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Governo admite legalizar garimpo em área indígena

OESP, Nacional, p.A8
22 de Abr de 2004

Governo admite legalizar garimpo em área indígena
Félix diz que a curto prazo será criada uma legislação para permitir a exploração

EDSON LUIZ, enviado especial

PORTO VELHO - O governo vai criar a curto prazo uma legislação para permitir a exploração de garimpos em áreas indígenas. O anúncio foi feito ontem pelo general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, depois de sobrevoar a reserva indígena Roosevelt, onde 29 garimpeiros foram assassinados por cem guerreiros cintas-largas, na Semana Santa. Na região, onde está uma das maiores jazidas de diamante do mundo, o ministro viu diversos índios explorando áreas de garimpo na floresta.
De acordo com Félix, a idéia do Palácio do Planalto é disciplinar a garimpagem, controlando as pessoas que exploram a extração de diamantes.
"Proibir é ilusório", afirmou o ministro. "O resultado são os conflitos."
Para o general, a medida vai gerar uma intensa discussão, mas Félix ressaltou que o governo já está preparado. A medida, conforme o ministro, deverá ser anunciada em breve pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas isso já vinha sendo estudado há algum tempo e não seria decorrente do massacre dos garimpeiros do Roosevelt.
O ministro descartou a hipótese de proibição total, como defende uma ala dentro do governo, de ambientalistas e indigenistas. "Quando se proíbe, é impossível manter a proibição. O que se precisa é criar regras a este respeito", informou Félix, que visitou Rondônia a pedido de Lula, depois da chacina dos garimpeiros.
O general esteve reunido com o governador do Estado, Ivo Cassol (PSDB), de quem ouviu um relato sobre a situação. Cassol é favorável à manutenção do garimpo de diamantes.
Omissão - Segundo o ministro, o governo está atento à situação, apesar das críticas de que esteve omisso no ano passado, quando parlamentares locais alertaram sobre o perigo de haver uma chacina.
Ontem, uma comissão especial da Câmara esteve em Porto Velho e trouxe ofícios que comprovam o alerta feito em dezembro de 2003.
"A tragédia poderia ter sido evitada", afirmou o deputado Alberto Fraga (PTB-DF). Félix ressaltou que o Palácio do Planalto está atento, mas que o problema já dura 40 anos. "É evidente que o potencial de risco sempre aumenta."
Hoje, segundo o general, a intenção do governo é manter um clima de tranqüilidade na região. Moradores de Espigão DOeste, por exemplo, estão hostilizando policiais federais que ocuparam a reserva desde anteontem. Um hotel chegou a negar refeição e hospedagem para os agentes.
"É necessário, antes de tudo, desarmar os espíritos e as pessoas", disse o ministro do GSI. Ele ressaltou que, antes de tudo, é necessário enterrar os garimpeiros mortos com dignidade.
Durante o vôo de duas horas que fez ontem à área, acompanhado pelo delegado federal Mauro Spósito, coordenador-geral de operações especiais de fronteiras da PF, Félix confirmou que os cintas-largas estão continuando a exploração de diamantes. Uma das áreas estaria a 15 quilômetros de onde ocorreu o massacre da Semana Santa.

Pistas da Funai eram usadas no tráfico de diamantes
PORTO VELHO - Duas pistas de pouso da Fundação Nacional do Índio (Funai) eram usadas para o tráfico de diamantes na área indígena do Roosevelt. Os compradores chegavam com grandes somas de dinheiro para adquirir as pedras dos próprios cintaS-largas, segundo informações da Operação Mamoré, da Polícia Federal, em conjunto com 23 órgãos da União e do Estado.
Ontem, 9 dos 26 corpos encontrados no fim da semana passada foram identificados. Segundo o legista Cláudio de Paula, todos os garimpeiros foram mortos com golpes de bordunas, machados, lanças e até com tiros de espingarda. O Instituto Médico Legal (IML) de Porto Velho estava liberando os cadáveres que foram reconhecidos pelos parentes, mas dezenas de pessoas continuam em busca de informações.
A PF praticamente cercou toda a reserva indígena e enviou um contingente para tentar encontrar mais corpos.
Segundo o delegado da PF Mauro Spósito confirmou que pretende ouvir os líderes dos cintas-largas, mas depende de autorização da Funai. (E.L.)

