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Geneticista diz que imunidade de indígenas à Covid-19 é menor

O Globo - https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus
09 de Mar de 2021

Geneticista diz que imunidade de indígenas à Covid-19 é menor
Mara Helena Hutz defende que essa população seja priorizada e receba maior assistência no combate ao coronavírus

Ana Lucia Azevedo
09/03/2021

RIO - A pandemia da Covid-19 traz dupla ameaça às populações indígenas do Brasil, alerta uma das mais respeitadas geneticistas do país, Mara Helena Hutz. A primeira é a grande vulnerabilidade social, com a falta de acesso à saúde. A segunda, afirma a especialista, é a possibilidade de estes povos terem uma resposta imunológica menos eficiente para combater infecções virais, como a Covid-19, e bacterianas.

Estudos do grupo de Hutz já indicaram que os indígenas brasileiros têm uma frequência de determinadas variações de genes do sistema imunológico que faz com que sua resposta imune seja menos eficiente para infecções bacterianas e virais e mais potente contra parasitoses. Baseada nesses estudos, Hutz, que é professora titular do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o papel da variabilidade genética na resposta à infecção pelo coronavírus deve ser investigado no Brasil.

Hutz apresenta hoje, às 16h, palestra sobre o assunto no evento online "Genética, vacina e Covid-19", promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). No encontro, que vai ao ar no site da instituição, Hutz e as cientistas Mayana Zatz, Leda Castilho e Selma Bezerra Jerônimo vão apresentar e discutir dados de estudos sobre por que a Covid-19 provoca sintomas tão diferentes, por que algumas famílias se contaminam mais e por que algumas pessoas adoecem com maior gravidade.

Hutz investiga, há mais de três décadas, a diversidade do genoma humano e o seu impacto na suscetibilidade a doenças, como males cardíacos e obesidade. O objetivo é identificar estratégias de prevenção e tratamento. Justamente por isso, ela defende que a população indígena seja priorizada e receba maior assistência.

- Talvez, por medo de preconceito, esse assunto não tenha recebido a devida atenção. Toda população humana apresenta variações em seus genes. Os indígenas têm sido historicamente negligenciados e, se há risco de terem uma maior suscetibilidade, isso precisa ser levado em conta. Há muito o que melhorar na assistência aos indígenas e esse é mais um motivo - frisa ela.

A cientista alerta que a abordagem terapêutica para não indígenas pode não ser eficiente para eles. O grupo dela estuda há anos genes do sistema imunológico. Na palestra de hoje, ela falará sobre as pesquisas sobre variações de 13 genes associados à chamada resposta imune inata, a primeira linha de defesa do organismo; e de outros 18 genes ligados à resposta imune adaptativa, aquela produzida pelo organismo em resposta a uma infecção.

Foram estudadas variantes de genes de cinco grupos indígenas: xavantes, dois grupos guaranis, Kaingang e aché, estes últimos do Paraguai. Os pesquisadores observaram que as variantes genéticas encontradas nos indígenas eram distintas daquelas observadas em populações majoritariamente brancas, negras e asiáticas.

País miscigenado
Nos indígenas, segundo as pesquisas, as variantes (snips) são associadas a uma resposta imune menos potente contra infecções bacterianas e virais e mais intensa contra parasitoses.

- Isso não é vulnerabilidade, é diversidade genética. Toda pessoa pode ser mais apta a enfrentar determinadas ameaças e menos a outras - explica Hutz.

A hipótese dos cientistas é que esse padrão do sistema imunológico tenha origem em mais de um fator. Tem a ver com a adaptação com o ambiente, com o fato de os indígenas das Américas serem as populações mais "jovens" em contraposição aos negros africanos, as populações mais antigas do mundo.

Além disso, os grupos indígenas podem ter perdido muito de sua diversidade genética original devido ao genocídio sofrido com a chegada dos colonizadores europeus.

Por ser altamente miscigenada, a população brasileira tem grande variabilidade genética e nem sempre o que se vê na aparência se reflete nos genes.

- Existe uma forte herança genética do indígena na população brasileira e é possível que essas mesmas variantes estejam espalhadas em não índios. Mas tudo isso precisa ser mais investigado - frisa a cientista.

Hutz lamenta que a contaminação política da pandemia no Brasil e a polarização da sociedade sejam obstáculos ao conhecimento.

- Você não pode nem falar em diferença. Diferença não é problema ou prova de inferioridade. Todos os povos e pessoas têm vantagens e desvantagens, é preciso conhecê-las para viver melhor. As amostras que analisamos, por exemplo, são antigas. Hoje seria impossível coletar novas - destaca a geneticista.

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