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A "Guerra do Paraguai", o Dia do Soldado e a questão indígena em MS (1ª Parte) - Jorge Eremites de Oliveira

Douradosagora - http://www.douradosagora.com.br/not-view.php?not_id=261697
Autor: Jorge Eremites de Oliveira
24 de Ago de 2009

A guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), chamada no Brasil de "Guerra do Paraguai" e no Paraguai de "Guerra da Tríplice Aliança", foi o maior conflito bélico platino de todos os tempos. Muito já se estudou e publicou sobre o assunto e outras tantas pesquisas ainda estão por vir. Apesar desta constatação, pouco se conhece sobre a participação indígena neste evento que é um divisor de águas na história de Mato Grosso do Sul.

Em fins de dezembro de 1864, tropas paraguaias sob o comando maior de Francisco Solano López (1827-1870) invadiram o sul da antiga província de Mato Grosso, região que grosso modo corresponde ao atual Mato Grosso do Sul, e nela permaneceram até 1867.

Uma frente invasora com cerca de 200 homens, sob as ordens do major paraguaio Martín Urbieta, seguiu por terra e atingiu a Colônia Militar dos Dourados, criada em 1856 e implantada em 1861. Ali encontrou a resistência de uns 15 soldados comandados pelo tenente Antônio João Ribeiro (1823-1864), natural de Poconé. Foi dele e seus subordinados um dos primeiros exemplos de altivez e patriotismo no cumprimento do dever e em defesa do território brasileiro: não recuaram diante da superioridade numérica e bélica dos invasores e acabaram mortos em seu posto de trabalho. Por isso o oficial foi transformado em mártir e herói da guerra, vários monumentos em sua homenagem foram erguidos pelo país e hoje em dia é o patrono do Quadro Auxiliar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Outra frente invasora seguiu pelo rio Paraguai e encontrou resistência no Forte de Coimbra, fundado em 1775, embora em seguida o lugar tenha sido conquistado pelos inimigos. Dali os soldados paraguaios chegaram até Corumbá e lá cometeram uma série de atrocidades comuns em época de guerra, quando a ética e a moral nem sempre são levadas para o front de batalha, tampouco são rememoradas pelos vencidos. Permaneceram naquela cidade até 13 de junho de 1867, quando enfraquecidos pela varíola e outras adversidades foram derrotados pelas tropas imperiais sob o comando do marechal cuiabano Antônio Maria Coelho (1827-1894). O mesmo militar posteriormente foi governador de Mato Grosso e até hoje em dia é tido como o herói da Retomada de Corumbá, onde, aliás, permaneceu até seus últimos dias. Contudo, ainda em fins de 1864, quando parte dessa frente chegou ao Presídio de Miranda, cuja construção teve início em 1797 e gradualmente deu origem ao município homônimo, não encontrou nenhum militar em seu posto de trabalho. Isso porque os soldados que lá deveriam estar fugiram rapidamente para a Serra de Maracaju quando souberam da aproximação das forças paraguaias. A fuga foi tão rápida que sequer tomaram o cuidado de levarem consigo todas as armas de fogo que ali havia.

No entanto, os paraguaios ao chegarem à região de Miranda foram surpreendidos por uma resistência armada protagonizada por centenas de indígenas, muitos deles sob o comando de um jovem capitão (cacique) chamado Pacalalá. Ele à época tinha pouco mais de 20 anos, pertencia à etnia Kinikinao e despontava-se como a principal liderança política em uma aldeia local. Além dos Kinikinao, indígenas de outras três etnias culturalmente aparentadas também habitavam aquela região pantaneira e fizeram frente às tropas paraguaias. Trata-se dos Echoaladi, Laiana e Terena, povos outrora genericamente nominados de Guaná e Chané, e atualmente quase sempre identificados como Terena. As armas de fogo usadas para enfrentar os paraguaios foram as abandonadas pelos militares que fugiram de Miranda.

Os Guató e Kadiwéu (descendentes dos antigos Guaikuru), por sua vez, que também viviam na região pantaneira e eram aliados das tropas imperiais, igualmente impuseram uma resistência bélica aos soldados de Solano López. Também atuaram como guias e fornecedores de alimentos ao Exército Brasileiro. Não raramente saciaram a fome de centenas de soldados enviados para o palco dos conflitos, assim como fizeram outros povos. Este fato está registrado no livro O Selvagem, do general mineiro José Vieira Couto de Magalhães (1837-1898), presidente da província de Mato Grosso naqueles tempos. Muitas comunidades Guarani e Kaiowá, que viviam em outras regiões do antigo sul de Mato Grosso, foram perseguidas por tropas paraguaias e procuraram refúgio em áreas menos acessíveis e conhecidas pelos invasores. Até índios vindos de distantes regiões do país, como do Nordeste, foram recrutados pelo Exército Brasileiro e transformados em "Voluntários da Pátria". Este é caso dos Xukuru e Fulni-ô que vivem em Pernambuco.

*O autor é graduado em História, pela UFMS, mestre e doutor em Arqueologia, pela PUCRS e professor na Faculdade de Ciências Humanas da UFGD. E-mail: eremites@ufgd.edu.br.
Fonte: Douradosagora

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