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Geopolitica alavanca empresas na regiao

FSP, Dinheiro, p. B7
14 de Ago de 2005

Geopolítica alavanca empresas na região
Com financiamento oficial para estimular a integração, companhias tocam obras em 7 dos 12 países sul-americanos

Claudia Trevisan

As empresas brasileiras aproveitam a política de integração da América do Sul e, graças a financiamentos oficiais, constroem obras em 7 dos 12 países da região, de metrô no Chile e na Venezuela a gasodutos na Argentina.
O fortalecimento da precária infra-estrutura regional é uma das prioridades do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que considera a medida essencial para o crescimento do Brasil.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passou a contar em 2003 com um departamento especializado em América do Sul, que hoje tem uma carteira de projetos de US$ 2,6 bilhões (R$ 6,24 bilhões). Desse total, US$ 1,07 bilhão já foi contratado, e o restante está em processo de análise e deve ser aprovado quando os países beneficiados apresentarem garantias.
Já o Banco do Brasil tem contratos de US$ 919 milhões (R$ 2,2 bilhões) dentro do programa Proex, que utiliza recursos do Tesouro.
Nos dois casos, os bancos financiam as exportações de bens e serviços utilizados por empresas brasileiras em obras no exterior. As principais clientes dessas linhas são as construtoras, que vendem aos países vizinhos seus serviços de engenharia e levam do Brasil máquinas e equipamentos necessários para as obras. Os valores das carteiras são liberados ao longo de vários anos, à medida que as obras são realizadas.
"Se o país direciona sua política para um eixo de desenvolvimento, as empresas têm de estar em sintonia", afirma Carlos Namur, diretor de projetos internacionais da construtora Camargo Corrêa.
A empresa reforçou sua política de internacionalização e em poucos anos pretende ampliar de 6% para 20% a fatia das atividades no exterior em seu faturamento.
A Camargo Corrêa ganhou com as construtoras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão um trecho de 306 km da Rodovia Interoceânica, no Peru, que permitirá a ligação do Norte do Brasil ao Pacífico. Outro trecho, de 400 km, será construído pela Odebrecht. A obra tem custo total de US$ 814 milhões (R$ 1,96 bilhão), dos quais US$ 417 milhões (R$ 1 bilhão) são financiados pelo Proex.
A estrada é 1 dos 31 projetos que os presidentes da América do Sul elegeram como prioritários quando se reuniram em Cuzco, no Peru, no ano passado. As obras escolhidas foram avaliadas em US$ 4,3 bilhões (R$ 10,3 bilhões) e deverão estar concluídas até 2010.
Em uma região de países endividados e sujeitos a severas restrições fiscais, a obtenção de recursos é o maior problema para a concretização desse plano.
A superintendente interina de Comércio Exterior do BNDES, Luciene Machado, diz, por exemplo, que o banco tem com a Bolívia acordo de financiamentos de US$ 600 milhões (R$ 1,44 bilhão) em infra-estrutura, mas não há projetos em razão do alto grau de endividamento do país.
A capacidade de crédito do BNDES também é limitada e sofre ataques dos que gostariam de ver os recursos aplicados no Brasil. "Nós apoiamos a exportação de bens e serviços que são produzidos aqui", rebate Machado.
Compensação
Apesar de as construtoras abocanharem a maioria dos recursos, outras empresas se beneficiam dos financiamentos. Em alguns casos, elas compensam com negócios no exterior o esfriamento da atividade dentro do Brasil.
"Se fosse depender do mercado interno, teria de fechar minha fábrica. Nos últimos 40 meses praticamente não houve contratos", diz Christiane Achè, diretora da área de exportação da Auston. A empresa fornece equipamentos para hidrelétrica na Venezuela e é responsável pela ampliação do metrô de Santiago, no Chile.
Rogério Nora de Sá, presidente da Andrade Gutierrez, afirma que as obras no exterior são alternativa à queda dos investimentos em infra-estrutura no Brasil. Segundo ele, 47% do faturamento vem de atividades em outros países.
As obras de infra-estrutura são consideradas prioritárias por impulsionar a economia local ou permitir a ligação entre países vizinhos, com aumento do comércio. Apesar de ter enorme fronteira com a Bolívia, por exemplo, o Brasil não possui nenhuma estrada asfaltada que o ligue ao vizinho. A primeira está sendo construída pela Queiroz Galvão com financiamento de US$ 120 milhões (R$ 288 milhões) do Proex.
Rogério Fernando Loti, diretor interino de Comércio Exterior do Banco do Brasil, diz que os empréstimos pagam juros equivalentes à taxa Libor (cerca de 3%) e têm prazo de 60 dias a dez anos, dependendo do grau de sofisticação do produto exportado.

