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'Governo incentiva a presença de não índios', diz número dois da PGR sobre terras indígenas

O Globo, País, p. 7
Autor: NAIA, Luciano Mariz
12 de Ago de 2019

'Governo incentiva a presença de não índios', diz número dois da PGR sobre terras indígenas
Para o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, responsabilidade de proteger terras indígenas e índios é do ministro da Justiça, Sergio Moro

Vinicius Sassine
12/08/2019 - 04:30

BRASÍLIA - O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, considera a atual situação de garimpo ilegal na terra ianomâmi pior do que a de 1993, quando um massacre deixou 16 indígenas mortos. "Esse discurso governamental que incentiva a presença de não índios nas terras indígenas estimula práticas genocidas", diz o número dois de Raquel Dodge. O mandato da procuradora-geral vai até 17 de setembro.

Reportagem do GLOBO no último dia 4 documentou a extração ilegal de ouro na terra ianomâmi. Para Maia, um dos responsáveis pela denúncia por genocídio contra cinco garimpeiros acusados de executar ianomâmis em 1993, a responsabilidade de proteger terras indígenas e índios é do ministro da Justiça, Sergio Moro.

O GLOBO mostrou a extração de ouro na terra ianomâmi. Como o senhor vê o avanço do garimpo ilegal nesses territórios?
Acompanhamos há mais de 30 anos a questão da presença dos garimpeiros em terras indígenas, em especial nos ianomâmi. No fim da década de 1980 e início da década de 1990, houve a chamada Operação Selva Livre para retirar os garimpeiros. Já eram milhares. Essa presença disseminava doenças que matavam aos milhares os ianomâmis. Havia um esforço do garimpeiro em fazer trocas, para conseguir dos índios uma tolerância com suas presenças. Muitas vezes, a ausência do atendimento das promessas gerava retaliações discretas dos índios e retaliações graves dos garimpeiros. Soubemos de algumas situações de morte porque se tornaram dramaticamente fortes, como a que aconteceu em 1993.

O que explica os conflitos?
São causados pela fricção entre os dois grupos. Os garimpeiros levam o mercúrio, que contamina os rios, e armas para se defender e atacar, gerando degradação social, étnica e ambiental. A demarcação da terra indígena no começo da década de 1990 levou a uma redução substantiva da atividade, mas o que ocorreu em 1993 mostrou a constância do garimpo, o que levou o Estado brasileiro a criar várias bases de proteção. O sucateamento deliberado da Funai nos últimos governos dificulta manter as bases territoriais. Garimpo em terra indígena é a segurança, a certeza, a previsibilidade de genocídio.

Que paralelo o senhor faz entre 1993 e 2019?
É pior hoje porque há uma política governamental de incentivar a exploração minerária garimpeira em terras indígenas, sem atentar para a realidade básica: garimpeiros não só transmitem doenças que matam, mas também carregam armas que matam. Há uma dificuldade por parte de órgãos subalternos como a Funai e do próprio Ministério da Justiça de trazerem para si essa responsabilidade. É do ministro da Justiça, Sergio Moro, a responsabilidade de proteção dos bens da União. E as terras indígenas são bens da União. Existem os direitos dos índios, sendo o maior deles a própria vida. O ministro da Justiça é a autoridade do primeiro escalão com a primeira responsabilidade de protegê-los. Esse discurso governamental que incentiva a presença de não índios nas terras indígenas estimula práticas genocidas.

O governo Bolsonaro quer regularizar o garimpo em terra indígena.
Qualquer governante precisa conhecer o que a Constituição diz. Hoje, lavra garimpeira é crime se não for autorizada. E não é possível autorizá-la em terras indígenas. Quando se estimula isso, está se estimulando a prática de crimes, não só lavra minerária ilegal, mas também evasão de recursos e sonegação fiscal. E o risco concreto de morte dos índios.

É atribuição do MP a defesa de minorias. O presidente disse que escolherá um novo PGR que não seja um "xiita" nesses assuntos...
O presidente tem direito de expressar seu pensamento. E dever de respeitar a Constituição. O procurador-geral da República tem papel relevantíssimo, mas no país somos mais de mil procuradores obrigados a respeitar as leis. Tenho confiança no estado democrático de direito e na independência do Judiciário. O STF está à altura de sua missão e continuará dizendo a todos o dever de respeitar o direito dos índios.

O senhor foi um dos responsáveis por denunciar garimpeiros em 1993. O STF confirmou a sentença por genocídio. O risco continua?
Índios e garimpeiros não se conheciam, mas se viam coletivamente como antagonistas. O contexto é importante. Na História de Roraima, o garimpeiro é tido como desenvolvimentista, e o índio é um selvagem sem noção da riqueza de rios e matas. Esse desequilíbrio, na perspectiva do Direito, que passou a valorizar o índio como titular do direito à terra e o garimpeiro como alguém que pratica crime, gerou esse estado de ânimo.

O Globo, 12/08/2019, País, p. 7

https://oglobo.globo.com/brasil/governo-incentiva-presenca-de-nao-indio…

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