GM, Opinião, p. A3
Autor: FEROLLA, Sérgio Xavier; HAGE, José Alexandre Altahyde
10 de Out de 2005
Geopolítica e segurança energética do Brasil
A presença de militares dos EUA no Paraguai contraria o espírito do Tratado de Assunção. A posição do Brasil no âmbito sul-americano nunca foi de permanente calma, embora esforços venham sendo empregados para promover bom relacionamento com vizinhos que montam as fronteiras brasileiras. O Mercado Comum do Sul (Mercosul) seria exemplo do empenho brasileiro junto com Argentina, Paraguai e Uruguai para fomentar projeto de integração com poder suficiente para neutralizar crises históricas. A Comunidade Andina de Nações (CAN), começando pela Bolívia, poderia fazer arranjo de união ao Mercosul com o objetivo de fundar coeso bloco sul-americano.
Não há dúvida de que a formação de amplo bloco regional seria importante ao desenvolvimento do Brasil e seus vizinhos. A urgência brasileira em transformar sua matriz energética é um dos pontos fortes dessa projeção. Com dificuldades de implementar novas usinas hidroelétricas por causa dos problemas ambientais, a integração física via gasodutos emerge de modo salutar para fazer com que o País tenha condições de superar os impasses do esgotamento energético. A integração física pela energia seria sinal de amadurecimento nos assuntos de integração regional e superação de impasses da política internacional.
Contudo questões que envolvem um dos membros do Mercosul, o Paraguai, com os Estados Unidos podem trazer contratempos à boa agenda que Brasília havia ajudado a construir desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, que concebe o bloco regional do Sul. Mesmo que a Carta de Assunção tenha limites, não há dúvida de que seu espírito contribuiu para amainar ânimos que atravessaram a década de 1970 em conflitos entre Argentina, Brasil e Paraguai em virtude da construção da usina hidroelétrica de Itaipu.
O tema em foco se encontra na aproximação que o Paraguai passou a ter ultimamente com a Casa Branca a ponto de permitir que quatrocentos militares norte-americanos venham a se instalar em solo paraguaio, próximo à Bolívia e ao Brasil. Evidentemente há duas implicações não ignoradas nesse assunto. Primeiro não se trata de leviandade ou antiamericanismo apontar o estacionamento do pessoal norte-americano, pois há sinais claros de que são operações de cunho sensível à segurança nacional; não são funcionários desvinculados de funções estratégicas, visto que necessitam de logística apropriada a operações de teor militar. O Itamaraty, por intermédio do ministro Celso Amorim, já tomou a palavra sobre esse ponto. Em entrevista publicada na IstoÉ, edição de 17/9/2005, o chanceler brasileiro não deixa de dizer que a natureza da aproximação entre Assunção e Washington pode provocar conflitos diplomáticos.
A segunda implicação que o assunto suscita na política regional é o fato de que a medida paraguaia em aprovar estacionamento daquelas tropas contraria o espírito do Tratado de Assunção, como o próprio ministro Amorim fez questão de frisar. Isso porque o vizinho não poderia tomar ação dessa magnitude sem consultar seus colegas de Mercosul. Assunto delicado desse quilate tem o poder de se estender também a todo o Cone Sul.
O trânsito de militares norte-americanos no Paraguai não se limita a uma questão apenas. Pode ser que a razão desses mariners seja em virtude de intercâmbio de aprendizado militar entre os dois países. Mas não podemos descartar a possibilidade de o contingente também passar a influenciar os meios pelos quais se faz necessária a integração energética sul-americana. Próximas à fronteira norte paraguaia localizam-se as importantes jazidas bolivianas de gás natural no altiplano que muito interessam à economia brasileira. Não apenas ao Brasil, mas também àquele que tem sido o maior consumidor de hidrocarbonetos de forma geral, os Estados Unidos, que consomem 25% de toda a produção.
No campo da hipótese veremos que haverá conflitos entre Assunção, Brasília, La Paz e Washington em razão dos fluxos de gás natural que atravessa todo o Cone Sul. Por menos que o trânsito de militares norte-americanos no Paraguai, manifestantes bolivianos derrubaram dois presidentes da República em dois anos. A denotação que os Estados Unidos provocam na América Latina é sempre a de uma potência pronta a manter seu projeto de poder.
A garantia de suprimento energético é um dos fatores que adentram a agenda norte-americana para conservar seu parâmetro de potência. E aqui emergirá grande dificuldade de entendimento diplomático entre tais países, pois Bolívia, Argentina e Brasil também procuram vislumbrar seu desenvolvimento contando com os estoques de energia sul-americanos.
Sérgio Xavier Ferolla e José Alexandre Altahyde
GM, 10/10/2005, Opinião, p. A3
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