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Governador de RR quer compensacao do Incra

FSP, Brasil, p.A12
24 de Abr de 2005

Não estamos num regime stalinista", diz Ottomar Pinto, que vê ação "para evitar integração da Amazônia"
Governador de RR quer compensação do Incra
Pressionado por produtores rurais e lideranças políticas de Roraima, o governador Ottomar Pinto (PTB), 73, exigirá do Incra o repasse de 4 milhões dos cerca de 7 milhões de hectares de terras da União ao Estado como contrapartida à homologação da reserva Raposa/Serra do Sol, cuja extensão soma 1,7 milhão de hectare.
Para forçar uma reação à medida, Ottomar Pinto vai a Brasília na próxima terça-feira buscar apoio da direção do seu partido e de outras siglas no Congresso Nacional.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone à Folha.
Folha - Para o sr., qual seria a solução prática para apaziguar a situação no Estado?
Ottomar - Nossas pretensões são mínimas. Queremos que as comunidades de Socó, Mutum, Água Fria e Surumu sejam preservadas. O ministro Aldo Rebelo [Coordenação Política] falou que num Estado de Direito ele não vê como a União vai tirar as comunidades de lá. Isso não é stalinismo. Não estamos vivendo num regime stalinista, é um regime democrático. Não pode tirar a população assim. Segundo: queremos que 4 milhões dos 6 milhões, quase 7 milhões de hectares, sejam para a reforma do patrimônio do Estado, porque, antes de o Incra existir, já eram nossos.
Folha - O sr. espera por um recuo do governo federal?
Ottomar - Isso não é recuo. As terras do Incra passariam para nós, as quatro comunidades seriam preservadas e o local onde se pretende construir uma usina hidrelétrica seria mantido como da União. A área dos arrozais, não dos arrozeiros, não tem suporte antropológico. Só pode ser pirraça da Funai querer estender essa área. É um movimento orquestrado para evitar a integração da Amazônia.
Folha - O sr. move uma ação contra a homologação da reserva e na terça-feira vai a Brasília. A intenção é fazer uma pressão política no Congresso para reverter a medida?
Ottomar - Reverter, não. O governo brasileiro tem de sair prestigiado, mas readequar, compatibilizar diante da ortodoxia da Funai e do Ministério da Justiça. O deputado Roberto Jefferson [presidente do PTB] é um homem conciliador e vai conosco buscar uma solução com o ministro [José] Dirceu [Casa Civil]. Espero pela intervenção do PTB nacional, do PL e do PP do Severino [Cavalcanti, presidente da Câmara], que está nessa. E o PFL. Entendo que essa força política fará com que o presidente passe a olhar com mais interesse as demandas do Estado, que são mínimas. Aquela gente vai ser banida do solo que seus ancestrais defenderam.
Folha - O sr. defende que a União repasse parte das terras ao Estado em meio ao conflito sobre a homologação da reserva?
Ottomar Pinto - Vivemos dependentes da União. E o pior é que as decisões do governo federal são decisões que se chocam com as nossas necessidades. O Incra tinha 7 milhões de hectares [de terras em RR], descontados os 800 mil hectares que serão intitulados a particulares, sobrariam 6 milhões para o Incra. Queremos que pelo menos devolvam ao Estado esses hectares. Essas terras não são do Incra, porque antes de o Incra existir já existia o povo de Roraima, que é o verdadeiro dono dessas terras. Em São Paulo, no Rio de Janeiro ou no Paraná o Incra tem terras? Não tem. A Constituição diz que as terras da União são aquelas necessárias às construções de instalações militares, rodovias e ferrovias. O resto é do Estado e dos municípios.

Uiramuta, a cidade que será preservada
Com a demarcação de 1998, a cidade (criada em 1995 mesmo após a identificação da terra como área indígena) teria de ser desocupada, mas, com o decreto de Lula, sua sede foi preservada fora da reserva
Parte de Pacaraima e Normandia ficam dentro da reserva, mas suas sedes também ficam fora do limite da terra. Segundo a Funai, apenas as vilas Socó, Surumu e Mutum, que ficam dentro da reserva, terão de ser desocupadas após a indenização dos trabalhadores
Prefeita: Florany Mota (PT)
Fundação: 17.out.1995
População estimada para 2004: 6.342 habitantes
Área total da cidade: 805 mil hectares
Área da sede: 1.400 hectares

Lula afirmou que pressão estrangeira influiu na demarcação, diz Ottomar
Folha - O PT vai iniciar um trabalho para difundir a idéia de uma contrapartida do governo federal à homologação da reserva em Roraima. O que o sr. acha disso?
Ottomar - Gastamos com educação R$ 300 milhões por ano. Dessa quantia, R$ 80 milhões são em comunidades indígenas, mais que o governo federal quer "botar" aqui. Temos só na Raposa mais de 61 escolas e motores de energia que iluminam as comunidades indígenas e fazem com que vejam televisão. Esses motores são nossos. Quero ver como a Funai vai mandar combustível para esses lugares. É muito fácil dizer, mas fazer é impraticável.
Folha - Seu argumento, então, é que o tamanho da reserva não condiz com o da população indígena?
Ottomar - São 17 mil km2 para 15 mil índios. Nós vivemos em 20 mil km2 para 420 mil brasileiros. Queria que fosse dado aos brasileiros de Roraima o mesmo tratamento que a Funai dá aos índios.
Folha - O sr. teme um impacto negativo da demarcação da reserva na economia do Estado?
Ottomar - Claro. Quem que vai querer investir se não há espaço?
Folha - Há rádios de Roraima pregando que a medida atende a interesses dos EUA. Como o sr. vê isso?
Ottomar - O presidente Lula disse na minha frente e da bancada [de RR] que toda vez que ia ao exterior recebia pressões e reclamações favoráveis à homologação da reserva. Disse que ele tinha pressa em atender a essas demandas.
Folha - O sr. vê risco de conflito entre índios de diferentes etnias?
Ottomar - Sim. O prefeito de Normandia [Orlando Justino, do PSB] teme que o isolamento dos índios suscite conflitos. É um prefeito índio. Os índios na região são prefeitos, advogados e professores. São equiparados pela portaria do presidente a antropófagos [quem come carne humana].

FSP, 24/04/2005, p. A12

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