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Autor: LINS, Clarissa
07 de Out de 2024
Gigante do petróleo ou potência climática?
Além da segurança energética, para a qual a diversidade de fontes competitivas é um elemento-chave, torna-se imperativo avaliar a dimensão climática na exploração da Margem Equatorial
Clarissa Lins
Economista com graduação e mestrado pela PUC-Rio, é sócia fundadora da Catavento Consultoria
07/10/2024 05h01 Atualizado há 2 dias
Em artigo recente, o "Financial Times" discorre sobre a aparente contradição na postura brasileira em se apresentar como potência climática ao passo que avalia abrir novas fronteiras exploratórias na Margem Equatorial, região que vai da foz do Rio Amazonas, no Estado do Amapá, ao Rio Grande do Norte. De fato, endereçar este aparente dilema não é tarefa fácil.
Em 2023, a indústria de óleo e gás (O&G) no Brasil produziu 3,5 milhões de barris por dia, crescendo mais de 50% na última década e ocupando a 9ª posição global. Dados da OCDE e do Banco Mundial mostram que a indústria respondeu por cerca de 3% do PIB (2021), 16% das exportações (US$ 55 bilhões em 2023), além de 6% das receitas fiscais totais - apenas em royalties e participação especial, foram pagos R$ 92 bilhões (2023). A indústria também investe maciçamente em pesquisa e desenvolvimento em função da regulação (R$ 14,7 bilhões nos últimos 5 anos), tendo alocado até 25% do total em tecnologias de baixo carbono.
Não resta dúvida, portanto, que se trata de uma indústria pujante e com relevante impacto econômico na sociedade brasileira.
As projeções da Empresa de Planejamento Energético (EPE) indicam que o Brasil atingirá seu pico de produção em 2030, no nível de 5,3 milhões de barris/dia, caso não haja abertura de novas fronteiras exploratórias. A partir dessa data, pressupondo a mesma taxa de declínio de campos existentes (10% ao ano), o país reduz sua participação relativa na produção global e perde receitas de exportação. Esta tem sido a principal justificativa para a abertura de novas fronteiras exploratórias, em um cenário de incerteza quanto ao ritmo de declínio da demanda por O&G no mundo.
Ainda, em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE), a contribuição da atividade de geração e de consumo de energia (não apenas O&G) é inferior a 30% no Brasil, comparada a mais de 70% globalmente. Pode-se perguntar, portanto, por que aceitar o declínio de uma atividade econômica competitiva e relevante para a economia nacional, colocando em risco nossa segurança energética?
Embora a pergunta seja relevante, ela deixa de abordar trade-offs essenciais no contexto energético e climático atual. Convido o leitor, assim, a alargar o seu olhar para outros aspectos. Em uma década em que recordes de aumento de temperatura média são quebrados a cada ano, o custo da inação torna-se evidente e inaceitável.
Desastres naturais causaram perdas econômicas de mais de US$ 380 bilhões em 2023, sendo 70% deste montante atribuído a fatores climáticos, para os quais a ciência já comprova a influência antrópica. O Brasil não está imune a tais fenômenos, como demonstram as cheias recentes no RS e a seca na Amazônia.
Neste contexto, a pergunta que cabe fazer é: qual o futuro da energia em um ambiente de emergência climática? Neste futuro, há espaço para mais O&G ou devemos privilegiar a alocação de recursos em rotas tecnológicas de baixo carbono, nas quais também somos competitivos?
Isto requer uma visão holística e de longo prazo de Estado, levando em conta diversos aspectos. A decisão de abrir novas fronteiras exploratórias em uma área de sensibilidade ambiental é complexa e cabe ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o qual, por definição, zela pela visão estratégica integrada.
Além da segurança energética, para a qual a diversidade de fontes competitivas é um elemento-chave, torna-se imperativo avaliar a dimensão climática. Supondo que haja sucesso exploratório na Margem, o que ainda é uma incógnita, estima-se que a eventual produção ocorra em 10 ou 15 anos. Portanto, o Brasil estaria contribuindo para a continuidade de emissões oriundas da queima de fonte fóssil neste período, e isto impactaria sua reputação de potência climática.
Uma hipótese a ser debatida neste ambiente é a indústria de O&G atuar de maneira proativa em iniciativas locais de reflorestamento e recuperação de área degradada, estimulando a remoção de carbono. Além do benefício climático, os projetos podem gerar impactos locais de geração de emprego e renda. A fonte de tais recursos poderia ser a própria cláusula existente de P&D, ou alguma alternativa a ser debatida com atores-chave. Deveria haver mecanismo de governança claro para monitorar a aplicação dos recursos em remoção de carbono e tecnologias de baixo carbono.
A resposta da indústria a eventuais acidentes ambientais na Margem está, a meu ver, devidamente diagnosticada. Por ser uma área reconhecidamente sensível por abrigar mais de 80% dos manguezais do país, o processo de licenciamento exige capacidade de resposta das empresas operadoras em linha com as melhores práticas globais, passível de ser atendida de maneira adequada.
Outro aspecto pouco abordado nas discussões em curso, mas não menos relevante, diz respeito à fragilidade institucional e social da região, a qual pode dificultar a reversão dos recursos em melhoria de bem-estar local, conforme ilustra a literatura sobre a chamada "maldição dos recursos naturais". Dados da Climate Policy Initiative (CPI), por exemplo, mostram que municípios da região beneficiados pelo recebimento de royalties não conseguem reverter isto na mesma proporção em melhoria de bem-estar social.
Portanto, atuar na região requer uma abordagem diferenciada para fortalecer o ambiente institucional. Uma forma de lidar com tal desafio seria garantir que o retorno dos recursos para a população seja monitorado por entidade independente, criando o Observatório da Margem Equatorial, reforçando a transparência e a governança na prestação de contas dos diversos entes.
Em resumo, para conciliar sua ambição de potência climática e produtor relevante de O&G, o Brasil precisa avaliar de maneira diferenciada eventual atividade petrolífera na Margem Equatorial, ponderando: (1) o mix energético pretendido para as próximas décadas, compatível com suas ambições climáticas e com a demanda esperada; (2) a relevância econômica, incluindo fiscal e de comércio exterior, proporcionada atualmente pela indústria de O&G e possíveis alternativas de substituição; (3) o estímulo à remoção de carbono por meio de reflorestamento na Amazônia, bem como as tecnologias de baixo carbono, com recursos da indústria de O&G; (4) o fortalecimento institucional da região, inclusive por meio de mecanismos de governança que garantam melhoria de bem-estar da população local.
É fundamental ter uma abordagem holística, audaciosa e inovadora, lastreada em nova governança climática e energética. Com base em sua diversidade de recursos naturais, talvez o Brasil seja dos países mais bem posicionados para resolver este aparente dilema.
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