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Governo ignora críticas e não muda projeto do São Francisco

FSP, Brasil, p. A23
05 de Fev de 2006

Governo ignora críticas e não muda projeto do São Francisco
Ações contrárias à transposição, porem, ainda correm no STF

Ana Paula Boni

Apoiado no discurso de que o projeto de transposição das águas do São Francisco já foi exaustivamente discutido e está pronto para ser implantado, o governo Luiz Inácio Lula da Silva ignora críticas e quer tirar logo a obra do papel.
A intenção esbarra, no entanto, no STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda não se posicionou sobre ações contrárias ao projeto que correm no tribunal e sobre os efeitos de liminares. Uma delas é a que foi concedida em outubro passado pela Justiça Federal da Bahia, que impede o Ibama de conceder a outorga de implantação da obra -o sinal de "largada" que o governo tanto espera.
Para aumentar a expectativa da União, não há previsão para o julgamento das ações na pauta do STF, que voltou de recesso na última quarta-feira. Os processos que vão decidir se o projeto -que custará aos cofres públicos R$ 4,5 bilhões a fundo perdido- sairá do papel estão sob a análise do ministro Sepúlveda Pertence.
Mas o governo tem pressa. Em ano eleitoral, nenhuma obra pode ser inaugurada com a presença de candidatos ao Executivo três meses antes das eleições, segundo a lei 9.504, artigo 77. Se Lula disputar a reeleição e o projeto -previsto para ter início em novembro passado- for iniciado em julho, o presidente não poderá comparecer ao local onde estará sendo construído o empreendimento mais audacioso de seu governo.
Além disso, nos três meses que antecedem as eleições, a União fica proibida de autorizar publicidade institucional de obras, "salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral". A transposição -então grande trunfo eleitoreiro- não poderia ser usada com esse intuito.
Críticas
Para delimitar a espera pelo início das obras apenas às ações que correm no STF, o Ministério da Integração Nacional, responsável pelo projeto, afirma que ele está "maduro" e não responde a críticas da sociedade civil.
Mesmo após a greve de fome de dez dias do bispo Luiz Flávio Cappio, em outubro passado, que encerrou o jejum com a promessa de o governo ouvir suas propostas de mudança para a integração das bacias do rio, o ministério não modificou uma linha do projeto.
Lula, que recebeu o bispo em dezembro, chegou a dizer que o encontro deu "início à participação da sociedade na discussão". Após isso, o debate decantou.
O secretário-executivo do ministério e coordenador-geral do projeto, Pedro Brito, afirma que "não foi feita nenhuma alteração porque não foi apresentada [pelo bispo] nenhuma idéia de modificação". Brito defende que o projeto apenas sofreria mudanças se fosse apresentada alguma "contestação técnica" ao ministério.
"Qualquer alteração que a gente receba hoje tem de ser objetiva, tem de ser cientificamente comprovada, senão vira discurso de candidato. (...) Qualquer modificação que nos seja apresentada com uma defesa consistente, o governo está disposto a refazer o projeto, se for o caso", diz Brito.
O coordenador completa que a proposta -que visa atender 12 milhões de pessoas em cidades de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba- está "100% de acordo" com o Plano Decenal da Bacia do São Francisco.
Não é bem assim, diz o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Jorge Khoury. Segundo ele, o plano -elaborado pela Agência Nacional das Águas- foi aprovado pelo comitê em quase sua totalidade, exceto o item que trata do uso externo da água (transposição).
"Eles [governo] são muito competentes em repetir a mesma coisa sempre, mesmo faltando com a verdade", afirma Khoury. Ele conta que o governo pediu vista do plano, mas não apresentou contraproposta. No impasse, o documento subiu ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que é 52% composto por integrantes do governo federal, e o mesmo foi aprovado.
Em junho passado, diz Khoury, foi protocolada carta no Planalto pedindo que Lula abrisse a discussão. Sem resposta, o comitê pediu que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) intermediasse o diálogo. Nada foi feito, diz ele.
"O presidente tem toda a legitimidade para definir prioridades, mas dado esse projeto ser tão polêmico, tinha é de abrir o debate."
Banco Mundial
Para defender o projeto, Pedro Brito cita o Banco Mundial (Bird) como umas das instituições que deram aval à proposta do governo. "Todos os documentos produzidos por universidades, pelo Banco Mundial mostram que, do ponto de vista técnico, o projeto está bem acabado", afirma ele.
Porém, o documento do Bird "Água Brasil 7 -Transferência de Água entre Bacias Hidrográficas", de julho passado, aponta que foram identificadas "algumas importantes lacunas na proposta".
Isso inclui, segundo o relatório, mais detalhamento sobre a participação do usuário e custos, entre outros. Esse documento, agora destacado por Brito, foi criticado por ele em artigo publicado na Folha, em 7 de dezembro, quando afirmou que a publicação era exemplo de "desconhecimento e má-fé" sobre o projeto.

FSP, 05/02/2006, Brasil, p. A23

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