dessa exploração ilegal nos estados de Apure e Zulia. O ELN controla toda a cadeia da exploração ilegal. Obviamente há também crime organizado, delinquência comum, é uma mescla total e absoluta de ilegalidade e, aliadas a isso, autoridades corruptas.

O Globo, 01/09/2019, Mundo, p. 33-34

https://oglobo.globo.com/mundo/guerrilha-colombiana-explora-ouro-ilegal…

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