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Gestão Kassab registra até favela como parque

OESP, Metrópole, p. C1, C3
14 de Fev de 2011

Gestão Kassab registra até favela como parque
De 13 espaços inaugurados, apenas 1 funciona e está completo; outros ficam trancados ou seguem sem água, luz e segurança

Rodrigo Burgarelli e Vitor Hugo Brandalise

Neste exato momento, traficantes estão morando em um parque municipal e uma favela inteira está sendo demolida em outro - que, oficialmente, foi inaugurado em 2009. Dois parques prontos há um ano ainda estão trancados com cadeado. Crianças jogam bola numa quadra velha e sem traves que, segundo a Prefeitura, é recém-inaugurada. E parques na periferia continuam sem água, luz e segurança meses depois de serem abertos.
Esse é o cenário que predomina na maioria dos parques inaugurados desde 2009, frutos da promessa de Gilberto Kassab (DEM) de deixar a cidade com 50 novos parques até 2012 - dessa forma, a capital passaria a ter 100. Para isso, a reportagem visitou os 13 que, segundo o relatório do Plano de Metas, já foram (ou deveriam ter sido) inaugurados. A constatação foi a de que apenas um foi entregue completo e em pleno funcionamento: o Parque Urbano Benemérito Brás, na Mooca. Todos os outros apresentam problemas, estão incompletos ou simplesmente estão longe de ser concluídos.
Um exemplo é o Linear Sapé, no Butantã. Ele deveria ir da Rodovia Raposo Tavares até a Avenida Escola Politécnica e foi entregue em junho de 2009. Entretanto, o local ainda é ocupado por uma favela de mais de seis quarteirões que só agora começou a ser demolida. Um funcionário da Prefeitura que estava no local confirmou que as obras fazem parte do futuro parque, ainda sem previsão de abertura.
Outro caso parecido é o do Linear Taboão, em Sapopemba. A área também era uma antiga favela que foi retirada para a construção do equipamento, inaugurado há um ano. Meses depois, porém, ex-moradores voltaram a construir barracos no mesmo lugar e o local voltou a ser uma favela, com carros estacionados em cima da grama recém-plantada e muito lixo, lama e entulho espalhados. O fotógrafo do Estado chegou até a ser ameaçado no local - segundo moradores, só é possível tirar foto ali com o aval dos traficantes.
Há também locais que mal parecem ter tido obras recentes. Esse é o caso do Linear Mongaguá, em Ermelino Matarazzo. O lugar é uma antiga praça que, segundo a Prefeitura, virou parque em dezembro. Mas poucas mudanças foram notadas pelos frequentadores - o mato está alto, os brinquedos infantis seguem quebrados, a quadra continua sem trave e a única construção nova, uma cabine da GCM, ainda está em obras. Em Capela do Socorro, na zona sul, o Parque Urbano Ganhembu também consta como inaugurado em dezembro, mas as obras continuam.
Trancados. Dois outros parques estão em melhores condições, mas ainda trancados : o Jardim Herculano, em M"Boi Mirim, e o Águas, no Itaim Paulista. Neste, crianças da região precisam pular as grades ou passar debaixo de um buraco que elas cavaram para poder utilizar as quadras de futebol.

Secretaria diz que lista será revista e meta, cumprida
Questionada, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirmou que vai retificar a lista dos parques concluídos publicada no site da Agenda 2012. Segundo sua assessoria, dificuldades em licitações e desapropriações causaram "reprogramações" nos prazos. "O importante é que a meta dos cem parques até 2012 será cumprida", diz a nota.

