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Governo nao tem politica de seguranca alimentar

O Globo, O Pais, p.15
14 de Mar de 2004

GOVERNO NÃO TEM POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR
Diretor do Ibase: Lula deveria fixar metas contra a fomeEles não querem só comida — querem, isso sim, uma política de segurança alimentar que garanta às famílias carentes o acesso a alimentos de qualidade, a programas nutricionais, à educação básica e a oportunidades de mudar de vida independentemente dos programas oficiais de transferência de renda. Em busca desses objetivos, especialistas no combate à miséria se reúnem esta semana em Olinda, na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Eles vão discutir diretrizes para serem aplicadas no setor de 2004 a 2007. E também vão avaliar os programas sociais e de transferência de renda do governo. — O governo tem muitas ações e programas na área social, mas ainda não tem uma política nacional de segurança alimentar — diz o economista Francisco Menezes, diretor do Ibase e integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). — O que queremos é que o governo diga quais são suas metas, como pretende executá-las e quanto vai gastar nisso. Por enquanto, há apenas uma declaração de intenções de que o combate à miséria é prioridade.Economista diz que houve erro no início do Fome ZeroPara Menezes, o começo do governo Lula foi problemático. Ele afirma que, por um erro de comunicação, o Fome Zero foi lançado como um programa de filantropia. Não deu certo.— Um governo não pode ter um telefone para recolher doações. Cabe a ele recolher impostos e aplicar políticas públicas. Não se acaba com a fome com doações. É preciso ter metas e segui-las, como acontece com a inflação ou o superávit primário. Como havia expectativa na sociedade, o Fome Zero criou um certo nível de frustração. Mas, desde o fim do ano passado, o governo começou a corrigir os rumos do programa — observa ele.Na mudança de estratégia está incluído, por exemplo, o atendimento a famílias das regiões metropolitanas. Para entender as diversas faces da pobreza, o próprio governo, lembra Menezes, já está fazendo um levantamento do número de miseráveis levando em conta não apenas a renda, mas também a escolaridade e o acesso à cidadania.— Transferir renda é importante, mas precisamos também pensar na educação, já que, sem estudo, o cidadão não tem como mudar de vida e fica na dependência da assistência do governo. Outro problema é a informalidade no mercado de trabalho. Sem carteira assinada, o cidadão vive numa situação de risco. Qualquer acidente de percurso pode levá-lo à carência extrema — diz o economista.Apesar dos percalços, Menezes observa que, em seu primeiro ano, o governo também teve acertos na área social:— Unificar programas significa unificar interesses. Neste aspecto, o Bolsa Família foi uma ousadia. Agora, o governo precisa criar uma sinergia interna, aproveitando outros projetos sociais neste combate à exclusão.Agentes comunitários a serviço do Bolsa FamíliaExemplos não faltam, diz o diretor do Ibase. Ele lembra que os 180 mil agentes de saúde comunitários do país poderiam ser treinados para acompanhar os beneficiados pelo Bolsa Família. Com isso, seria possível avaliar de que forma a transferência de renda influencia diretamente na qualidade de vida.— A fome é a expressão mais dramática da insegurança alimentar, mas não é a única. Apesar do enorme contingente de famintos, temos hoje problemas graves de obesidade, inclusive nas faixas mais pobres. Ou seja, as pessoas comem pouco e comem mal. É preciso garantir o acesso a alimentos de qualidade e com composição nutricional adequada — diz o economista.
ESPECIALISTAS VÃO DISCUTIR DIRETRIZES
Presidente receberá documento com propostas para combate à misériaAs propostas para o combate à miséria vão ser discutidas na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ele participa da abertura da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que começa dia 17 em Olinda. O encontro vai até 20 de março e, dele, sairá um documento com diretrizes para o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional a serem cumpridas até 2007. O texto será entregue a Lula.O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, é outro convidado confirmado. Mas o evento também receberá especialistas estrangeiros, como Vilmar Shineider, coordenador da ONG alemã Fian (Rede de Ações e Informações para Alimentação); Wu Zhong, diretor-geral do Conselho Regional de Desenvolvimento do Estado de Beijing, da China; e Wayne Roberts, coordenador de projetos do Conselho de Política Alimentar do Canadá.— Vamos discutir experiências como o controle social dos programas de transferência de renda. No Brasil, já temos os comitês gestores do Fome Zero, que reúnem representantes das prefeituras, dos governos estaduais e da sociedade civil — afirma o economista Francisco Menezes, diretor do Ibase, a organização não-governamental criada pelo falecido sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, para traçar políticas de combate à exclusão social.Os debates da conferência incluem 16 temas. Entre eles, a questão dos transgênicos, a alimentação em creches e escolas, os mutirões para doação de alimentos em situações emergenciais, a promoção de modos de vida saudáveis, a agricultura familiar e urbana e o acesso a recursos naturais como a água. E, no encerramento, haverá uma manifestação pela paz.— Na periferia das metrópoles, a miséria é um elemento gerador de violência. Por isso, pensar em paz tem tudo a ver com segurança alimentar — observa Menezes.

O Globo, 14/03/2004, p. 15

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