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Goiás vê o raro "Rituais e Festas Bororo"

FSP, Ilustrada, p. E8.
13 de Jun de 2001

Documentário etnográfico feito em 1916 abre hoje Festival Internacional de Cinema Ambiental, na Cidade de Goiás

No ponto em que o rio São Lourenço lambe a terra dos índios bororo, no Mato Grosso, os homens da tribo atracam o barco, entorpecem os peixes com toxina extraída da vegetação timbó, lançam a rede e, ao puxá-la de volta, mordem os pescados que somente à custa se deixaram vencer.É o início da Jurê, festa da fartura que o major Luiz Thomaz Reis (1878-1940) documentou em 1916 e 1917, em "Rituais e Festas Bororo". Com uma exibição pública, hoje, na Cidade de Goiás (GO), o filme inaugura a terceira edição do Festival Internacional de Cinema Ambiental, em que 28 títulos de 17 países competirão até domingo pelo Prêmio Cora Coralina (R$ 50 mil).A pescaria bororo objetiva acumular provisões para o ritual funerário que virá a seguir, consumindo longo tempo de dedicação da tribo às danças específicas para a ocasião do enterro.Tais danças requerem corpos ora pintados com urucum, ora vestidos com túnicas de palha. Há momentos em que os homens dançam sozinhos e outros em que as mulheres aderem ao ritual. Sempre dançando e cantando -e sempre diante da câmera de Reis- espantam-se os maus espíritos e simula-se uma briga de onças com índios caracterizados."Trata-se de um documento único. Esse filme é anterior a "Nanook", que Flaherty fez em 1922 e que era considerado o primeiro documentário etnográfico do mundo", diz o professor Fernando de Tacca, 46, que chefia o departamento de Multimeios da Unicamp e desenvolveu tese de doutorado -"Narrativas Etnográficas e Estratégicas- sobre a construção da imagem do índio na comissão Rondon.Nas comissões telegráficas de Rondon para a "ocupação do Oeste brasileiro por meio das comunicações", o major Reis encarregou-se da seção de Cinematografia e Fotografia. Adquiriu os mais modernos equipamentos cinematográficos à venda na Europa. E tornou-se "o olhar que elege, recorta, edita a ação, o responsável pela imagética da comissão Rondon", como observa Tacca.Os méritos de "Rituais e Festas Bororo" não se assentam exclusivamente em seu pioneirismo. As primeiras filmagens cinematográficas no Brasil haviam acontecido apenas 18 anos antes. Mas o cineasta Reis lança mão de recursos de filmagem e edição surpreendentemente modernos."Ele tenta criar uma linearidade no ritual, às vezes invertendo sequências de imagens para criar uma dramaticidade narrativa. Reis brinca com o extra quadro (ao inserir imagens que deixam evidente a presença de alguém na cena, mas fora do quadro), afasta-se para um "campo de observação neutro" nos rituais propriamente ditos e preanuncia visualmente a sequência seguinte, antes mesmo que ela seja intercalada pelo cartão de legendas, próprio dos filmes mudos", diz Tacca.Admirador da filmografia de Reis, que inclui títulos como "Sertões de Mato Grosso" (seu primeiro filme, de 1915), "Parimã", "Inspetoria E. de Fronteiras" e o longa "Ao Redor do Brasil", o curador do acervo da Cinemateca Brasileira, Carlos Roberto Souza, define o cineasta como "um realizador intuitivo, capaz de uma abordagem antropológica sem distanciamento ou folclorismos".A Cinemateca Brasileira recuperou os originais em nitrato de "Rituais e Festas Bororo" e dos demais filmes de Reis, que hoje pertencem ao acervo do Museu do Índio, no Rio.O público paulistano terá uma chance de assisti-lo no próximo mês de setembro, quando o professor Fernando de Tacca lançará seu livro (editora Papirus), com exibição dos cinco títulos estudados -além de "Rituais...", "Ronuro, Selvas do Xingu", "Os Carajás", "Inspetoria E. de Fronteiras" e "Viagem ao Roraimã".

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