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Garimpo, narcotráfico e facções: líder Yanomami, Dário Kopenawa teme conflito direto nas aldeias

Revista Cenarium - https://revistacenarium.com.br/
03 de Nov de 2022

Garimpo, narcotráfico e facções: líder Yanomami, Dário Kopenawa teme conflito direto nas aldeias

03 de novembro de 2022
Iury Lima - Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) - Temor pela própria vida e uma constante sensação de perigo atormentam moradores de mais de 300 aldeias do Povo Yanomami, etnia que habita a maior Terra Indígena (TI) do País, na fronteira entre Brasil e Venezuela. Um resultado do violento cenário que alimenta o risco iminente de conflito direto entre as populações nativas e os invasores da floresta amazônica, como revela o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami e Ye'kwana (Hay), Dário Kopenawa, em entrevista à REVISTA CENARIUM.

"Os Yanomami estão correndo muito risco. As mulheres, as crianças, os jovens e os idosos. Todos com medo", diz o líder indígena. "Eu, particularmente, fico com muito medo. Hoje, não é só garimpo. É armamento pesado. Pistola, fuzil. Esses armamentos são de guerra, não são armas comuns. É arma de guerra o que estão usando, agora, na Terra Yanomami. Eu não quero morrer por arma de fogo", desabafou Dário Kopenawa.

Os crimes ocorridos dentro da reserva têm ido além da disputa pelos recursos naturais, pois de acordo com o sistema prisional de Roraima, narcotraficantes ligados à maior facção criminosa do Brasil são contratados como seguranças e vigias dos campos de garimpo ilegal.
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Amedrontado com a ocorrência de conflitos e assassinatos dentro da TI Yanomami, Dário Kopenawa apela por proteção e respeito (Foto: Reprodução)
Terra sem lei

A degradação causada pelo garimpo ilegal quase dobrou na reserva, em um ano. Passou de 2,2 mil hectares, em 2020, para 3,2 mil hectares, em 2021.

Localizada entre o Amazonas e Roraima, a reserva tem mais de 9 milhões de hectares e abriga quase 30 mil indígenas. Já os garimpeiros infiltrados são 20 mil, segundo estimativa da Hutukara, entidade que representa as comunidades da região.

O número de invasores é mais que o dobro da população de São Luiz, a menor cidade de Roraima, que tem pouco mais de 8 mil habitantes. É como se populações inteiras de pequenas cidades brasileiras partissem rumo à busca pelo ouro.

"O garimpo está aumentando cada vez mais, cada vez mais, porque não tem operação, porque o governo federal não providenciou a proteção para os Yanomami", lamentou o vice-presidente da Hay.
Foto divulgada em julho deste ano revela área de garimpo ilegal dentro da reserva indígena (Hutukara/Reprodução)
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Derramamento de sangue

Só no último ano, a comunidade Palimiu, na região do município de Alto Alegre, ao norte de Roraima, foi alvo de 15 ataques armados orquestrados por garimpeiros. Um dos episódios, ocorridos em maio de 2021, ganhou grande repercussão por ter sido registrado em vídeo. Garimpeiros surgiram a bordo de uma embarcação no Rio Uraricoera e atiram contra os moradores que estavam em uma das margens. Houve morte de crianças e adultos.
Garimpeiros atiram contra indígenas da aldeia Palimiu, em Roraima (Vídeo: Redes sociais)

Já mais recentemente, no início do último mês de outubro, um adolescente de 15 anos foi baleado no rosto, quando o líder indígena Cleomar Xirixana, de 46 anos, foi assassinado na aldeia Napolepi, também na região de Alto Alegre.

O crime foi denunciado por Dário Kopenawa aos órgãos oficiais, como a Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (Funai).
Bala atravessou rosto de adolescente e saiu pela nuca, em ataque armado de garimpeiros na comunidade Napolepi, uma das 636 aldeias do Povo Yanomami (Fotos: Reprodução)
Crime organizado

O assassinato do líder Cleomar Xirixana, bem como outros ataques e conflitos, é atribuída a garimpeiros e integrantes de organizações criminosas que lucram com a destruição da floresta, o lar dos Yanomami.

Não é à toa que o clima ainda é de terror nas aldeias. A relação do Primeiro Comando Vermelho da Capital (PCC) é citada, por exemplo, no relatório "Yanomami sob ataque", que aponta indícios da aproximação do crime organizado com o garimpo ilegal. A publicação é do Instituto Socioambiental (ISA).

"A aproximação entre o tráfico de drogas e o garimpo na Amazônia, contudo, não se restringe a Roraima. Em diversas outras regiões, como o Pará e o Mato Grosso, aquilo que alguns têm chamado de 'narcogarimpo' tem sido o comportamento padrão", diz um trecho do documento.

"As facções mataram o Cleomar. Os Yanomami me contaram", disse Dário Kopenawa. "Esses invasores, esse crime organizado, que estavam na cadeia, por exemplo, aqui, em Roraima, entram na Terra Yanomami, porque não tem fiscalização", criticou.
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Respeito

Cansado de tanto massacre, Dário Kopenawa apela apenas por duas coisas: proteção e respeito. "Nós temos uma arma que se chama Constituição Federal. Então, basta cumprir a Constituição e que as autoridades sigam a Constituição", pontuou o líder indígena.

"Homem branco, respeite a diversidade, a cultura, as nossas crenças, a cultura do povo brasileiro, a cultura do popular. Tem que respeitar o nosso povo. Tem que coibir a entrada do desmatamento, das mineradoras nas Terras Indígenas, coibir os fazendeiros que estão derrubando em territórios homologados, registrados e em processo de demarcação. Tem que acabar com isso. É preciso fazer um desintrusão do garimpo ilegal imediatamente", concluiu Kopenawa.
Funai

Questionada pela REVISTA CENARIUM, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que coordena ações permanentes de proteção na Terra Indígena Yanomami e que os trabalhos são conduzidos por frentes de Proteção Etnoambiental.

O órgão do governo federal informou ainda que apoia operações de fiscalização em parceria com órgãos ambientais e de segurança pública, "como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Forças Armadas".

As corporações da Polícia Federal (PF), em Brasília e em Roraima, não responderam. O Exército Brasileiro também não retornou aos contatos.

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