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Guarani e Kaiowá seguem sofrendo represálias da Justiça e fazendeiros na luta por suas terras

Agência de Informação Frei Tito para a América Latina - Adital (Fortaleza - CE) - www.adital.com.br
17 de Set de 2015

A luta dos indígenas Guarani e Kaiowá do Estado do Mato Grosso do Sul sofre mais um revés. A Justiça Federal de Ponta Porã revalidou nesta quarta-feira, 16 de setembro, a liminar de reintegração de posse, de 2005, referente a quatro fazendas sobrepostas à Terra Indígena Ñanderú Marangatú, no município de Antônio João, e retomadas pelos Guarani e Kaiowá no fim do último mês de agosto. A decisão ocorre mesmo tendo o Ministério Público Federal se manifestado contrário à revalidação da liminar, uma vez que se trata de Terra Indígena homologada.

Não satisfeito em apenas reintegrar aos fazendeiros invasores da terra indígena homologada, o juiz mandou intimar a "etnia guarani/kaiowa", composta por cerca de 48 mil indígenas, a cumprir a ordem num prazo máximo de cinco dias. Caso não cumpram, serão enquadrados no crime de desobediência.

Marangatú é o território onde o líder indígena Semião Vilhalva foi assassinado depois de ataque de fazendeiros, no fim de agosto último. "Preocupou a gente. Sofremos esses ataques, perdemos o Semião, mas a nossa decisão é de não sair da nossa terra. Não tem pra onde ir e aqui é o nosso lugar", afirma uma liderança que não identificada por razões de segurança. A ação de reintegração atinge as fazendas Barra, Fronteira, Cedro e Primavera. Fronteira tem como proprietária a presidenta do Sindicato Rural de Antônio João, Roseli Maria Ruiz, líder do ataque dos fazendeiros que culminou na morte de Vilhalva; além de Barra, de onde partiram os tiros que mataram o indígena.

Na ordem de despejo, o juiz Diogo Ricardo Góes Oliveira determina que os Guarani e Kaiowá retornem para a área de 30 hectares, conforme determinado na sentença de 2005. A Ñanderú Marangatú foi homologada naquele mesmo ano, garantindo o direto dos indígenas de ocupação de 9 mil hectares, onde deveriam estar os cerca de 1.500 Guarani e Kaiowá.

A Polícia Federal, determinou o juiz, deve garantir o despejo e investigar o descumprimento, pelos indígenas, da decisão liminar de 2005, que impedia os Guarani e Kaiowá de qualquer ação de retomada, e os deixa em apenas 30 hectares. Caso os indígenas não saiam de Ñanderú Marangatú, segundo a decisão, o servidor federal da Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela Coordenação Técnica Local (CTL), estará sob pena de responsabilidade funcional.

Mesmo com a decisão afetando a vida de 1.500 indígenas, o juiz não mandou intimar o Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul. "Por dever constitucional, o MPF tem a obrigação de defender os indígenas. No caso de Ñanderú Marangatú, a procuradoria faz parte do processo", assinala o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). A defesa dos Guarani e Kaiowá irá recorrer da decisão.

Nova retomada

Já os indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha [lugar onde se é] Pyelito Kue/Mbarakay retomaram ainda nesta quarta-feira, 16, a Fazenda Santa Rita, incidente no território tradicional já identificado e localizado no município de Iguatemi, também no Estado do Mato Grosso do Sul. Os indígenas estavam confinados em poucos hectares, tornando o dia a dia da comunidade insustentável e submetendo o grupo à fome.

De acordo com informações de conselheiros da Aty Guasu, quando os cerca de 300 indígenas chegaram na fazenda, encontraram apenas um funcionário. Não houve confronto. A nova retomada dos Guarani e Kaiowá faz parte da empreitada de retornar às terras tradicionais, de onde foram expulsos no decorrer do século XX, sobretudo a partir da década de 1950.

Pyelito Kue possui um histórico recente de violências. Em 2012, a comunidade emitiu uma nota pública afirmando que preferiam morrer a deixar a terra indígena. Na época, viviam às margens do rio Hovy, depois de expulsos de retomadas anteriores, e sofriam com decisão da Justiça Federal pela reintegração de posse da área. Com a publicação do relatório de identificação, em 2013, os Guarani e Kaiowá retomaram a Fazenda Cambará, onde estão até hoje.

Entre março e abril do ano passado, a área retomada foi atacada três vezes por "seguranças" de propriedades incidentes no território. Em uma das ocasiões, tiros de grosso calibre foram disparados contra as moradias feitas de lona. Meses depois, em novembro, Adriano Lunes Benites, de 21 anos, foi alvejado na perna por jagunços de uma fazenda enquanto se dirigia à aldeia. A terra indígena teve 41.571 hectares identificados como tradicionais pela Funai. Vivem em Pyelito Kue/Mbarakay 1.793 indígenas, conforme dados de 2008.

