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Gerações em choque, pelo bem da Amazônia

OESP, Vida, p. A27
23 de Abr de 2006

Gerações em choque, pelo bem da Amazônia
Família Meirelles tem pecuarista histórico e ambientalista vegetariano

Cristina Amorim

O administrador de empresas João Meirelles Filho só tem nome e sobrenome em comum com o pai, o ex-secretário de Agricultura e de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, João Carlos Meirelles. De resto, os caminhos são diametralmente opostos. O pai foi um dos principais incentivadores da ocupação da Amazônia pela boiada; o filho virou ambientalista - e vegetariano convicto - para salvar a Amazônia do desmatamento causado pela pecuária.
A história é mais do que um caso clássico de psicologia familiar, em que o filho se opõe ao pai e rompe tradições. Meirelles Filho representa um cisma entre duas gerações que trabalham na região. Uma, extrativista, via naquele mundaréu de árvores apenas a terra, bem hipervalorizada desde Cabral, e a necessidade da consolidação das fronteiras brasileiras pela ocupação humana.
A outra geração, de Filho, enxerga não só a terra, mas também as árvores e os recursos naturais, e procura alternativas de produzir riqueza sem precisar derrubar tudo para plantar pasto ou soja. Quer conservar e sabe que não adianta cercar, então busca formas de juntar preservação e produção.
Ambos querem o mesmo para a Amazônia. Querem seu desenvolvimento. O meio de consegui-lo é que muda.
"Qual é a grande diferença? É dizer: esse negócio não vai dar certo, a Terra não agüenta", afirma Meirelles Filho. "Hoje em dia a gente está trabalhando com a seguinte realidade: tem mais boi do que gente no planeta, e a gente tem de decidir: é boi ou é gente. A Amazônia não suporta a pecuária."
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003 a Amazônia já abrigava 30% do rebanho nacional para corte, algo como 47 milhões de animais, com alta taxa de crescimento. A pecuária é apontada como um dos principais motores que provocam o desmatamento sem critério. Coincidem as áreas com altas taxas de derrubada com aquelas onde a pecuária cresce, como em São Félix do Xingu (PA).
João Carlos Meirelles, pai, foi presidente da Associação dos Empresários da Amazônia, congregação de fazendeiros paulistas que na década de 1970 rumou para ao Norte. Ele trabalhou fortemente em Mato Grosso, onde até hoje tem terras, e consolidou projetos de assentamentos rurais e agropecuários em toda a região.
O filho seguiu seus passos por 20 anos. Cursou Administração na Fundação Getulio Vargas. Foi executivo em grandes empresas nacionais e internacionais. Hoje, ele atua na capacitação e preparação de ONGs locais da Amazônia. O intuito é fazer essas organizações sociais e ambientalistas caminharem com as próprias pernas. Ensina quem às vezes mal terminou o ensino fundamental a montar projeto, pedir financiamento, passar o conhecimento adiante e agregar valor aos seus produtos.
Os contratos que o Instituto Peabiru, que ele dirige, faz com as comunidades têm 20, 30 anos de duração. "O maior medo delas é que, depois do trabalho, a assistência vá embora. Nossa proposta é realmente ficar lá e ajudá-las a transformar sua vida."
A questão é que a pecuária reluz como ouro também para quem está na pobreza. Em teoria, basta derrubar as árvores e plantar pasto. Como cerca de metade da Amazônia é de terra devoluta ou invadida ilegalmente, e a fiscalização é frouxa, aumentar a área não é um empecilho. Por isso, o problema não é só o grande produtor. "O pequeno sonha em ser médio, o médio sonha em ser grande. Eles abandonam tudo e vão para a pecuária, até porque não existe outra coisa para fazer."
Meirelles sabe, por sua experiência, que o problema é macroeconômico: "Está na esfera do consumo." Quase toda a carne produzida na Amazônia vai para a mesa dos próprios brasileiros, pelo menos até a febre aftosa ser controlada lá e o mercado exterior se abrir - o que só vai provocar ainda mais crescimento do rebanho.
Ele tenta mudar a mentalidade das pessoas com um trabalho de formiga. O pai, claro, não gosta muito da escolha, diz o Filho olhando para o lado.
"Eu podia estar na Avenida Paulista, escrevendo proposta, mas estou lá, no campo, fazendo o que eu gosto", afirma. "Houve uma queda no valor da remuneração, mas não reclamo. Seguir os próprios sonhos é muito difícil, mas é muito bom. Recomendo para todo mundo."

OESP, 23/04/2006, Vida, p. A27

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