VOLTAR

Golpe na gestao ambiental

OESP, Notas e Informações, p. A3
28 de Jul de 2004

Golpe na gestão ambiental

A gestão ambiental urbana poderá sofrer o maior retrocesso dos últimos tempos se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vetar o artigo 64 do projeto de lei 47, que trata de incorporação e crédito imobiliário, aprovado no início do mês, após rápida tramitação no Congresso. O artigo revoga a aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e de expansão urbana e concede aos prefeitos poderes sobre a conservação de regiões como as Áreas de Preservação Permanente (APP), que incluem as margens de rios, nascentes, morros, praias, ilhas e manguezais.

Por meio de decreto, prefeitos poderão autorizar a destruição de remanescentes florestais em áreas urbanas. Atenderão, assim, aos apelos do mercado imobiliário e assegurarão maior receita municipal com a ampliação da arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Um pouco de verde e nascentes de água são apelos inquestionáveis no lançamento de loteamentos de alto padrão.

O dispositivo, de autoria do deputado federal Ricardo Izar (PTB), foi elaborado para "desobstruir os canais de construção de moradias no País, especialmente para as populações mais carentes", segundo explicações de Waldemar Villas Bôas, assessor da Frente Parlamentar de Habitação, presidida pelo deputado.

O artigo 64 foi incluído sem alarde, no dia da votação na Câmara, como emenda de plenário ao projeto de lei 47/2004, que não tem nenhuma relação com o assunto. Tanto que o Ministério do Meio Ambiente nem acompanhou a tramitação, já que não tratava de temas ambientais, mas de "patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Créditos Bancários e outras providências".

A manobra provocou a revolta das organizações não-governamentais, das autoridades estaduais e do Ministério do Meio Ambiente. Na segunda-feira, um consórcio de 161 entidades ambientais protocolou em Brasília carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo veto ao artigo 64. O secretário de Estado do Meio Ambiente, José Goldemberg, enviou ao ministro José Dirceu mensagem considerando o artigo um retrocesso. Por fim, o próprio Ministério do Meio Ambiente encaminhou parecer técnico à Casa Civil, justificando o veto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até o dia 2 para sancionar o projeto.

A coordenadora do Programa de Mananciais do Instituto Socioambiental, Marússia Whately, lembra que em regiões como o litoral norte de São Paulo só não se transformaram em condomínios as Áreas de Preservação Permanente ou parques estaduais, protegidos pelo Código Florestal. Na capital, áreas de preservação de mananciais, essenciais para a manutenção da qualidade da água distribuída à população, também poderão ser definitivamente abertas à especulação imobiliária.

"Se o Código fosse cumprido ao pé da letra não teríamos o Cristo Redentor, pra começo de conversa, porque é um topo de morro", disse Waldemar Villas Bôas, assessor de Ricardo Izar. Ainda que não seja cumprido ao pé da letra, o Código tem garantido o mínimo de proteção aos remanescentes florestais que asseguram a preservação das fontes de água e a biodiversidade. O presidente Lula terá de escolher entre o "desenvolvimento da indústria de moradias", da maneira como quer o deputado Ricardo Izar, e o bem-estar da população.

OESP, 28/07/2004, Notas e Informações, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.