Amorim defende financiamentos e diz que integração é boa para o Brasil
O Brasil não é a Alemanha, mas pode desempenhar na América do Sul um papel semelhante ao que o país teve na integração européia. Essa, pelo menos, é a opinião do ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, que defende o financiamento brasileiro a projetos de infra-estrutura nos países vizinhos.
Amorim diz que o governo já aprovou investimentos de US$ 2 bilhões (R$ 4,8 bilhões) para a integração da região e prevê que os valores podem chegar a US$ 4,4 bilhões (R$ 10,56 bilhões).
"A integração é útil para o Brasil", disse Amorim em entrevista concedida à Folha, na quarta-feira, em Brasília. (CT)

Folha - É possível um país como o Brasil, que tem carências enormes, liderar o processo de integração da infra-estrutura da América do Sul?

Celso Amorim - Eu digo sempre, e acho que esse é o pensamento do presidente Lula, que a integração da América do Sul não é apenas boa para a América do Sul, ela é boa para o Brasil.
Se houver, por exemplo, uma integração melhor no que às vezes é chamado de Arco Norte, que envolve Venezuela, Guiana, Suriname e o Amapá, isso nos ajudará a aproximar o Norte do Nordeste brasileiros. Nós não estamos fazendo isso só por generosidade. A integração é útil para o Brasil.
As rodovias que estão sendo feitas com financiamento parcialmente brasileiro no Peru, por exemplo, são boas para o Acre, para as populações que estão ali em volta. Não há uma dicotomia.

Folha - Em qual estágio esse processo de integração está?

Amorim - O que nós estamos fazendo hoje na América do Sul é algo que na América do Norte ocorreu no século 19, que é uma integração do continente. Embora se diga que o Brasil é um país continental, nós não estamos no Pacífico. E a maioria dos países da região não chega ao Atlântico.
Sua pergunta é se já está ocorrendo? Sim, está ocorrendo. Nós temos projetos aprovados ou em execução no nosso e nos outros países de US$ 2 bilhões e há outros US$ 2,3 bilhões em negociação. O total é de US$ 4,4 bilhões.

Folha - Por que a integração da América do Sul não ocorreu antes?

Amorim - Já ouvi algumas pessoas perguntarem: "Por que nós damos tanta atenção à América do Sul?". E eu respondo: "Porque nós moramos aqui".
Sua pergunta é boa porque ela nos remete a uma questão histórica: por que nós não fizemos isso antes? Você tem que olhar para a história. A rigor essa pergunta deveria ser feita aos governantes que antecederam o atual presidente.
O comércio com a América do Sul era visto como secundário do ângulo brasileiro, diante do comércio com os Estados Unidos, a União Européia ou o Japão. A mesma coisa acontecia nos outros países. Ao iniciarmos esse processo de integração, nós fizemos acordo de livre comércio com todos os países da América do Sul.
Os dados do comércio têm revelado um dinamismo formidável. A América do Sul representou 14% do nosso comércio em 2003, um pouco mais de 16% em 2004 e 18% de janeiro a junho deste ano.
É uma participação crescente em um bolo também crescente. Só no ano passado, nosso comércio com a América do Sul cresceu 54%. Neste ano, cresceu quase 40%. E 91% das exportações são de produtos manufaturados.
Isso também explica por que tem havido atenção crescente à integração. É como a Lei de Say: a oferta cria sua própria demanda.

Folha - O fato de o Brasil ter a América do Sul como prioridade não se traduziu em apoio da maioria de seus vizinhos a duas das principais pretensões do país no cenário internacional: as disputas pela diretoria geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) e a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Amorim - Candidaturas são candidaturas. Quando nós estamos investindo na integração da América do Sul, nós não estamos comprando votos. Na União Européia, freqüentemente há um candidato francês e um candidato alemão para o mesmo posto.
No caso da OMC, havia uma questão de afirmação de uma certa posição, que era muito ligada ao G20 [grupo de países em desenvolvimento que negocia em bloco na OMC].
Ela pode não ter sido bem-sucedida, mas teve o mérito de aprofundar o debate na OMC. O G20, ao contrário de sair enfraquecido, saiu fortalecido. Do ponto de vista dos objetivos da política externa, o Brasil não saiu enfraquecido.
Antes, os ricos se encontravam, decidiam, e depois é que falavam com os outros. Hoje, a conversa envolve Brasil e Índia diretamente. Então, envolve os países em desenvolvimento diretamente.