Nas últimas semanas, os Guarani e Kaiowá dos tekoha Ñanderu Marangatu, em Antônio João, e Guyra Kamby'i, na região de Dourados [Mato Grosso do Sul], também realizaram retomadas e foram atacados, de forma violenta, por fazendeiros organizados pelos sindicatos rurais. Em Marangatu, Semião Vilhalva foi assassinado durante uma dessas ofensivas. No caso de Guyra Kamby'i, os indígenas foram expulsos das áreas e pressionados a permanecer apenas nos dois hectares em que já viviam confinados.

Emenda beneficia fazendeiros

Com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 71/2011) pelo Senado, recentemente, que mexe na regularização de compra e venda das terras indígenas, mais uma vez, as lideranças de Aty Guasu Guarani e Kaiowá exigem dos poderes do Estado brasileiro uma política de indenização e reparação justas aos povos indígenas massacrados sobreviventes. De acordo com a PEC, os donos de terras com títulos de domínio adquiridos até 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição brasileira), que passaram a ser consideradas Terras Indígenas, poderão ser indenizados pela União.

No comunicado as lideranças indígenas pedem ainda a apreciação urgente por parte do Estado de uma política compensatória para os povos indígenas, por vender as terras indígenas e por permitirem a expulsão violenta dos indígenas de suas terras, por trabalhos escravos indígenas, por financiar a destruição total da floresta e rios, por permitir as ações de genocídio, etnocídio, extermínio e violências permanentes contra os povos indígenas.

Histórico

Os povos indígenas do Mato Grosso do Sul foram massacrados e expulsos de seus territórios tradicionais no processo de criação das fazendas sobre os territórios indígenas. Entre as décadas de 1920 e 1980, o Governo do Brasil passou a doar ou vender as terras indígenas aos particulares/fazendeiros, permitindo a invasão e exploração das terras indígenas. Os fazendeiros começaram a escravizar os indígenas e exploraram a mão de obra indígena na derrubada da floresta, formação das fazendas e na usina de álcool, etc. Em meados de 1980, após formação das fazendas, os indígenas foram expulsos de suas terras, despejados e largados nas beiras das estradas. Portanto, desde 1980, os indígenas Guarani e Kaiowá expulsos de suas terras, sem mais espaço de terra para produzir os seus alimentos começaram a sofrer miséria e fome. Os indígenas tornaram se vulneráveis e instáveis.

Suicídio

Os suicídios de indígenas Guarani e Kaiowá começaram em meados de 1980, após serem expulsos de suas terras e despejados nas Reservas/Postos Indígenas. De fato, desde 1980 até hoje 2015, tanto na margem da rodovia quanto nas pequenas ilhas de terras, denominada de aldeia/reserva indígena, mais de 1.000 Guarani e Kaiowá praticaram o suicídio.

Trabalho escravo

Em 1990, mais de 10.000 indígenas Guarani e Kaiowá foram submetidos ao trabalho escravo e degradante na corte de cana de açúcar, na usina de álcool. Hoje, mais de 20.000 homens desde 1980 foram e são explorados e escravizados na usina de álcool. No final dos anos 1990, começaram os ataques promovidos pelos fazendeiros às comunidades Guarani e Kaiowá e lideranças foram ameaçadas e assassinadas. Mais de 10.000 comunidades Guarani e Kaiowá foram atacadas e massacradas a tiros pelos fazendeiros, ações permitidas pelo governo federal e pela justiça brasileira.

Investigação de assassinato

Em informe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), enviado no início desta semana, o Cimi pede ao órgão que acione o governo brasileiro a cumprir com as leis internas e os tratados internacionais diante do assassinato de Semião Vilhalva Guarani e Kaiowá. No documento, endereçado ao secretário executivo da CIDH, Emílio Alvarez Icasa, o Conselho pede ao organismo a utilização da Convenção Americana de Direitos Humanos para garantir proteção e justiça aos defensores de direitos humanos do povo Guarani e Kaiowá.

Semião foi morto a tiros no último dia 29 de agosto, durante ataque de fazendeiros à Terra Indígena Ñanderú Marangatú, homologada em 2005, no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. Semião procurava o filho, às margens do córrego estrelinha, quando foi alvejado no rosto. Conforme relata o informe à Comissão, o ataque envolveu cerca de 100 indivíduos armados e ocorreu após uma reunião na sede do Sindicato Rural de Antônio João.

Com informações do Cimi.

http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cat=10&cod=86563

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