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Governo é ambíguo sobre importação de pneu usado

OESP, Vida, p. A22
07 de Dez de 2006

Governo é ambíguo sobre importação de pneu usado
Brasil sofre pressão de países que querem se livrar de resíduos; aprovação de lei enfraqueceria diplomacia brasileira em negociações internacionais

Rosa Costa

Depois dos ataques do presidente Lula às leis ambientais e aos ecologistas, incluindo-os entre os problemas que travam o crescimento econômico do País, técnicos do Ministério do Meio Ambiente e assessores do Itamaraty elegeram como nova preocupação a posição dúbia do Planalto em relação ao projeto que tramita no Senado e permite a importação de pneus usados. A dubiedade, neste caso dos pneus, envolve até mesmo a ministra Marina Silva (Meio Ambiente).

Por enquanto, um jeitinho regimental adotado duas semanas atrás pela Comissão de Assuntos Econômico (CAE) freou a tramitação do projeto de lei 216/2003, do senador Flávio Arns (PT-PR). Com a aprovação de um requerimento dos senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), Romero Jucá (PMDB-RR) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) ficou acertado que nenhuma decisão sobre a importação dos pneus velhos será tomada antes de uma série de audiências públicas.

PRESSÃO DUPLA

O projeto que permite a importação dos pneus velhos, qualificados pelos ambientalistas como 'lixo industrial de borracha', preocupa os diplomatas porque pode comprometer a posição do País nas negociações internacionais que envolvem questões ambientais e de saúde pública, enfraquecendo as teses brasileiras e forçando o Brasil a ficar na defensiva.

Ao mesmo tempo, o Brasil e outras nações emergentes estão sob pressão de países desenvolvidos que querem se livrar de resíduos industriais que ainda podem ser manufaturados.

O lobby da União Européia (UE) tornou-se maior, por exemplo, por causa de uma norma, em vigor neste semestre, que proíbe os países do bloco de despejar pneus velhos em aterros sanitários. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil rejeita esse lixo industrial - que o Uruguai aceita - alegando cuidados ambientais de saúde pública. A posição brasileira vai ser analisada no dia 8 de janeiro.

Já no Congresso, a posição do Planalto é dúbia a ponto de ter a maior parte da sua base parlamentar comprometida com o lobby da principal importadora de pneus, a BS Colway.

A ministra Marina Silva enviou ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um ofício com seis linhas, solicitando 'ampla divulgação entre os parlamentares da moção no 82 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para que se manifestem contrários à importação dos pneus'. Mas, mesmo com o trânsito que mantém no Senado, onde exerceu oito anos de mandato, a ministra em nenhum momento se manifestou pessoalmente sobre a importação de pneus velhos.

O senador César Borges (PFL-BA) lembra que, quando relatou o projeto sobre a preservação da mata atlântica, Marina não só visitava os ex-colegas do Senado para defender a proposta, como lhes telefonava todos os dias. 'Sobre os pneus, ela nunca me ligou, mesmo sabendo da minha posição contrária ao projeto.' Na avaliação do senador baiano, 'há um jogo de cena, um jogo duplo do Planalto' sobre a polêmica.

COMPENSAÇÃO ENGANOSA

Tanto o projeto original, de Arns, como o substitutivo do senador Valdir Raupp (PMDB-RO) partem do princípio de que a importação de pneus velhos obrigará o Brasil a aprovar, também, uma lei sobre a coleta de resíduos.

O projeto Arns/Raupp chega a propor que para cada dois quilos de pneu usado importado as empresas devem ser obrigadas a coletar dois quilos de 'pneus inservíveis' no País.

Mas o chefe da Coordenação de Contenciosos do Itamaraty, conselheiro Flávio Marega, considera 'uma falácia' a promessa de recolher pneus velhos brasileiros em troca de importados. Segundo ele, de cada dez pneus importados, cinco ou seis são descartados a priori porque não servem para a indústria de reforma. 'Aí eles (os importadores) chegam para o Ibama e falam 'olha, eu coletei cinco pneus em território brasileiro', mas, na realidade, trata-se de pneus velhos importados, e ninguém vai lá fiscalizar', afirmou ao Estado.

Marega e o secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Victor Zveibil, afirmam que em nenhum momento a ministra se omitiu neste assunto. Já o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) avalia que a ministra Marina evita um confronto direto com o lobby dos pneus porque pode estar querendo se preservar, para se manter no cargo. 'As relações do lobby dos pneus com o (ex-ministro) José Dirceu são muito fortes', disse Gabeira. A BS Colway gastou mais de US$ 1,5 milhão 'de agrado a deputados e propaganda sobre a importação de pneus velhos', afirmou.

Questão polariza fortes lobbies

Nos bastidores do Congresso e do governo, dois poderosos lobbies travam uma disputa que já foi batizada de 'guerra dos pneus'. De um lado fica a Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip), presidida pelo dono da BS Colway, Francisco Simeão. Do outro, a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), que representa as multinacionais e empresas nacionais fabricantes de pneus novos.

Na defesa do projeto, a Abip/Colway alega que o setor gera mais emprego que a indústria de pneus novos e que as multinacionais tentam barrar as importações porque não querem perder mercado. Para Simeão, as multinacionais nunca tiveram qualquer preocupação com o ambiente e só querem defender seu mercado e o discurso de que o Brasil será uma lixeira é mentiroso. Simeão acusa as multinacionais de pressionarem o presidente Lula com o pretexto do contencioso na OMC. Ele diz que o presidente da Goodyear, Chris Corcoran, ameaçou, a continuar a importação de pneus usados via liminares, cessar os investimentos no País, assim como Pirelli, Michelin e Bridgestone.

O diretor-geral da Anip, Vilien Soares, diz que a importação de pneus usados gera concorrência desleal com o produto nacional, já que, após a remoldagem, o pneu é vendido como novo, mas a um preço cerca de 30% inferior. Para ele, a 'concorrência desleal' prejudica investimentos, com impacto sobre a geração de empregos.

OESP, 07/12/2006, Vida, p. A22

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