Bastos pede que índios sejam investigados e julgados
MARIÂNGELA GALLUCCI
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ontem que os índios responsáveis pela morte dos garimpeiros em Rondônia devem ser investigados e julgados. "Acho que os índios têm de ser julgados e investigados dentro de suas peculiaridades", afirmou Bastos à tarde, durante rápida entrevista concedida por telefone, minutos antes de se reunir com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, para tratar de assuntos variados, segundo ele.
Bastos reconheceu que a situação na região do garimpo de Rondônia é tensa, lamentou a tragédia e afirmou que há uma operação envolvendo várias áreas do governo, como a inteligência, o gabinete da segurança institucional e a Polícia Federal, para tratar da questão considerada por ele "complicada e difícil". Na véspera, Bastos já havia dito que não ocorreu negligência por parte do governo. "Nós tínhamos consciência da gravidade da situação."
Ontem, o ministro da Justiça voltou a negar que exista uma crise de autoridade no Brasil por conta das inúmeras invasões promovidas por sem-terra e sem-teto, pelos conflitos entre índios e garimpeiros e pela rebelião de presidiários da cadeia Urso Branco, em Porto Velho, capital do Estado de Rondônia. "O País está sob controle, o Estado de Direito está mantido, o governo está alerta", garantiu Bastos.
O ministro da Justiça acrescentou que "abril é um mês que tem agitações".

Presidente americano deu nome à reserva Em expedição ao lado de Rondon, Roosevelt percorreu a região em 1914
LEONENCIO NOSSA
BRASÍLIA - É no mínimo estranho que um rio e uma área indígena na selva de Rondônia tenham sido batizados com o nome de um presidente americano. Local onde garimpeiros foram mortos nos últimos dias, a reserva e o rio Roosevelt homenageiam Theodore Roosevelt (1901-1909), que percorreu a região para caçar onças e coletar peças para o Museu de História Natural, de Nova York. Em 1914, o sertanista Cândido Mariano Rondon foi encarregado pelo governo brasileiro de mostrar a floresta a Roosevelt, à época com 55 anos.
A idéia de caçar onça não agradou a Rondon, que propôs, então, uma missão para mapear o Rio da Dúvida, uma forma de dar um caráter "científico" à caçada. Durante cinco meses, a Expedição Roosevelt-Rondon atravessou uma terra onde nativos e colonizadores resolviam divergências na bala ou na flecha. Tuparis, nhambiquaras e cintas-largas mataram e foram mortos aos milhares após "julgamentos" em que o réu não tinha defesa e recebia sempre a pena de morte.
O próprio Roosevelt era adepto da idéia de punir com morte pessoas sem recorrer processos. Certa vez, o soldado Júlio, integrante da expedição, foi flagrado roubando comida pelo soldado Paixão.
Numa briga, Júlio matou Paixão com um tiro, fugindo para o mato. "É preciso mandar homens ao encalço de Júlio, prendê-lo e matá-lo!", gritou Roosevelt.
Rondon respondeu que, no Brasil, não havia pena de morte: "Quem comete crime é julgado e não assassinado." Roosevelt insistiu: "Quem mata deve morrer, assim é em meu país!"
O diálogo é relatado na biografia Rondon conta sua vida, de Esther Viveiros, publicado em 1958.
Rondon e seus homens concluíram que o Rio da Dúvida desemboca no Rio Madeira. O sertanista rebatiza o curso de água, de 1.400 km de extensão, em homenagem ao ex-presidente. Numa foto para a história, Rondon, com as mãos no bolso da farda e demonstrando tranqüilidade, e Roosevelt, com um chapéu sobre o peito e olhar de quem cumpriu a mais difícil missão, estão ao lado da placa - Rio Roosevelt.
Na viagem, Roosevelt viveria alguns dos momentos mais difíceis de sua vida.
Teve febre amarela e ferimento em uma das pernas, que virou abscesso. Ele fez boa parte do percurso deitado numa canoa. Após a viagem, foi operado em Belém. A saúde dele nunca mais seria a mesma. Morreu em 1919 nos Estados Unidos.
Nas terras onde quem mata deve morrer, Rondon, que morreu aos 93 anos, em 1958, disse: "Morrer se preciso for; matar, nunca."

OESP, 22/04/2004, p. A8

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