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Governo deveria pensar em racionalizar uso de energia

Valor Econômico, Opinião, p. A10
10 de Fev de 2014

Governo deveria pensar em racionalizar uso de energia

Não há como negar que o modelo do setor elétrico implantado em 2004 - pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff - reforçou a previsibilidade e o planejamento do sistema como um todo. Assegurou a contratação de energia com até cinco anos de antecedência, dando mais tranquilidade a todos os agentes, e criou uma estatal (a EPE) voltada aos estudos de novas usinas geradoras e linhas de transmissão. Certamente, olhando pelo retrovisor, as mudanças promovidas por Dilma na ocasião foram positivas e não há motivos para saudade do que havia antes.
O sistema é estruturalmente equilibrado e os investimentos necessários para sua expansão vêm sendo realizados. A capacidade de geração de energia passou de 90,6 mil megawatts em 2004 para 126,7 mil megawatts em 2013. Projetos de grandes usinas que jamais saíam do papel, como Belo Monte e as hidrelétricas do rio Madeira, finalmente saíram da gaveta, ainda que com atraso nas obras. Os parques eólicos se proliferam pelo país, o que tornará o Brasil, em breve, o maior produtor global de energia gerada a partir dos ventos.
O sistema tem riscos, pois as hidrelétricas continuam garantindo 70% do consumo de energia do país. A oferta de energia depende, portanto, da incidência de chuvas. Justamente por causa disso, o país criou um parque de usinas termelétricas que funciona como um seguro, embora caro e poluente, para períodos em que o clima não ajuda.
Em 2008, uma combinação nefasta gerou risco elevado de déficit de energia. A Petrobras não tinha gás suficiente para atender ao consumo de térmicas a gás, a Argentina suspendeu subitamente a exportação de 2 mil megawatts médios ao Brasil e os reservatórios das hidrelétricas caíram a um nível crítico. Falava-se num risco em torno de 20% - o aceitável, para toda a operação do sistema, é 5%.
Em 2013, os reservatórios também chegaram a um nível muito baixo, com risco também em torno de 20%, o que forçou o Operador Nacional do Sistema Elétrico a acionar uma quantidade recorde de usinas térmicas. Esse período climático adverso coincidiu com a decisão da presidente Dilma de reduzir os preços de energia como forma de diminuir os custos de empresas e consumidores.
Há o consenso de que realmente as tarifas são muito elevadas no Brasil e que isso reduz a competitividade da indústria. Sem negociar antecipadamente com todos os agentes envolvidos na questão, Dilma decidiu antecipar a renovação das concessões de usinas hidrelétricas e linhas de transmissão que venciam apenas em 2015, forçando um corte acima do esperado nas contas de luz. Diante da reação contrária de alguns governadores, Dilma politizou a questão, dividindo o país entre aqueles que queriam reduzir a conta de luz e os que não queriam.
A redução das tarifas ocorreu justamente num período de poucas chuvas e queda dos níveis dos reservatórios, o que levou ao acionamento das usinas térmicas, mais caras. A presidente decidiu, então, não repassar o custo aos consumidores finais. A decisão custou mais de R$ 9 bilhões ao Tesouro, somente em 2013. O país vive, neste verão, novo período de escassez de chuvas, com os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste em seus níveis mais baixos desde o racionamento de 2001. Tudo indica que, em 2014, a despesa com o uso de térmicas será ainda maior.
Mas não é apenas o custo fiscal que deve ser considerado. O essencial é que os sinais dados pelo governo vão na direção contrária ao que parece ser sensato. Quando o custo de um bem ou serviço aumenta, é necessário que ele seja repassado ao consumidor, mesmo que parcialmente e de forma gradual, pois só assim ele será levado a ajustar seu comportamento à nova realidade, reduzindo a demanda. Não foi isso o que ocorreu. Ao contrário, recentemente a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) adiou a entrada em vigor do sistema de bandeiras, pela qual o consumidor passaria a pagar tarifas maiores pela energia no caso de elevação dos custos.
Diante dos níveis atuais dos reservatórios, é preciso reconhecer que o país está diante de uma situação crítica. O governo deve, mesmo diante de eventuais explorações político-eleitorais, iniciar programa de racionalização do consumo de energia. Algo nessa direção começou a ser feito pelo governo de São Paulo, ao reconhecer a necessidade urgente de alertar a população para as dificuldades do suprimento de água em virtude da atual estiagem no Estado. Registre-se: racionalização é diferente de racionamento.

Valor Econômico, 10/02/2014, Opinião, p. A10

http://www.valor.com.br/opiniao/3424344/governo-deveria-pensar-em-racio…

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