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Governo brasileiro enfrenta teste na Cúpula do Clima

O Globo, Sociedade, p. 25
Autor: Jussara Soares e Janaína Figueiredo
23 de Set de 2019

Governo brasileiro enfrenta teste na Cúpula do Clima
Cúpula do Clima e discurso de Bolsonaro na ONU serão teste para imagem do Brasil no mundo
Especialistas acham que recuperação, se acontecer, será lenta; discurso do presidente é considerado fundamental

Jussara Soares* e Janaína Figueiredo
23/09/2019 - 04:30 / Atualizado em 23/09/2019 - 10:13

NOVA YORK e RIO - Depois de ter sido um dos principais alvos de críticas na Greve Global do Clima, sexta-feira passada, por sua política ambiental, o governo Jair Bolsonaro (PSL) enfrentará nos próximos dois dias testes cruciais para reverter - ou acentuar - os danos à imagem do Brasil no cenário internacional.
Acontece nesta segunda-feira a Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas e, nesta terça, o presidente discursa na Assembleia Geral da ONU. Especialistas ouvidos pelo GLOBO detectam o retrocesso no papel do Brasil em relação à crise climática e alertam que o fim do protagonismo na área não será superado em um par de dias.
A Cúpula do Clima reúne representantes de 60 países para discursar sobre suas iniciativas para conter os danos ao meio ambiente. O evento ganha contornos ainda mais relevantes após a crise das queimadas na Amazônia e pelo fato de o ano que vem ser considerado uma data crucial em termos de esforços para conter as mudanças climáticas. Em 2020, as regras estabelecidas pelo Acordo de Paris, que já está em vigor, começam a valer de fato para os 195 países signatários.
Nos últimos anos, o Brasil havia conquistado protagonismo nas discussões climáticas ao redor do mundo. No entanto, a partir de 2015 e principalmente do final de 2018, o cenário mudou. O crescimento do desmatamento e a postura adotada pelo presidente a respeito do tema, com críticas ao Acordo de Paris e alinhamento com o discurso do presidente Donald Trump sobre as mudanças climáticas, fragilizou a influência do Brasil.
A expectativa é de que na rodada de discursos que acontece hoje, da qual o Brasil não participa, líderes mundiais falem sobre ações para reverter o cenário de degradação. No caso do Brasil, um dos principais compromissos era o de zerar o desmatamento na Amazônia Legal e restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. A ONU divulgou ontem relatório no qual afirma que os países precisam triplicar seus esforços para atingir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris de conter o aumento de temperatura a no máximo 2o C acima dos níveis pré-industriais.
O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo (IEA-USP) Carlos Nobre, que está em Nova York, considera fundamental o discurso de Bolsonaro na ONU.
- Se este discurso sinalizar preocupação com o destino da Amazônia e com um modelo de desenvolvimento que não aumente o desmatamento essa imagem negativa poderia eventualmente melhorar - opinou Nobre.Para ele, "se o presidente for na linha de que os demais países não podem dar palpite o impacto será adverso".
- Me parece equivocado levar uma indígena na delegação, uma pessoa não representa todos os movimentos indígenas - comentou o pesquisador da USP.
Nobre refere-se à indígena Ysani Kalapalo. Sua presença já levou comunidades como o Xingu a divulgar comunicado de repúdio . "O governo brasileiro não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura simpatizante de suas ideologias radicais" diz a nota. Na opinião da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da USP, emérita da universidade de Chicago e Membro da Academia Brasileira de Ciências, o governo promove "um sucateamento de todas as instâncias de fiscalização de práticas nocivas para o meio ambiente".
- Crimes como desmatamento, queimadas e grilagem estão deixando de ser fiscalizados e, mais ainda, são encourajados - denunciou a antropóloga.
Para Manuela, "o Brasil foi modelo de conservação da biodiversidade e das florestas, sobretudo a amazônica".
- O governo chega à Cúpula do Clima numa posição muito ruim, o que é uma perda enorme para o Brasil. Sofremos prejuízos para o clima e o agronegócio - alertou a antropóloga.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Brasília (UNB) Eduardo Viola acha que "vivemos um momento de brutal deterioração da nossa imagem".
- O governo tentará fazer um controle de danos, mas isso não existe reversão imediata. Ações futuras serão importantes - assegurou o professor da UNB.
Segundo ele, o governo está percebendo a importância de mitigar as críticas, principalmente, pela pressão de setores como o agronegócio.
- As principais forças econômicas e sociais brasileiras não são a favor da distruição da Amazônia e os ideólogos do governo deverão se adaptar a essa realidade - concluiu Viola.
Em paralelo à Cúpula do Clima e por iniciativa do presidente da França, Emmanuel Macron, será realizado um "chamado à mobilização" pela Amazônia, que contará com a participação do presidente chileno, Sebastián Piñera, e do colombiano, Iván Duque, entre outros. O governo brasileiro não confirmou presença no encontro. A relação entre Macron e Bolsonaro continua estremecida, após o presidente brasileiro ter feito um comentário sexista sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron. O vínculo também foi abalado pela decisão do presidente de cancelar um encontro com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, para cortar o cabelo.
Macron convidou representantes dos nove estados brasileiros que compõem o Consórcio da Amazônia Legal a participar da reunião. O convite foi enviado ao governador do Amapá, Waldez Goés (PDT), presidente do consórcio. Procurado, o governador disse que o consórcio irá como ouvinte e confirmou que havia a expectativa de que os estados amazônicos pudessem discursar, o que não se concretizou.
- A Amazônia é debatida no Brasil e fora do Brasil e achamos legítimo esse debate mas não tiramos o direito de ninguém dar a sua opinião, contribuir, participar. O que não é correto é os atores principais, que moram na região, que acabam sendo os principais responsabilizados pelos problemas, não participarem intensamente de todos esses fóruns - disse Waldez.

* Enviada especial

O Globo, 23/09/2019, Sociedade, p. 25

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/cupula-do-clima-dis…

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