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Gestao da BR-163 desafia governo

GM, Meio Ambiente, p.A9
02 de Ago de 2004

Gestão da BR-163 desafia governo
Objetivo é asfaltar rodovia que liga Cuiabá a Santarém sem causar devastação nas florestas.
Gisele Teixeira
De Brasília
Começam hoje as audiências públicas para a discussão do estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) sobre o asfaltamento da BR-163, que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Serão três encontros durante a semana: em Guarantã do Norte, no Mato Grosso, e Novo Progresso e Santarém, ambos no Pará. A obra, de 1.765 quilômetros, é um dos principais desafios na área ambiental atualmente, pois há um temor de que a estrada venha a provocar grande desmatamento na Amazônia Central.
Cientistas que participaram da III Conferência da LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia) na última semana, em Brasília, foram unânimes em afirmar que apenas uma intervenção forte do governo federal poderá evitar um desastre no futuro e transformar esta obra em um modelo diferente de implantação de infra-estrutura na região. O asfaltamento será financiado com recursos da iniciativa privada, mediante concessão de exploração de pedágio.
O pesquisador Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que seja possível reduzir pela metade o desmatamento ao longo da estrada, "mas somente se antes de sua ocupação for adotada uma nova estratégia de ocupação, incluindo incentivos fiscais para preservação e medidas regulatórias de ocupação e fiscalização".
A interferência do asfaltamento da BR-163 na floresta foi matéria de capa da revista britânica The Economist do dia 22 de julho passado. Usando dados do Instituto de Pesquisas Amazônicas (Ipam), a publicação alerta que a BR-163 poderia desmatar de 30% a 40% da Amazônia até 2020.
"A pavimentação da BR-163 será um importante teste sobre a capacidade de absorção da ação do homem na floresta", completa o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Humberto Rocha. Mas ele acrescenta que, mesmo com o cumprimento das leis, haverá a "descaracterização da Amazônia de hoje". Por isso, Rocha avalia que não há como pensar em um ambiente intocável. "Mas há formas de trabalhar respeitando o preceito de que a floresta tem capacidade limitada de absorver a ação do homem, e o desafio é permitir o desenvolvimento sustentável nessa faixa no limite da floresta", completou.
Estradas secundárias
Os cientistas ressaltam que é preciso avaliar não só o impacto da BR-163, mas também a possibilidade de que centenas de estradas secundárias sejam abertas sem planejamento a partir desta obra, a exemplo do que aconteceu com a Transamazônica.
De acordo com a organização não-governamental Imazon, entre 1987 e 2001 foram abertos informalmente cerca de 23 mil quilômetros de estradas apenas no centro sul do Pará. "Esse é um indicador forte da dinâmica que já está instalada na região, fruto do garimpo, da extração de madeira e de pequenos produtores que não têm acesso às estradas oficiais", ressalta o secretário executivo do Imazon, Paulo Barreto. Em outras regiões, segundo ele, a dinâmica é a mesma.
A Casa Civil coordena um grupo de trabalho composto por 14 ministérios, que elaborou o "Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Área de Influência da BR-163". O documento define um conjunto de políticas públicas estruturantes e indutoras de uma dinâmica de desenvolvimento que associe, ao processo de pavimentação da rodovia, a garantia da inclusão social e da conservação dos recursos naturais. O texto foi considerado generalizado por algumas entidades ambientais, entre elas WWF-Brasil, Conservação Internacional e Amigos da Terra.
As entidades também manifestaram preocupação com a capacidade do governo de implementar as ações previstas, principalmente com a rapidez que a questão demanda. "Há um descompasso entre o tempo do governo e o tempo dos fazendeiros que chegam à região. É difícil prever quem vai ganhar a corrida", diz Paulo Barreto. A saída, segundo as entidades, seria fortalecer órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Polícia Federal na região.
Uma reunião em Brasília, na semana passada, aparou parte destas arestas. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já estão em curso ações na área de influência da rodovia para conter o desmatamento. Entre elas, a fiscalização na Terra do Meio - região de 8 milhões de hectares situada entre os rios Xingu e Tapajós, no Pará - a instalação de bases operacionais do Ibama nas áreas mais críticas e a regularização fundiária promovida pelo Incra. A partir das sugestões e comentários apresentados durante as consultas públicas, o grupo de trabalho interministerial deve finalizar a elaboração do Plano BR-163 Sustentável em outubro e começar a implementá-lo em novembro deste ano.

GM, 02/08/2004, p.A9 (Meio Ambiente)

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