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A guerra na floresta

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: FARIAS, Lindberg
22 de Abr de 2004

A guerra na floresta

Lindberg Farias

Os garimpeiros mortos por índios cintas-largas, em Rondônia, são vítimas de uma guerra que existe há decênios nos confins do Brasil , mas que só vem ao conhecimento da opinião pública, através da opinião publicada, quando se transforma em tragédia de grandes proporções, como esta que se verificou agora na reserva indígena Roosevelt, em Espigão D'Oeste.
Como membro da Comissão Especial designada pelo presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, para analisar in loco os conflitos decorrentes do anúncio da homologação da Reserva Raposa/ Serra do Sol, em Roraima, pude verificar as duas facetas de uma mesma moeda.
De um lado, os 12 mil índios macuxis, que legitimamente reivindicam o direito à terra que pertenceu aos seus antepassados e que defendem a homologação da reserva em área contínua - um território de cerca de 1,7 milhão de hectares, numa região de fronteira com Guiana e Venezuela.
De outro, estão fazendeiros, não-índios moradores do município de Uiratumã e também cerca de 7 mil índios de seis etnias que vivem e produzem naquelas terras e são contrários à demarcação em área contínua. Em comum, apenas uma certeza: a de que a homologação será decisiva para o destinos de todos eles.
Demarcada há oito anos, mas não homologada devido aos conflitos que envolve, a reserva corresponde a cerca de 8% do território total de Roraima, estado paupérrimo criado há apenas 15 anos e que tem 46,17% de sua área em terras indígenas. Do que resta, apenas 7,2% são cultiváveis, segundo a Embrapa. A área compreendida pela reserva Indígena Raposa/Serra do Sol é particularmente problemática porque estão ali concentradas as terras mais produtivas do estado, com lavouras de arroz que respondem por 60% da produção agrícola local e por 10,25% do PIB de Roraima.
Além disso, a região é rica em minérios e pedras preciosas, sem contar a biodivesidade cujos benefícios econômicos ainda são desconhecidos. O fato é que a homologação da reserva em área contínua, como defendem a Funai, o Ministério da Justiça, Igreja e ONGs, boa parte das quais estrangeira, é vista como um entrave ao desenvolvimento do Estado.
Numa terceira ponta, estão ainda as Forças Armadas, que não sem razão temem que a faixa de 15 quilômetros de fronteira com Venezuela e Guiana dentro da reserva torne o país vulnerável a atividades como garimpo ilegal, contrabando, narcotráfico e biopirataria. Uma questão de segurança nacional que muitos consideram paranóia nacionalista, mas que não deve ser deprezada.
São tantas e tão delicadas as questões envolvidas nesta questão referente a terras indígenas que só posso classificar como irresponsáveis as recentes declarações do presidente da Funai, Mércio Pereira, no episódio do massacre aos garimpeiros da reserva Rossevelt. Quando, em entrevista, ele diz que o assassinato de brasileiros em busca de uma vida melhor foi uma forma legítima de índios reagirem contra a invasão de seus territórios, o presidente da Funai, em vez de pacificar, fomenta ainda mais os conflitos já existentes em torno desta questão. No lugar de bombeiro, um incendiário. Uma pessoa imbuída desse espírito está no lugar errado, na hora errada.
O relatório por mim apresentado após exaustivas audiências públicas com todos os atores envolvidos no conflito da reserva indígena Raposa/ Serra do Sol, em Roraima, será submetido ao presidente Lula para que ele decida qual o melhor caminho para a questão. Nele, não busco fomentar o conflito, mas apontar soluções que contemplem a todos, que preserve a segurança nacional e garanta sustentabilidade para o estado de Roraima e para aqueles que vivem da terra, sejam eles índios ou não.
A homologação da reserva em área descontínua, reservando a faixa de 15 quilômetros de fronteira para a atuação das Forças Armadas e preservando o município de Uiramutã e as fazendas produtivas da região é, no nosso entender, a melhor forma de evitar uma guerra civil em plena Floresta Amazônica. Isso, nenhum brasileiro em sã consciência deve desejar. Muito menos o presidente de um órgão como a Funai.

Lindberg Farias é deputado federal (PT-RJ).

O Globo, 22/04/2004, Opinião, p.7

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