Folha - Mas o fato de o Brasil ter lançado uma candidatura que não recebeu apoio de seus próprios parceiros naturais não colocou em xeque sua liderança no G20?
Amorim - Eu não estou falando em liderança. Você está falando, mas a resposta vem da prática. Nós fomos agora à China para uma reunião ministerial da OMC, e quem presidiu foi o Brasil. O prestígio do Brasil, para usar uma palavra melhor do que liderança, não foi afetado em nada.
O Brasil não tinha a aspiração de ter a direção geral da OMC para si. Nós queríamos que o G20 tivesse. Eu disse aos nossos amigos argentinos que, se houvesse uma candidatura argentina de peso, nós retiraríamos a nossa.
Nós ficamos numa situação em que decidimos fazer um posicionamento político. Nossa candidatura teve esse sentido. Houve outras na história. Ulysses Guimarães foi candidato à Presidência e perdeu, mas foi importante.

Folha - E o caso do BID?

Amorim - O caso do BID é um pouco mais complexo. O Brasil teve até muito apoio na América do Sul. Não teve integral e eu não sei, por exemplo, por que alguns países do Mercosul votaram na Colômbia, mas é possível que eles tenham trocado o voto por outra coisa. Eu não sei, não posso julgar.
Eu acho que a candidatura do ministro [João] Sayad não foi má. Seria muito difícil derrotar outra candidatura apoiada pelos Estados Unidos [no caso, a do colombiano Luis Alberto Moreno], depois de os Estados Unidos terem perdido na OEA [Organização dos Estados Americanos, para cuja presidência foi eleito o chileno José Miguel Insulza].
Os Estados Unidos perderam a eleição na OEA e perderam para um candidato apoiado pelo Brasil. Por que o Brasil apoiou tanto o Chile naquela ocasião? Porque achamos que era necessário um certo equilíbrio regional.
A OEA é um organismo por natureza desequilibrado, que envolve uma superpotência, outro país desenvolvido, que é o Canadá, e uma porção de países em desenvolvimento. Então, é preciso que a América do Sul esteja presente.
Agora, imaginar que os Estados Unidos iriam perder a OEA e depois não fazer de tudo para ganhar no BID...era difícil.

Folha - Na eleição do BID não ficou clara a dificuldade de o Brasil disputar com os Estados Unidos a influência na América do Sul?

Amorim - É uma análise que você está fazendo. Se você for analisar a questão da OEA, o candidato não era brasileiro, mas foi apoiado pelo Brasil ostensivamente.
Nós não estamos disputando espaço necessariamente com os Estados Unidos. Pode ser que haja algum estrategista no Departamento de Estado pensando dessa maneira, não me surpreenderia, mas acho que nós temos que ver a coisa de outra forma. Aqui na América do Sul nós tratamos da integração. A integração não é um processo fácil, não é um processo linear, mas ela está ocorrendo.
Eu vejo artigos que dizem que o Brasil não está dando prioridade ao Mercosul. Não é verdade. O Brasil tem dado grande importância ao Mercosul. Em termos de comércio, as nossas exportações para a Argentina são recorde.
Agora, a mesma coisa está acontecendo inversamente nas importações? Não está. Então, quando as pessoas dizem, parecendo que descobriram a pólvora, que há uma situação difícil no Mercosul por esse lado, é uma coisa que o próprio presidente Lula disse.
O presidente Lula disse na última reunião do Mercosul que há um mal-estar no bloco. Nós temos que desenvolver políticas industriais comuns, trabalhar mais nas cadeias produtivas.
No longo prazo, para o Brasil, interessa que a América do Sul esteja bem, interessa que os países estejam estáveis. Então, nós temos que comprar mais da Argentina, do Uruguai, do Paraguai.

Folha - Mas como?

