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A guerra no clima (em busca de paz?)

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
22 de Abr de 2005

A guerra no clima (em busca de paz?)

Washington Novaes

Aproxima-se de momentos decisivos a discussão do futuro da Convenção sobre Mudanças Climáticas, que tem reunião de 19 a 27 de maio em Bonn, na Alemanha. À medida que cresce a pressão européia sobre os Estados Unidos e sobre países em desenvolvimento grandes emissores de poluentes (China, Índia e Brasil), para que assumam compromissos de reduzir emissões - com estudos cada vez mais alarmantes sobre a intensificação de desastres "naturais" - cresce também a pressão para que a solução seja a energia nuclear. Ou que se adotem tecnologias como a de seqüestro do carbono para injetá-lo no subsolo ou no fundo do mar, sem ter de reduzir emissões ou mudar a matriz energética dos países industrializados, baseada na queima de combustíveis fósseis.
Os novos estudos científicos são, de fato, muito preocupantes. Como o de 1.350 cientistas, de 95 países, divulgado no último dia 30 de março por este jornal, assegurando que dois terços dos sistemas naturais do planeta já estão poluídos ou sobreexplorados e que "não há garantia da capacidade de sustentar as futuras gerações". Outro estudo, de cientistas da Universidade de Colúmbia, afirma que mais de 20% da superfície terrestre, onde vive acima de 50% da população mundial em mais de 90 países, já estão expostos a terremotos, erupções vulcânicas, ciclones, deslizamentos de terra ou a mais de um desses fenômenos.

O conceituado Lester Brown lembra que as pastagens degradadas no mundo já somam 6,8 milhões de quilômetros quadrados e se ampliam de ano para ano, pois têm de alimentar 3,3 bilhões de bois, carneiros e ovinos, que exigem 700 milhões de toneladas anuais de forragens, acima de sua possibilidade (diz o Fundo do Centro-Oeste que de 70% a 80% das pastagens dessa região sofrem algum nível de degradação). Thabo Mbeki, da África do Sul, acrescenta que 1 bilhão de pessoas vivem em áreas em processo de desertificação, no continente africano; ali, 36 das 53 nações já estão afetadas pela degradação de terras e pelas secas.

No Brasil mesmo, a preocupação cresce, com o outono no Sudeste apresentando temperaturas até 4 graus acima da média histórica, Santa Catarina promovendo congresso para estudar furacões, o próprio Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas propondo ao governo federal que adote "metas internas" (fora do Protocolo de Kyoto) para reduzir as emissões de gases por desmatamentos, queimadas e mudanças no uso da terra. Pede também uma avaliação sobre a desertificação no semi-árido nordestino.

95% dos "desastres naturais" acontecem nos países "em desenvolvimento", concluíram os cientistas na conferência mundial sobre esse tema, no Japão. Entre 1994 e 2004, foram 7.100 desastres, que deixaram 300 mil mortos, prejuízos de US$ 800 bilhões e afetaram 250 milhões de pessoas.

Para complicar mais o quadro, divulga-se que um dos maiores avanços na área chamada de ambiental - a substituição dos gases CFC por HCFC, impedindo que aumentasse o esgarçamento na camada de ozônio - está também ameaçado. Porque os HCFCs - verifica-se agora - são mais nocivos que o dióxido de carbono, no aumento da concentração de gases que provocam o aquecimento do planeta. E o "buraco" na camada de ozônio, embora tenha caído do recorde de 28,5 milhões de quilômetros quadrados, está em 25 milhões de quilômetros quadrados. E o mundo ainda usa 150 mil toneladas anuais de CFCs.

Nesse quadro amplo, delegados europeus, em discussão com a subsecretária de Estado norte-americana, Paula Dobriansky, conseguiram demonstrar - com base em estudos do próprio Departamento de Energia dos Estados Unidos - que uma redução de 4% nas emissões de gases poluentes dos Estados Unidos até 2015 e de 7% até 2025 implicaria, para o país, uma perda de apenas 0,15% no seu produto anual bruto - e isso significaria US$ 78 por família a cada ano; as tarifas de energia subiriam menos de 5% até 2025.

Mas a lógica não esgota a questão. Até para não aceitar a argumentação, Estados Unidos e outros países desencadeiam uma campanha para divulgar que o caminho para combater mudanças climáticas é o da energia nuclear. E ganharam poderoso aliado no criador da "teoria de Gaia", James Lovelock, que era um dos "papas" dos ambientalistas. Para os defensores da energia nuclear, só ela permitiria suprir o aumento de 60% no consumo de energia até 2015, sem aumentar emissões e "sem custos muito altos, como os de algumas energias alternativas" (embora a nuclear seja muito mais cara que a hidreletricidade, por exemplo).

Só que os defensores da energia nuclear continuam sem solução para gravíssimos problemas apontados por vários estudos: a destinação do lixo nuclear (mesmo nos Estados Unidos, a Justiça embargou a instalação de um depósito em Yucca Mountain, por falta de segurança), o transporte dos rejeitos, a segurança das usinas na sua operação ou em eventuais ataques terroristas. Ainda agora, deixou de operar a maior usina espanhola, por problemas de segurança; na Grã-Bretanha, relatórios do próprio governo apontaram os riscos de privatizar serviços em usinas nucleares, porque aumentaria o risco de acidentes, como já aconteceu no Japão.

Apesar de todos esses problemas, setores do governo brasileiro insistem na implantação da usina Angra 3 (quando não têm solução para o lixo de Angra 1 e Angra 2). O Ministério de Minas e Energia é contra, assim como o Ministério do Meio Ambiente. Mas o Ministério de Ciência e Tecnologia quer, assim como a Casa Civil da Presidência.

Tudo isso no país das biomassas, da energia eólica, da energia solar, da energia das marés. Com a possibilidade de uma matriz energética absolutamente limpa.

OESP, 22/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

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