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Gestão para não depender da chuva

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: CRESPO, Samyra
29 de Jan de 2015

Gestão para não depender da chuva
Vamos ter que modernizar todo o sistema de irrigação e alimentação dos lagos e espelhos d'água do Jardim Botânico

Samyra Crespo

Editorial do GLOBO de domingo passado manifesta preocupação com o que parece ser a aproximação de um cenário semelhante ao de São Paulo, de escassez de água potável no Rio de Janeiro, e apela para que as autoridades assumam suas responsabilidades e não esperem apenas pelas chuvas, que, já sabemos, serão insuficiente. Perfurar poços e outras soluções casuísticas só lançam mão de recursos que são finitos.
Ainda que o verão aumente, tremendamente, a demanda por água em toda parte, sabemos que nos bairros do subúrbio e em comunidades já ocorre uma espécie de racionamento seletivo. "Apaguinhos" aqui e ali, torneiras secas e diminuição da pressão da água da Cedae (dificultando que a água suba ladeiras) já são indício de uma crise hídrica não no abstrato "Sudeste", mas no aqui e agora, sob um sol escaldante.
Como gestora de um dos mais importantes patrimônios culturais e paisagísticos do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico, relato o que vem ocorrendo neste belo e aprazível lugar. Temos três fontes de água: os rios dos Macacos e Iglesias, que vêm diretamente do Maciço da Tijuca, e a água tratada da Cedae, pela qual pagamos. Os rios, depois de cumprirem sua função ecológica, alimentam nossos lagos, chafarizes e ainda servem à rega de mais de 46 hectares de terra e vegetação exuberante. A água tratada serve aos bebedouros, aos banheiros e à administração.
O primeiro sinal preocupante da crise hídrica é o definhamento do Rio dos Macacos, já bastante deteriorado em seu longo percurso pelo Horto e pelos assentamentos ilegais acima do arboreto. Antes controlado por comportas para evitar inundação nessa época, há dois anos se vê somente um filete de água correndo em seu leito quase seco. O Rio Iglesias, que alimenta nosso sistema de irrigação, tem este ano seu volume mais baixo, obrigando-nos a recorrer à agua tratada, e cara, também para a rega. E mesmo esta terceira fonte já apresenta problemas. Como a Cedae vem diminuindo a pressão da água, hoje já temos um cenário de imprevisibilidade quanto à disponibilidade da mesma na quantidade que necessitamos. Por causa da seca, temos adiado plantios e não podemos garantir a sobrevivência de espécies mais frágeis.
Esta é a realidade do Jardim Botânico. Imagino que este cenário preocupante deva afetar muitas outras instituições.
Como gestores, contudo, cabe-nos providências, além das medidas emergenciais que pedem redução no uso e combate a todo desperdício. Está em curso, desde dezembro, uma parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) visando rever todo o sistema hídrico do jardim, bem como a proteção das nascentes e micro-clima da região que abrange, além do Horto, parte da floresta do entorno pertencente ao Maciço da Tijuca, área protegida.
Teremos também que modernizar todo o sistema de irrigação e alimentação dos lagos e espelhos d'água. Com cerca de um milhão de visitantes por ano e um consumo cada vez mais intensivo de água, o Jardim Botânico é apenas um caso entre dezenas na cidade do Rio, que deseja ser exemplo de desenvolvimento sustentável no mundo e que abriga eventos cada vez mais massivos.
Esta crise pode ser uma oportunidade ímpar para que todas as instituições públicas revejam seus padrões de consumo de água e modernizem seus sistemas de captação e armazenamento. Esta providência não precisa de São Pedro. Precisa de ciência e gestão.

Samyra Crespo é presidente do Jardim Botânico

O Globo, 29/01/2015, Opinião, p. 19

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