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Gasoduto-problema

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: Cristina Ávila
15 de Set de 2002

Petrobras pretende cortar 500 quilômetros de mata próxima a áreas indígenas para transportar diariamente 2,3 milhões de metros cúbicos de gás natural. Ministério Público Federal é contrário à obra e diz que o Estudo de Impacto Ambiental da empresa foi mal feito

A Petrobras tem nas próximas semanas uma grande batalha contra ambientalistas. A empresa pretende construir um gasoduto em uma das áreas mais preservadas da Amazônia. Quer transportar todos os dias 2,3 milhões de metros cúbicos de gás natural em 500 quilômetros entre Porto Velho (RO) e Coari (AM). E já recebeu licença prévia do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - concedida apesar da recomendação em contrário do Ministério Público Federal. O projeto faz parte do Plano Plurianual do governo federal conhecido como Avança Brasil, e prevê obras próximas a dez áreas onde vivem quatro mil índios.

''O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Petrobras está mal feito. E chega a ser ridículo, quando diz que vai distribuir camisinhas para índios se houver contato com trabalhadores. Eu não entendo por que o Ibama deu essa licença'', afirma o procurador-chefe do Ministério Público Federal no Amazonas, Sérgio Lauria. Ele vai entrar com uma ação para anulação da licença, se a empresa não refizer os estudos sobre os impactos provocados pelo projeto.

O gasoduto parte da Província Petrolífera de Urucu, em Coari, a 650km de Manaus, onde a Petrobras tem uma refinaria de petróleo e produz gás para o município. Serão investidos US$ 175 milhões no gasoduto Urucu-Porto Velho, com previsão de operar a partir de julho de 2004, para abastecer usinas termelétricas de Porto Velho.

Áreas indígenas

O trajeto está no entorno das terras indígenas Deni, Paumari do Lago Manissuã, Paumari do Lago Paricá, Paumari do Cuniuá, Juma, Jacareúba/Katauixi, Hi Merimã, Banawá-Yafi, Jamamadi/Jarawara/Kanamati e Caititu. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental, na Jacareúba/Katauixi há índios isolados. A distância de cada território ao gasoduto varia, algumas áreas estão a menos de dez quilômetros do traçado da obra.
Em agosto, organizações não-governamentais lançaram uma campanha contra o gasoduto em Johannesburgo, África do Sul, durante a Rio + 10 - encontro mundial para discussão do desenvolvimento ambientalmente correto. Os ambientalistas querem a revisão do licenciamento porque deverá atrair uma onda de madeireiros e fazendeiros ao longo da área desmatada para a construção.

''É um grande negócio para os grileiros'', afirma o diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, se referindo ao comércio de documentos falsos de terras. Ele comenta que a prática é comum na Amazônia. E esse tipo de empreendimento sempre atrai grileiros que alegam ser donos da terra. A grilagem motiva a especulação imobiliária e o desmatamento desenfreado. Na região, as florestas são intocadas e habitadas por espécies animais e vegetais desconhecidas.

O Ministério Público recomendou à Petrobras que faça estudos para levantamento de outras alternativas para transporte de gás natural, como o uso de balsas, por exemplo, e fazer levantamentos sobre fauna, flora e populações da região, inclusive de índios que nunca tiveram contato com a sociedade branca e que possam perambular na área de projeto. E recomendou ao Ibama que não concedesse licença para a obra antes que o EIA fosse corrigido. A empresa tem até outubro para fazer as correções.

As recomendações foram encaminhadas ao Ibama e Petrobras no dia 13 de agosto e têm também a assinatura do procurador-chefe do Ministério Público Federal em Rondônia, Carlos Roberto Diogo. As exigências têm base em estudos feitos por especialistas da 4ªCâmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal, de Brasília. Procurada, a diretoria da Petrobras preferiu não se pronunciar.

Risco de mudanças no clima

Se as florestas ao longo do gasoduto forem devastadas, haverá prejuízos no regime de chuvas em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. Com danos para a agricultura e principalmente para o abastecimento dos reservatórios de hidrelétricas.

''Nesses estados, 70% das chuvas que caem nos meses de dezembro e janeiro são águas da Região Amazônica onde está projetado o gasoduto'', afirma o ecólogo Philip Fearnside, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), especialista em clima.

Fearnside prevê que o gasoduto provoque uma onda de migração para a região, causando grandes desmatamentos. ''Aconteceu isso em Rondônia. A construção da BR-429, entre Pimenta Bueno e Costa Marques, no Vale do Guaporé, foi uma violação do contrato com o Banco Mundial, que na época financiou o asfaltamento da BR-364 (entre Cuiabá e Porto Velho). A BR-429 foi construída na área de influência da BR-364. As pessoas entraram, desmataram e depois o governo legalizou a invasão. Hoje existem cidades nessa área que não deveria ser ocupada'', conta ele.

Mesmo diante dos argumentos, o Ibama concedeu a licença. ''A Petrobras vai atender o que for preciso. E não vai haver nenhuma estrada, não vai haver nenhum risco. Não se pode atravancar o desenvolvimento do país. E o gasoduto não passa em nenhuma área indígena'', afirma o responsável pela análise do projeto, Paulo Arruda. Segundo ele, ainda serão feitas outras reuniões para discutir possíveis impactos. ''Foi concedida apenas uma licença prévia, a Petrobras vai atender as condicionantes do Ministério Público'', afirma. A licença prévia, porém, é a aprovação do projeto, a garantia de que ele é ''viável ambientalmente''.

As exigências

Alguns Itens que faltam no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e que o Ministério Público exige que sejam atendidos:
- Incluir no relatório informações da Funai sobre a situação dos índios que vivem na região, inclusive os isolados, assinalando a situação fundiária das terras indígenas
- Obedecer a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente em relação aos diagnósticos de fauna e flora, para avaliação de possíveis impactos
- Avaliar o potencial de impacto sobre populações de animais em risco de extinção
- Avaliar a possibilidade de comércio ilegal de fauna e flora em função do empreendimento
- Fazer diagnóstico socioeconômico da região atingida pelo projeto

O que é licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental assegura o desenvolvimento do país com preservação da qualidade de vida. Qualquer construção em áreas naturais, como rios e florestas, dependem de licença. Ao apresentar o pedido, o empreendedor precisa do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que vem acompanhado de um Relatório de Impacto Ambiental (Rima). O relatório é o resumo do estudo. Nesses documentos estão descritos os danos que poderão ser causados pela construção e expostas soluções para diminuir impactos desses danos. A lei determina quais os limites aceitáveis dos prejuízos à natureza.

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