VOLTAR

Grande Sao Paulo vivera longo periodo de tensao: regiao levara no minimo cinco anos para vencer a crise atual marcada por equilibrio exagerado entre oferta e demanda

GM, Rede Gazeta do Brasil, p.B11
08 de Dez de 2003

Grande São Paulo viverá longo período de tensão
Região levará no mínimo cinco anos para vencer a crise atual marcada por equilíbrio exagerado entre oferta e demanda.

Otimistas e pessimistas fazem a mesma previsão: a Grande São Paulo, com seus quase 18 milhões de habitantes, vai atravessar a partir de agora um longo período de tensão no abastecimento de água. As divergências entre uns e outros correm por conta do prazo e da intensidade dos problemas que vão surgir no período. Os otimistas acreditam que em mais seis anos a região conseguirá reestabilizar o abastecimento com a implantação de uma nova fonte de captação. E os pessimistas acham que o período crítico será mais prolongado - de oito a dez anos. Enquanto os primeiros acreditam que a região conseguirá administrar os problemas, combater o desperdício, promover programas de racionalização do uso da água, os segundos prevêem a continuidade da "inércia" e da "negligência", o que deverá trazer dramaticidade à crise. Os pessimistas acham, enfim, que a possibilidade de se consumar a tragédia quase registrada durante a estiagem de 2001 - quando um contingente de 6 a 7 milhões de pessoas quase fica sem água por tempo indeterminado - é muito grande nos próximos anos. A realidade é que os problemas da água doce na Grande São Paulo e no cinturão industrializado que a envolve (Campinas, Piracicaba) adquiriram forte dramaticidade nos últimos anos. Ela decorre, em primeiro lugar, da imprevidência governamental que não buscou novas fontes de suprimento. O sistema, hoje, funciona no limite da demanda. É enorme, dizem os especialistas, sua fragilidade em períodos de seca. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) teve que se desdobrar na gestão do sistema para evitar a "tragédia" de 2001. Para fazer prevalecer o prazo considerado "crítico" pelos otimistas - cinco anos - o governo Geraldo Alckmin terá que agir rápido. A solução mais ágil à sua disposição seria a captação de água no Vale do Ribeira. Se as obras forem iniciadas logo mais, a região terá que esperar por cinco anos para ver os primeiros volumes de água chegarem à torneira. Há pelo menos 15 anos especialistas em saneamento têm alertado o governo para a necessidade da implantação de novas fontes de água para acompanhar a demanda crescente da Grande São Paulo. As alternativas indicadas permanecem as mesmas: rio Ribeira de Iguape ou rio Paraíba, no Vale do Paraíba. Cada uma delas sempre apontou para um problema específico à frente: no caso do Paraíba, fala-se numa possível reação do Rio de Janeiro, grande usuário das águas do rio, contra a captação nas cabeceiras, por São Paulo. Chega-se a pensar numa guerra entre estados que lembraria o conflito entre Brasil e Argentina pela construção da hidrelétrica de Itaipu. Houve muito tempo para negociações, nada foi feito e a solução continua na estaca zero. A captação no Vale do Ribeira sempre foi vista como solução conflitante com o meio ambiente dada a existência de reservas florestais primitivas na região. Ainda nesta semana, a Isoterma Construções Técnicas apresentou a Geraldo Alckmin o seu projeto "Serra do Mar", um sistema de captação na bacia do Ribeira (rio Juquiá) dimensionado para resolver o problema de abastecimento da Grande São Paulo por 30 anos. Defendido como quase inócuo do ponto de vista ambiental, o projeto exigiria investimentos de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões. A primeira fase (40 m3/s a serem acrescentados aos atuais 65 m3/s consumidos pela região) ficaria pronta em cinco anos. Como vantagem adicional, segundo explica o engenheiro Fábio De Gennaro Castro, o projeto geraria 1500 MW de energia elétrica. O "Serra do Mar" já foi apresentado em 2002 a técnicos do Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ambas as instituições reagiram, segundo De Gennaro, favoravelmente ao projeto. Ele mesmo sugere a execução do "Serra do Mar" em parceria entre o governo do estado e a iniciativa privada. É neste ponto - o da viabilização de recursos para execução de grandes obras do saneamento básico - que o assunto migra para outras grandes dificuldades. Em Brasília, no Congresso, a apreciação do projeto de lei que estabelece o marco regulatório do saneamento, segue na velocidade das tartarugas. Empresas privadas, nacionais e internacionais, que poderiam contribuir com grandes somas de recursos para investimento no setor aguardam a aprovação da matéria para entrar em cena. Até o momento, o assunto não foi tratado com a prioridade que sempre mereceu. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin e a prefeita da capital, Marta Suplicy, entram em conflito em torno da competência pela gestão dos problemas da água doce. Como pano de fundo da briga entre os dois, está a questão da titularidade (a concessão dos serviços públicos do saneamento é da competência de estados ou municípios?). O atraso na aprovação do marco regulatório em Brasília também se deve à questão da titularidade - os deputados atribuem ao tema uma complexidade que ele, obviamente, não tem. Bastaria que olhassem para os problemas do abastecimennto da Grande São Paulo: municípios que não têm fontes suficientes para atender a demanda de suas populações não podem exigir o domínio da titularidade. Providenciar uma nova e portentosa fonte de abastecimento para a região em locais distantes, até pelo volume do investimento necessário, só pode ser missão do governo estadual. A questão dos recursos passa ainda por outros dois aspectos: o da falência do sistema, ainda gerido por autarquias ou empresas estaduais ou municipais, que não mais consegue créditos no sistema bancário - e o da cobrança pelo uso da água. Cobrança parada Faz mais de três anos que um projeto de lei que autoriza os comitês de bacia a dar início à cobrança adormece nos escaninhos da Assembléia Legislativa. A última informação dá conta que está para ser celebrado um acordo político que prevê o reparte do dinheiro a ser arrecadado- 75% dos recursos seriam destinados aos comitês, para obras nas bacias, e 25% cairiam para o Fundo Estadual de Recursos Hídricos. Celebrado esse acordo, a matéria seria aprovada pelos deputados. Nada disso, contudo, encoraja os especialistas a achar que o assunto foi bem encaminhado. Mostram eles, em primeiro lugar, que nenhum só centavo do valor recebido pelo uso da água deveria sair da bacia onde o recurso foi gerado. De olho nos processos históricos da gestão das águas em países como França, por exemplo, "um sucesso contínuo", acreditam que tem havido muita interferência do estado nos assuntos da gestão, o que tem funcionado como inibidor à participação da comunidade. Especialistas como a economista Regina Cavini, por exemplo, não cansam de insistir em que só a participação autêntica da comunidade levará, como no exemplo francês, ao sucesso dos programas da gestão das águas.

GM, 8/12/2003, p. B11

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.