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Governo sabe quem desmata, quando e onde, mas não consegue reagir

OESP, Nacional, p.A11
13 de Mar de 2005

Governo sabe quem desmata, quando e onde, mas não consegue reagir
Sistema de satélites do Inpe faz balanço quinzenal das derrubadas na Amazônia, mas ausência do Estado praticamente inutiliza serviço
Roldão Arruda
O governo montou, com o apoio do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), um eficiente e avançado sistema de monitoramento da Amazônia. Três satélites, munidos de sensores capazes de detectar as derrubadas, espionam a região dia a dia. A cada quinzena é possível produzir um quadro geral da situação da floresta - o que é um feito notável, considerando-se que até 2003 isso só era possível de ano em ano. O próximo passo serão relatórios semanais. E já se fala na possibilidade de estudos diários e monitoramento em tempo real.
Todo esse aparato tecnológico, porém, ainda não ajudou a conter o desmatamento. Serviu até agora para encorpar a tese de que o maior problema da região é a ausência do Estado. Segundo informações de especialistas, as imagens que vêm do alto são praticamente inúteis, diante da impossibilidade de alcançar os infratores, da ineficácia das leis, da morosidade da Justiça, da falta de registros confiáveis de propriedade das terras, da ausência de fiscais e de policiais.
"O monitoramente já funciona como um big brother, que vê tudo o tempo todo", diz André Lima, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). "Mas não leva a lugar nenhum, porque a fiscalização está com o pé quebrado. Quando alcançado, o infrator contesta a multa na Justiça e consegue arrastar o processo por até cinco anos. Quando o Estado prova a infração, a mata está derrubada e o infrator já embolsou uma fortuna."
O maior ataque
Lima coordena um estudo sobre o monitoramento da Amazônia patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que se encontra em fase de conclusão. "Uma das coisas que observamos é que Mato Grosso, o Estado que conta com o melhor sistema de controle apoiado por satélite, é também o que mais desmata."
Um efeito perverso do sistema de vigilância é a sensação de impotência que cria entre os especialistas que analisam imagens. Uma das histórias que contam ocorreu entre maio e junho do ano passado - um dos períodos do ano em que mais se devasta na Amazônia. No espaço de pouco mais de um mês, eles presenciaram o desaparecimento de uma área 6.200 hectares de floresta - equivalente a 8 mil campos de futebol - em Altamira, no Pará.
"Vi a tragédia na minha frente, como se fosse filme, sabendo que era impossível contê-la", diz o engenheiro eletrônico e especialista em geoinformações Gilberto Câmara. "Foi um trabalho de profissionais, com uma boa organização. Primeiro tiraram a madeira mais nobre, com motosserras, depois vieram os tratores de esteira e, finalmente, o fogo."
Câmara coordena o Departamento de Observação da Terra, no Inpe. É um dos responsáveis pela implantação do sistema Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) - um dos suportes do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado há um ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Imagens gratuitas
Hoje qualquer cidadão ou instituição, no Brasil ou no exterior, pode ter acesso às imagens do Inpe, pela internet. Gratuitamente. Só no segundo semestre do ano passado, a instituição distribuiu 53 mil imagens da Amazônia.
Elas provêm dos sensores instalados nos satélites Terra e Acqua, da Nasa, e Cbers-2, produzido em conjunto pelo Brasil e pela China. Com 1.450 quilos, este último dá 14 voltas por dia ao redor da Terra, a uma altura média de 778 quilômetros.
Outro indicador do interesse que o assunto desperta pode ser visto nas empresas que trabalham com processamento e análise do material produzido pelos satélites. Uma delas, a Engesat, de Curitiba, possui um arquivo que remonta aos anos 60.
Para as autoridades, o desafio agora é pisar de maneira mais firme na Amazônia e frear a destruição. O último levantamento feito a partir do Landsat, da Nasa, outro espião da floresta, usado para estudos de longo prazo, indica que a cada ano são 24 mil quadrados de destruição - o que corresponde a um Estado de Alagoas.
Otimista, Câmara, do Inpe, diz que o controle não é impossível: "A sociedade já tomou consciência da importância do assunto e nós estamos montando os mecanismos para pôr fim a essa sensação de impotência que às vezes temos."

OESP, 13/03/2005, Nacional, p. A11

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