Obras previstas para o primeiro semestre ainda nem começaram
Nos terrenos, há de barracos irregulares a criação de galinhas; na Lapa, será preciso remover uma feira livre

Rodrigo Burgarelli e Vitor Hugo Brandalise

Segundo o cronograma da Agenda 2012, este deve ser o ano mais "verde" da cidade: nada menos que 32 novos parques estão previstos para serem inaugurados até dezembro. A reportagem, entretanto, visitou seis áreas cuja inauguração está prometida para junho e constatou que, na maior parte delas, as obras ainda nem começaram.
É esse o caso do futuro Parque Linear Cipoaba, em São Mateus. No local, há um pouco de tudo: barracos irregulares, criação de galinhas e patos, carcaças de veículos abandonados, hortas de alface e pés de milho. Mas a maior atração atual do futuro parque é o trio Bandido, Negão e Milagre - que são, respectivamente, um pônei, um cavalo e um bezerro criados por um grupo de 12 amigos das redondezas. Segundo um deles, que se identificou apenas como Emerson, os bichos alegram as crianças do bairro e dormem em uma cocheira particular, apesar de pastar diariamente em área pública.
No futuro Linear Ivar Beckmann, na Lapa, as obras também nem começaram. Lá, o que existe hoje é uma enorme feira livre ocupada por camelôs que ainda nem foi desmontada pela Prefeitura. Já no Sena, do Tremembé, a situação é diferente: segundo moradores, ele já existia como a antiga Praça Coronel Pedro de Castro. Após uma reforma de R$ 431 mil, a área vai mudar de nome e receber a denominação "parque", mesmo sem haver desapropriação prevista no local para acréscimo de área. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente informou que os parques citados se encontram em fase de projeto, mas não comentou se há atraso no cronograma das obras.

Duas razões para...
Acompanhar o cumprimento da Agenda 2012

1. A Agenda 2012 é o Plano de Metas criado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) em 2009. Ele serve para organizar as prioridades do governo e definir o que será feito em curto, médio e longo prazo
2.O período do Plano de Metas não é por acaso: 2012 é quando ocorre a próxima eleição municipal. A Agenda 2012 ajuda o cidadão a saber quais promessas serão cumpridas ou quebradas e como cobrar os candidatos a prefeito.

Na periferia, área de lazer fica abandonada
Em 7 parques faltam luz, água e segurança e sobram relatos de crimes e uso de drogas

Rodrigo Burgarelli e Vitor Hugo Brandalise

Na periferia, a inauguração de um parque não é garantia de área verde de qualidade - abertos incompletos ou deixados sem manutenção, os lugares são rapidamente depredados e deixam de ser utilizados pela comunidade. Dos 13 visitados pela reportagem, em sete casos há problemas como falta de água, luz, cercamento e seguranças. Como resultado, sobram relatos de assaltos, uso de drogas e prostituição dentro dos parques municipais.
Abertos sem contratação de seguranças, ou com número insuficiente de profissionais, quatro parques visitados pela reportagem estão há meses sem iluminação. Inaugurado em novembro de 2009, o Consciência Negra, em Cidade Tiradentes, zona leste, teve fiação elétrica roubada há um ano e meio e nunca reposta. No inverno, fecha mais cedo por falta de iluminação. Além disso, foi inaugurado incompleto: uma área de 400 metros quadrados até hoje está vazia, porque os brinquedos para os três playgrounds previstos para o local nunca chegaram. Nenhum dos seis bebedouros existentes no lugar funciona - uma torneira foi instalada precariamente pelos seguranças, para atender os visitantes que pedem água.
O Parque Linear Guaratiba, em Guaianases, na zona leste, também sofre com falta de manutenção. Desde o início do ano passado o local está às escuras, também por causa de ladrões que roubaram os fios de luz. Localizado ao lado de um terreno baldio ocupado, segundo relato de moradores, por usuários de drogas, o cercamento do parque nunca foi finalizado. "Do jeito que fica, prefiro dar toda a volta do que cruzar o terreno sem luz. E pior é que a promessa é que o parque iria ser um atalho seguro para não precisar passar pelas ruas do lado, que também são mal iluminadas", disse a dona de casa Isadora Alexandre, de 34 anos, moradora da região.
Há casos de parques abertos e simplesmente deixados ao léu, sem água, luz e seguranças. Em pouco tempo, equipamentos como quadras esportivas e bebedouros comprados pela administração acabam depredados. No ano passado, foram instaladas cercas, um quiosque e uma quadra esportiva no Parque Senhor do Vale, em Perus, extremo norte da capital. Deixado aberto e sem manutenção, o parque é hoje ocupado, segundo vizinhos, por viciados e garotas de programa. Aos domingos, o quiosque é utilizado para festas. "Trazem as garotas para lá e ficam a noite toda. Cansamos de chamar a polícia", disse a dona de casa Valdice Pereira, de 46 anos, moradora do local há 15 anos.
Abandono. A falta de manutenção também estragou as 2 mil mudas de plantas ornamentais compradas para lá. "É descaso total. Não adianta construir um equipamento e deixá-lo abandonado", disse Claudemir Bassoli, líder de associação de moradores. Troncos de árvores derrubadas dentro do parque nunca foram retirados. A quadra esportiva também foi totalmente pichada e, sem jardinagem, o mato cresce alto na área.

