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Governo Bolsonaro está mesmo comprometido com redução de carbono?

Época - https://epoca.globo.com/natalie-unterstell
Autor: UNTERSTELL, Natalie
09 de Dez de 2020

Governo Bolsonaro está mesmo comprometido com redução de carbono?
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, diz cumprir Acordo de Paris; mas proposta submetida pelo Ministério das Relações Exteriores à ONU abre margem quanto aos números de referência para metas

Natalie Unterstell
09/12/2020

O governo brasileiro precisa vir a público com dados absolutos da redução de emissões anunciada por Salles para 2025 e 2030. No seu formato atual, a proposta submetida à ONU pelo Brasil pode aumentar o espaço de emissões em milhões de toneladas de carbono até o fim desta década. Qual é, em números firmes, a meta de redução de carbono definida pelo Brasil até 2030?
Neste próximo dia 12/12, todos os chefes de Estado do planeta vão ter a chance de falar no palco virtual do Climate Ambition Summit, organizado pelo Reino Unido como reunião preparatória para a 26a Conferência da Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima no ano que vem. Somente nações dispostas a anunciar metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa, de adaptação aos riscos climáticos e ou de descarbonização completa no longo prazo e compromissos de financiamento terão vez. Muitos países não terão espaço.
Nesse contexto, na terça-feira, 8 de dezembro, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, junto dos ministros da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores, veio a público fazer anúncios relativos ao Acordo de Paris e tentar um lugar ao sol para Jair Bolsonaro.
Salles não citou números mas disse que estaria "reafirmando nossos compromissos com a NDC brasileira". NDC é a contribuição nacionalmente determinada, isto é, a meta que cada país determina domesticamente como seu compromisso junto ao Acordo de Paris, o instrumento legal que busca limitar o aquecimento global a níveis seguros até o fim do século.
O ministro deu a entender que o governo Bolsonaro confirmaria as metas assumidas em 2015 quanto a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% em relação às emissões de 2005 quantificadas em documento oficial submetido à ONU. A data limite para isso é 2025, além de indicar a possível redução em 43% das emissões até 2030.
A proposta publicada no site da Convenção Quadro da ONU para Mudança do Clima (UNFCCC) na manhã de 9 de dezembro repete os percentuais anteriores e confirma uma meta para 2030. Porém, há uma mudança técnica de peso: diferente do compromisso que apresentou há 5 anos, o governo não especificou o patamar de emissões sobre o qual valerão as reduções a serem perseguidas. Apenas indicou que adotará um conjunto de dados conhecido como 3o Inventário Nacional de Emissões para esse fim. Essa nova série mexe justamente no patamar de emissões do ano de 2005, que é a referência para se medir a redução total futura.
Quem olhou atentamente este ponto notou que isso ocasiona um ''pequeno" problema: há uma diferença de 700 milhões de toneladas de CO2 a mais entre o que consta na primeira NDC do Brasil e esse novo anúncio sobre emissões no ano de 2005.
No seu primeiro compromisso junto ao Acordo de Paris, o Brasil foi literal ao adotar uma meta de mitigação absoluta para toda a economia, com níveis absolutos de emissão de 1,3 Gt CO2 (bilhões de toneladas de CO2 por ano) e em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030, correspondendo, respectivamente, àquela redução de 37% e 43%, com base nos níveis de emissão estimados de 2,1 GtCO2e em 2005.
Já no anúncio de 2020, o governo não apresentou números. Apenas citou o Inventário mais recente. Uma rápida busca nesse documento mostra em 2005 um nível de 2,8 GtCO2e emitidos.
Nesse novo patamar, e sem mexer nos percentuais das suas metas, o Brasil em tese pode aumentar suas emissões no futuro. Geraria uma diferença de cerca de 500 milhões de toneladas não reduzidas em 2025 e de 400 milhões de toneladas em 2030. Isso é maior que a redução de emissões de desmatamento na Amazônia e no Cerrado estimada - e não alcançada - em 2020. Equivaleria também a 8 anos de emissões do setor elétrico brasileiro. Ou três vezes o potencial de mitigação contido no Plano de Agricultura de Baixo Carbono, o Plano ABC.
Esse imbróglio técnico deve ganhar contornos fortes por aqui nos próximos dias, à medida que grupos de pesquisa e de ciência submeterem a proposta brasileira ao escrutínio máximo.
Uma análise "a quente" da nova NDC brasileira aponta que não houve aumento da ambição. A nova proposta diminui, na prática, a meta anterior. Uma diferença grande como esta pode colocar o país em "maus lençóis". Principalmente porque o Acordo de Paris contém artigos específicos sobre o princípio do não-retrocesso: uma NDC nova sempre terá que ser melhor ou mais ambiciosa que a anterior. No caso do Brasil, a primeira NDC ancorou em números precisos a base de comparação e requer clara indicação das suas referências.
Voltando ao evento britânico,öO grande trunfo de Bolsonaro para participar do encontro é a declaração que o Brasil estaria comprometido com a neutralidade "climática" para 2060. Cabe perguntar: é mesmo ambicioso esse compromisso de longo prazo, na ausência de números exatos sobre as metas desta década?
Por essa razão, urge que o governo de Bolsonaro venha a público explicar os percentuais e, assim como em 2015, oferecer números sólidos para dissipar qualquer dúvida sobre a ambição brasileira junto ao Acordo de Paris. A partir disso, poderá começar a discutir eventual condicionamento das metas a apoio financeiro. Para atrair apoio internacional, precisará fazer mais do que o planejado anteriormente ou antecipar o atingimento das metas nesta década.

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