Amorim - Facilitando investimentos nossos lá, criando oportunidades dentro da cadeia produtiva. Como é que se deu na União Européia? Você vai à Espanha ou vai a Portugal hoje em dia, não é a Espanha e Portugal de 1950, 1960.

Folha - Mas lá havia a Alemanha, que podia financiar projetos que reduzissem as disparidades regionais.

Amorim - O Brasil pode perfeitamente financiar projetos que sejam bons para o Brasil, do qual participem empresas brasileiras, que sejam úteis para a integração física, que tenham repercussão na nossa economia e também sejam bons para esses países.

As principais obras financiadas pelo Brasil na América do Sul
Recursos são do BNDES e do Proex

Argentina
USS 756 milhões (R$ 1,814 bilhão), do BNDES
Gasoduto San Martín
Valor: US$ 200 milhões (R$ 480 milhões)
Empresas brasileiras: Petrobras, Odebrecht e Confab
Gasoduto Norte
Valor: US$ 37 milhões (R$ 89 milhões)
Empresa brasileira: Confab, fornecedora de tubos para a obra
Gasoduto San Martín 2
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor
Ferrovia Transandino Central
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor
Gasoduto do Noroeste
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor

Bolívia
US$ 120 milhões (R$ 288 milhões), do Proex
Estrada Vermejo-Tarija .
Valor financiado: US$ 120 milhões (R$ 288 milhões)
Empresa brasileira: Queiroz Galvão

Chile
US$ 180 milhões (R$ 432 milhões), do BNDES
Ampliação do Metrô de Santiago
Extensão de três linhas no valor total de US$ 180 milhões (R$ 432 milhões)
Empresa brasileira: Auston

Equador
US$ 438 milhões (R$ 1,05 bilhão), do BNDES
Usina Hidrelétrica San Francisco
Valor financiado: US$ 243 milhões (R$ 583 milhões)
Empresa brasileira: Odebrecht
Aeroporto de Tena
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor
Usina Hidrelétrica Toachi-Pilatón
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor

Paraguai
US$ 132 milhões (R$ 317 milhões), do BNDES
Ruta 10
Valor financiado: US$ 77 milhões (R$ 185 milhões)
Empresa brasileira: Construtora ARG
2ª.ponte sobre Rio Paraná
Valor financiado: US$ 55 milhões (R$ 132 milhões)
Contrato ainda em análise, sem definição de empresa e valor

Peru
US$ 417 milhões (R$ 1 bilhão), do Proex
USS 220 milhões (R$ 528 milhões), do BNDES
Rodovia Interoceânica
Valor total: US$ 814 milhões (R$ 1,92 bilhão)
Financiamento do Proex: US$ 417 milhões (R$ 1 bilhão)
Empresas brasileiras: Norberto Odebrecht ganhou junto com três empresas peruanas dois trechos no total de 700 km e valor de US$ 600 milhões (R$ 1,44 bilhão) Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão ganharam ao lado de três empresas peruanas trecho de 306 km, no valor de US$ 214 milhões (R$ 514 milhões)
Estrada Paita-Yurimaguas
Valor: US$ 220 milhões (R$ 528 milhões), do BNDES
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas

Venezuela
US$ 776,4 milhões (R$ 1,863 bilhão), do BNDFS
US$ 382 milhões (R$ 917 milhões), do Proex
Usina Hidrelétrica La Vueltosa
Valor financiado: US$ 121 milhões (R$ 290 milhões), do BNDES
Empresa brasileira: Auston
Linha 4 do Metrô de Caracas
Valor financiado: US$ 107 milhões (R$ 257 milhões), do BNDES
Empresa brasileira: Odebrecht
Linha 3 do Metrô de Caracas
Valor financiado: US$ 78 milhões (R$ 187 milhões), do BNDES
Empresa brasileira: Odebrecht
Modernização de produção de milho e criação de gado
Valor financiado: US$ 20 milhões (R$ 48 milhões), do BNDES
Empresa brasileira: Cotia Trading
2ª. Ponte sobre o Rio Orinoco
Valor financiado: US$ 382 milhões (R$ 917 milhões), do Proex
12 empresas brasileiras estão envolvidas na obra
Usina Hidrelétrica de Tocoma
Contrato ainda em análise, sem definição de empresas e valor
Fonte: BNDES e Banco do Brasil

FSP, 14/08/2005, Dinheiro p. B7

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