Vizinhos falam de prostituição no Butantã

A situação é semelhante no Parque Urbano Cohab Raposo Tavares, no Butantã. Não há iluminação e segurança - à noite, moradores disseram que o local vira ponto de prostituição e de consumo de drogas. Uma trilha prometida para a mata ao lado nunca foi construída. Os banheiros previstos também nunca foram instalados e os bebedouros estão secos. O descaso também é visível no monte de entulho - sofás, colchões velhos e lixo doméstico se acumulam logo na entrada do parque.
Segundo a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, é necessário levar em conta que mesmo parques não entregues oficialmente já ajudam a qualificar a área, protegem a natureza e são utilizados de alguma maneira pela comunidade. A pasta admitiu que há atraso nas instalações de playgrounds, mas disse que "a compra deve ser feita ao longo deste ano e a instalação será feita gradativamente".
A nota ainda informou que os parques estão sempre em evolução, expandindo os equipamentos, e por isso, nunca estão totalmente completos. "Mesmo o Ibirapuera está recebendo novos equipamentos e opções para a população ainda hoje, 60 anos após sua inauguração."
Verde em números
21% da capital conta com cobertura vegetal, de acordo com o "Atlas Ambiental".
26 mil m² de vegetação por habitante tem a região de Marsilac, no extremo sul paulistano. Esse número de vegetação chega a zero nas áreas do Brás e de Santa Cecília, na região central.

Os cem parques ou os sem-parque?

Carlos Bocuhy

A criação de parques e áreas verdes para São Paulo é imprescindível. Mas há questões de essência a serem respeitadas. Os parques devem integrar uma política ambiental para a sustentabilidade da cidade, com a proteção de fundos de vale, aumento das áreas de drenagem, atenuação das ilhas de calor, melhoria da qualidade do ar, proteção dos corpos d"água, manutenção da biodiversidade, criação de espaços e equipamentos públicos de qualidade e estímulo ao espírito comunitário.
Ná lógica da qualidade ambiental, há alguns requisitos. Um exemplo é a recuperação de córregos, que não devem ser tamponados. Também não se pode admitir a construção de parques à custa do aterramento ou assoreamento de reservatórios. Não haverá sustentabilidade nenhuma se isso ocorrer. Haverá sim mais impactos ambientais, o que é, no mínimo, uma contradição.
Além disso, parques planejados para a periferia devem ter os mesmos critérios aplicados, por exemplo, ao do Ibirapuera, sob pena de discriminação das comunidades menos abastadas. É imprescindível que tais espaços de convivência sejam um exemplo educativo de respeito ao meio ambiente. São espaços culturais, mais naturais, que têm como função sensibilizar e motivar a mudança de comportamento da comunidade. Construir esses espaços de forma eficiente e com respeito ao meio ambiente será a melhor contribuição educativa a ser dada pelo setor público.
Parques são indicadores da política de meio ambiente e da qualidade da gestão ambiental. Sem a participação da comunidade no planejamento e implementação, não há exigência social - nem condições para promover sustentabilidade. Aí incorreremos em conhecidos riscos da administração ineficiente: imediatismo, "mandracaria" das maquetes inauguradas e, no final, apenas o "faz de conta" característico do marketing verde.
Integrante do Conselho Nacional do Meio Ambiente

OESP, 14/02/2011, Metrópole, p. C1, C3

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110214/not_imp679127,0.php
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