VOLTAR

Governo tem de superar omissão histórica para resolver problema dos Guarani-Kaiowá, diz especialista

Radiobrás-Brasília-DF
Autor: Alessandra Bastos e Cecília Jorge
15 de Dez de 2005

Na avaliação do historiador Antônio Brant, a disputa envolvendo a demarcação das terras dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, acontece desde a década de 80 por "omissão e incompetência" do Estado brasileiro. Hoje (15), em Nhande Ru Marangatu, uma das dezenas de terras reivindicadas pelos cerca de 37 mil índios das duas etnias no estado, o conflito culminou com a retirada, pela Polícia Federal, de aproximadamente 700 indígenas.

Brant conta que a questão se remete a 1988, quando, apoiados na Constituição Federal, os Guarani-Kaiowá começaram a reivindicar a devolução do que consideravam sua terra original, os cerca de 3 milhões de hectares do sul do estado onde habitavam em centenas de pequenas comunidades espalhadas às beiras dos rios e riachos

Em Antonio João (430 km a sudoeste de Campo Grande, na fronteira com o Paraguai), os Kaiowá passaram a reivindicar a área conhecida como Nhande Ru Marangatu, em torno de um dos morros que são considerados referências sagradas pela mitologia indígena (eles seriam vestígios da criação do mundo, pelos deuses guarani).

"A terra foi ocupada por colonizadores em anos bem recentes, especialmente a partir de 1950", diz Brant, que também é coordenador do Programa Guarani-Kaiowá, da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande. Ele lembra que foi o próprio governo federal que, na época, apoiou e incentivou a ida de brancos para a região, ignorando que se tratava de território secularmente habitado pelos índios.

Em março deste ano, o governo federal reconheceu Nhande Ru Marangatu como território indígena e concedeu a homologação por meio de decreto presidencial. Em 27 de novembro, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a homologação e devolveu a terra a três fazendeiros da região.

De acordo com Antonio Brant, pela Constituição, os indígenas não poderiam ser desalojados, "mas o foram em uma clara agressão ao direito". O problema, segundo ele, é que os fazendeiros que hoje ocupam a terra "têm títulos de boa fé, que foram oferecidos pelo Estado, indevidamente". "O culpado dessa situação é o governo federal que concedeu os títulos indevidamente e agora tem se omitido. Ele tem que intermediar e assumir a responsabilidade frente a esses títulos", avalia Brant.

O historiador, que estuda a questão guarani desde os anos 80, destaca que o conflito se arrasta há muitos anos, sempre envolvendo violência. "Esse despejo de hoje é uma vergonha para o governo federal, porque é um sinal da total incompetência do governo em resolver os conflitos", acrescenta.

Por suas características culturais, os Guarani-Kaiowá viviam espalhados em centenas de pequenas comunidades. Entre 1915 e 1928, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) demarcou oito reservas, cada uma tendo entre 1.000 e 3,5 mil hectares, em torno das nascentes cidades da região. Até 1980, conta Brant, "toda a política do governo federal foi para que se alojassem nesses oito pequenos pedaços de terra".

O historiador explica que, com o tempo, a terra concedida não foi suficiente para abrigar toda a população indígena. "Temos áreas como Dourados, onde existem hoje cerca de onze mil índios vivendo em 3,6 mil hectares", explica.

Ele afirma que, em virtude dessa escassez de terras, a população indígena enfrentou problemas, como a desnutrição infantil, por exemplo. "É um drama que não vai se resolver da maneira como o governo federal vem agindo, dando cestas básicas. Só será possível de ser superado ampliando os territórios", diz.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.