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Governo quer conter ocupacao de terras

A Critica, Tema do Dia, p.A3
20 de Jan de 2005

O Governo brasileiro está disposto a conter a ocupação de terras no Sul do Amazonas, onde áreas de florestas e cerrado têm despertado a atenção de grandes empresários agrícolas, dispostos a investir no plantio de soja. Segundo o presidente do Ibama, Marcus Barros, para conter o que classificou de "agressão" àquela área, o Governo adotará medidas de repressão, dentro da legalidade
Governo quer conter ocupação de terras
Presidente do Ibama, Marcus Barros, comparou a situação do Sul do Amazonas à do Sul do Pará, 30 anos atrás
Neuton Corrêa
especial para A Crítica
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Barros, disse ontem que o Governo brasileiro está disposto a conter a ocupação de terras no Sul do Amazonas. A região é formada por áreas de florestas e cerrados que despertam a atenção de grandes empresários agrícolas, dispostos em investir no plantio de soja. Os ambientalistas consideram a atividade extremamente agressiva ao meio ambiente.
Marcus Barros informou que o Governo está em processo de construção de um projeto para conter essa agressão. Esse projeto, de acordo com ele, passa pela adoção de medidas de repressão, dentro da legalidade. "Pela repressão mesmo. É chegar lá e quem não tiver terras legalizadas não tem plano de manejo; em terra pública só legaliza um plano de manejo através de recursos legais. Não dá para grilar terra pública", disse o presidente do Ibama.
A declaração foi feita no hall do 'Porto de Manaus durante uma palestra sobre sociobiodiversidade na Amazônia, para uma platéia de aproximadamente 300 pessoas, representantes de Estados da Amazônia Brasileira, de povos indígenas amazônicos, de nove países da América Latina e da Europa, como França e Itália, que participam do Quarto Fórum Social Pan-Amazônico. 0 evento serve de preparação ao Fórum Social Mundial que vai acontecer na próxima semana em Porto Alegre.
0 presidente do Ibama comparou o Sul do Amazonas ao Sul do Pará de 30 anos atrás. "As pressões são iguais e temos que parar com isso". Ele falou de uma operação na região Sul do Estado, que já dura um ano, e mostrou disposição do Ministério do Meio Ambiente em endurecer o jogo com os grileiros. "A ministra (Mariana Silva) foi capaz de chamar 15 ministérios. A perspectiva dela é colocar o meio ambiente no coração do Governo", disse Barros.
Ele condenou os grandes projetos desenvolvimentistas que se instalaram na região amazônica nos últimos cem anos chamando os de surtos espasmódicos (vão e voltam) do capitalismo. "0 capitalismo usa e descarta, como uma seringa descartável, que se usa e joga de lado", comentou Barros, citando como exemplos o projeto
de construção da Ferrovia Madeira-Momoré, a exploração da borracha pelos soldados da borracha, a abertura de rodovias pelos militares e o projeto da Zona Franca de Manaus.
"Nesse século há um movimento muito expressivo da ganância do capital sobre a Amazônia. 0 Teatro Amazonas, quem o construiu, nunca entrou lá para assistir a uma ópera, tal o distanciamento entre quem gasta sua mão-de-obra e a riqueza produzida, a concentração de riqueza que vem desses sustos", comentou o presidente.
Ele denunciou que há intenção deliberada de produtores em transformara região em cerrado para o plantio de soja. "Esse desenvolvimento caótico, de um avançar de maneira totalmente agressiva, de propositalmente transformar mata primária em cerrado, como se não fossem dois biomas diferentes, mas com a perspectiva de burlar a lei. Políticos de peso nacional estão destruindo a mata ao Norte de seu Estado com a perspectiva de plantar soja", denunciou.
Contra esse tipo de desenvolvimento, Barros defende projetos que respeitem a diversidade cultural existente na região e a vocação que há nas pequenas regiões que compõem a Amazônia. "Acredito no desenvolvimento sustentável. Se não tomarmos uma postura, os tratores do capital vão passar por cima da gente. Temos que criar obstáculos legais", declarou.

Destaque
A ferrovia Madeira-Mamoré previa a construção de mais de 280 quilômetros de trilhos. O projeto não deu certo. Mais de 6 mil pessoas morreram. "A malária derrotou o dinheiro. Não levaram em conta a razão central que era o homem no desenvolvimento", disse Marcus Barros.

Personagem
Muriel Saragoussi
"Não há como negar os conflitos no Sul do Amazonas"
A secretária de coordenação da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente, Muriel Saragoussi, disse que não há como negara existência de conflitos no Sul do Estado. "Há conflito entre que vive na terra e quem quer a terra. Esses conflitos precisam ser resolvidos consensual mente", disse ela.
Contra a frente de expansão, ela afirmou que o projeto do Governo Federal para a Amazônia é de uso sustentável dos recursos e não de desmatamento. "Se a gente não souber usara floresta de forma sustentável, derrubara floresta, nós não teremos riqueza no futuro, além de destruir as riquezas que existem em outros lugares", avaliou. Ela também comentou que concessões à soja podem afetar o Centro-Oeste. "Se você pensar em expandira soja, pode parar de chover no Centro-Oeste. Mais de 50% da água do cerrado vêm da Amazônia", alertou a secretária. 0 agricultor Ventei in Demarch, 60, do Município de Novo Aripuanã, Sul do Estado, acompanhou as palestras sem entender muito o assunto. Mas disse que estava ali esperando alguma coisa para melhorara vidas das pessoas que moram no interior.

Comentário
Gerson Severo Dantas Jornalista
Regressão adianta?
A situação no Sul do Amazonas é preocupante, mas ainda não atingiu o nível de tensão existente na mesma faixa do vizinho Estado do Pára, onde mortes, violência e interesses econômicos entram em 'conflito a cada esquina. As autoridades, por isso, devem intervir na situação sem afobação e sem a adoção de medidas repressivas e só. A repressão, ensina a experiência paraense e mato-grossense, não contém a fronteira agrícola e nem as frentes migratórias, tanto que elas já chegaram ao Amazonas. Mais prudente parece a postura da ministra Marina Silva ao tentar colocar no macroplanejamento brasileiro a variável ambiental. Controlara entrada do agronegócio no Amazonas é bem melhor que reprimi-lo. Ter os empresários desse setor ao lado dos ambientalistas é muito melhor do que tê-los brigando a cada curva de rio. Além das variáveis econômica e ambiental, não podemos esquecer da situação do caboclo ribeirinho, que quer- em linguagem titânica - "comida, diversão e arte". Ele faz de tudo para ficar lá no rincão dele, mas quando todas as perspectivas vão embora, só resta-lhe vir engrossar o caldeirão de miséria existente em Manaus. Parece-me prudente que soluções diferentes das adotadas no vizinho sejam testadas aqui. A repressão, de per si, não funcionará, pois irrita o caboclo, prejudica o desenvolvimento e não impede todas as agressões ambientais.

A Crítica, 20/01/2005, p. A3

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