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Governo culpa fiscais por atraso em obras

OESP, Economia, p. B4
05 de Jul de 2009

Governo culpa fiscais por atraso em obras
Ações do TCU, Ministério Público e Ibama são criticadas por Lula

João Domingos

O cipoal de leis e as atribuições dadas pela Constituição aos organismos de fiscalização do Executivo, Legislativo e Judiciário criaram uma superposição de funções que tem provocado confusão sobre as responsabilidades de cada um. Além do mais, a burocracia continua entranhada na administração e os atrasos de simples processos são frequentes.

Esses problemas têm motivado queixas públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até o exame da possibilidade de que sejam tomadas iniciativas para reduzir poderes do setor de fiscalização e iniciar uma guerra aos burocratas.

Com a proximidade de uma campanha eleitoral em que a candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, pretende ancorar-se em grandes obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), muitas empacadas, Lula passou a responsabilizar os órgãos fiscalizadores e a burocracia pelos pecados de sua administração.

O presidente alega que os governos anteriores, principalmente o de Fernando Henrique Cardoso, desmontaram o Estado, criaram máquinas superpoderosas de fiscalização e deixaram o setor de execução à míngua. Trata-se de um discurso político que tem como alvo, principalmente, o Tribunal de Contas da União (TCU).

Esse tribunal tem conseguido brecar obras suspeitas de irregularidades, como a terceira pista do Aeroporto de Cumbica e os terminais de passageiros dos Aeroportos de Goiânia, Macapá e Vitória, além de exigir do governo lista de preços e ajustes em contratos. Por causa do TCU, o Ministério da Defesa teve de rever tudo o que estava sendo feito nos quatro aeroportos. Nenhuma das obras tem o selo verde, indicativo de que a execução não vai bem.

Nos bastidores, Lula e os ministros mais próximos costumam dizer que o TCU é uma espécie de bunker da oposição. De fato, dos nove ministros, quatro são ex-deputados ou senadores oposicionistas ou que sempre atacaram o governo: o presidente Ubiratan Aguiar (PSDB) e os ministros Augusto Nardes (PP), Aroldo Cedraz e José Jorge, ambos do DEM. Jorge foi candidato a vice-presidente em 2006, na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB). Foi ele quem acusou Lula de "beber (álcool) demais no trabalho".

Dos outros cinco ministros, quatro não têm filiação partidária, mas Raimundo Carreiro e Marcos Vilaça foram indicados pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), aliado de Lula. O ex-senador Valmir Campelo é do PTB, partido da base de Lula. Neste ano, o Congresso quer dar uma "enquadrada" no TCU.

Ao esbravejar contra os fiscais, Lula tem mais do que o TCU como alvo. Ele está indignado também com a ação do Ministério Público no caso das obras do PAC, como a que por 20 anos impediu o início da obra da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Também está revoltado com os fiscais do Ibama, que se recusam a dar a licença prévia para a construção da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, além de terem atrasado as licenças das Usinas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia.

Lula se esquece, no entanto, que boa parte do fortalecimento da engrenagem de vigilância, emissão de multas e abertura de processos civis públicos contra pessoas físicas e empresas ocorreu em seu governo. Dos atuais 3,5 mil servidores do Ibama, 2 mil foram contratados na gestão de Lula. A ex-ministra Marina Silva conseguiu a abertura de concursos que efetivaram 2 mil novos servidores do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.

O atual ministro, Carlos Minc, queria mais 3 mil. Conseguiu mil. "O ministro Carlos Minc tem mostrado ao presidente que é necessário fortalecer o Ibama", afirma Bruno Barbosa, coordenador geral de Fiscalização do órgão. "Todos sabem que a proteção ambiental é importante para que as obras não tenham contestação."

De 2003 para cá, o Ibama lavrou um total de 30.625 autos de infração, que resultaram em multas no valor de R$ 4,46 bilhões. Mas o órgão não está blindado. Por causa da balbúrdia legal que não consegue especificar as funções de cada fiscalizador, o Ministério Público Federal decidiu processar o coordenador substituto de Energia, Hidrelétricas e Transposições (Cohid) do Ibama, Adriano Rafael Arrepia de Queiroz. Ele é acusado pelo MP de improbidade administrativa por aceitar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Hidrelétrica de Belo Monte. A Advocacia-Geral da União (AGU) espera a chegada do processo para defender o servidor do Ibama.

ATAQUES AO IBAMA

A ação dos fiscalizadores nessa obra é um dos pesadelos de Lula. "Não é possível que por 20 anos tenham conseguido que nem sequer fossem feitos os estudos de impacto ambiental em Belo Monte", insiste em dizer o presidente todas as vezes que se refere ao PAC e à ação do Ministério Público.

A usina é uma das estrelas do PAC e será uma das principais peças da campanha presidencial de Dilma, no ano que vem. Quando pronta, deverá produzir 11 mil megawatts de energia.

"Temos a determinação constitucional de fiscalizar. Nossa ação, embora criticada pelo presidente, tem ajudado a transparência em todos os setores, necessária ao Estado de Direito", diz o presidente da Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo.

"Se nós não fiscalizarmos as obras do PAC, quem é que vai fiscalizar? É melhor parar uma obra irregular do que deixar ela ser terminada e depois ver que o prejuízo para a sociedade é de bilhões." Cosenzo faz um desafio: "Nossa atuação deve-se a uma determinação constitucional. Não inventamos nada. Apenas cumprimos o que nos é determinado. Se querem que o MP mude, por que não modificam a Constituição?".

Na visão da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o grande problema para as obras é a confusão institucional e de legislação, em que os órgãos envolvidos vivem em conflito, principalmente com o meio ambiente.

"É importante definir o papel de cada um, notadamente o do TCU. Se temos um contrato e o fiscalizador é uma agência reguladora, não caberia ao TCU contestar o que faz a agência", diz Paulo Godoy, presidente da Abdib.

OESP, 05/07/2009, Economia, p. B4

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