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Governos são os que mais recebem do Fundo Amazônia

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: CHIARETTI Daniela; VASCONCELOS, Gabriel
03 de Jul de 2019

Governos são os que mais recebem do Fundo Amazônia

Gabriel Vasconcelos e Daniela Chiaretti

Os Estados, os municípios e o governo federal são os maiores beneficiários dos repasses do Fundo Amazônia - e não as organizações não governamentais, como afirma o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que gerencia os recursos do fundo, repassou R$ 706 milhões às ONGs nos últimos dez anos. As três esferas do governo receberam no período R$ 1,1 bilhão.
O Estado recebeu 59% do R$ 1,8 bilhão dos recursos do Fundo Amazônia empenhados até hoje.
As discussões sobre o futuro do fundo terão novo round hoje à tarde, em reunião no Ministério do Meio Ambiente entre Salles e os embaixadores da Noruega e da Alemanha, os maiores doadores do mecanismo. A notícia foi veiculada na segunda-feira - mas sem que as embaixadas tivessem sido avisadas do encontro.
Trata-se de dar nova governança ao Fundo Amazônia e a seu Comitê Orientador (Cofa), como quer Salles. A reunião deve ser apenas mais um passo nas negociações que andam vagarosas diante da troca no comando do BNDES e as férias de verão na Europa, que atrasam o contato das embaixadas com Oslo e Berlim. Até agora, os doadores não receberam nada por escrito por parte do governo. Também desconhecem o relatório de irregularidades que teria sido feito pela equipe de Salles.
O Valor verificou o objeto dos 30 contratos do Fundo Amazônia com órgãos do governo. Nos nove projetos da União, os repasses tratam de combate ao desmatamento - do monitoramento por satélite à fiscalização e prevenção de incêndios -, praticamente todos sob o controle do MMA. O Ministério da Justiça foi contemplado com R$ 30,6 milhões, que vêm sendo usados para a estruturação do serviço ambiental da Força Nacional.
Ibama, Inpe e Embrapa dominam o restante dos R$ 521 milhões empenhados à União. Com o ajuste fiscal, essas autarquias vêm tendo suas dotações constrangidas, o que aumenta a dependência dos recursos doados pela Noruega e pela Alemanha. Os programas recebem recursos em parcelas que dependem do avanço das ações e dos prazos de execução.
Caso não haja consenso nas negociações em curso, os governos da Noruega e Alemanha podem resgatar valores ainda não consumidos, além de R$ 1,5 bilhão ainda sem destinação, o que comprometeria a continuidade de programas e novas iniciativas.
"Hoje o Ibama é dependente dos recursos do Fundo Amazônia. São valores incorporados ao orçamento do instituto", diz um técnico do órgão que prefere não se identificar. "É o que tem segurado algumas de nossas ações prioritárias", continua. Em maio, o governo reduziu em 24% a previsão de orçamento do Ibama, que caiu de R$ 368,3 milhões para R$ 279,4 milhões.
O Ibama mantém três contratos ativos com o BNDES, no total de R$ 211 milhões, para combate ao desmatamento e prevenção de incêndios. O maior deles, de R$ 140 milhões, foi assinado em abril de 2018 e deve ser consumido até 2021. "São recursos a fundo perdido, que não saem do Tesouro. Essa celeuma desnecessária sobre a atuação do BNDES e dos conselhos já prejudica as políticas ambientais", diz Elizabeth Uema, diretora da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema).
O pente-fino ordenado pelo ministro em março, nos projetos do fundo administrados pelo BNDES, paralisou novas iniciativas orçadas em R$ 350 milhões.
A suspensão atingiu principalmente projetos voltados ao fortalecimento da agricultura familiar.
Além da União, o fundo tem 18 contratos ativos com governos estaduais e três com prefeituras. Um dos mais volumosos e recentes pertence a Mato Grosso. Trata do programa de regularização fundiária Terra a Limpo, orçado em R$ 72,9 milhões em repasses previstos até junho de 2023.
O projeto prevê o georreferenciamento de terrenos, a entrega do título de propriedade e a consultoria rural para 70 mil agricultores de 557 assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat).
"Há grande apreensão quanto ao futuro do fundo. É impossível para Mato Grosso arcar sozinho com o programa", diz Elder Jacarandá, analista fundiário do Intermat. "O Fundo Amazônia é importante para o combate ao desmatamento no Amazonas", diz Eduardo Taveira, secretário estadual de Meio Ambiente.
O Amazonas é o Estado com maior área de floresta conservada na região, com 3% apenas de desmate. A maior pressão acontece na fronteira com Mato Grosso, , onde 80% do desmatamento é ilegal. Taveira afirma que os recursos do fundo respondem por 35% da pasta, com R$ 10 milhões ao ano, por três anos. "É muito significativo."
"É importante registrar que o fundo tem cumprido o seu papel, mas melhorias são bem-vindas", continua. Ele diz que os Estados têm maior dificuldade de execução dos recursos dos que as ONGs. Os Estados, explica, têm gestão mais burocrática, com deficiência de pessoal e descontinuidade de gestão. Taveira acredita que os recursos do fundo seriam mais bem empregados se fossem voltados ao fortalecimento da infraestrutura estadual. "Espero que os Estados da Amazônia tenham papel importante na agenda do Cofa", diz.
Há 12 programas estaduais de promoção do Cadastro Ambiental Rural (CAR) - diagnóstico dos ativos e passivos de reservas legais nas propriedades rurais previsto no Código Florestal - bancados com R$ 320 milhões do Fundo Amazônia. A ajuda vai além das fronteiras amazônicas e atinge os estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Espírito Santo.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não retornou os pedidos de entrevista do Valor.

Valor Econômico, 03/07/2019, Brasil, p. A2

https://www.valor.com.br/brasil/6329621/governos-sao-os-que-mais-recebe…

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