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Garimpando dívidas

Época, p.59
14 de Mar de 2005

Garimpando dívidas
Contrabandistas de diamantes vão ficar com o dinheiro que a Caixa repassou aos índios cintas-largas

Ainda não é agora que os índios cintas-largas, de Rondônia, vão sair da lama. Há duas semanas a Caixa Econômica Federal depositou R$ 437 mil em contas correntes abertas em nome de nove membros da tribo. A quantia vem do leilão de diamantes extraídos pelos índios de suas terras no ano passado. Seria uma tentativa de ajudá-los depois que o assassinato de 29 garimpeiros por um grupo de índios, em abril de 2004, mostrou a extração ilegal na região. A maior parte do dinheiro, no entanto, deverá passar rapidamente para as mãos de comerciantes da região ligados ao contrabando internacional de pedras preciosas. É a eles que os cintas-largas estão há anos amarrados por débitos milionários. O mais cruel é que essas dívidas seriam superfaturadas ou ilegais, segundo a Funai e a Policia Federal.
"Esse dinheiro vai acabar beneficiando
criminosos", diz o delegado da PF em Rondônia, Mauro Spósito. Para ele, os comerciantes credores dos índios estão diretamente ligados aos garimpeiros que intermedeiam o contrabando das pedras para o exterior. Funcionários da Funai estimam que, em pouco mais de um mês, o dinheiro repassado pela Caixa aos índios terá escoado por mãos brancas sem deixar rastros de melhoria nas aldeias. "A maior parte vai ser usada para pagar dívidas com oficina mecânica, posto de gasolina e supermercado", diz Pio Cinta-Larga um dos líderes do grupo. "A gente achava que o garimpeiro trabalhava cada um por si, mas eles trabalham para gente de fora, da Bélgica", diz.
Depois de os cintas-largas venderem as madeiras valiosas da floresta na década de 80, sua fonte de renda passou a ser o comércio de pedras com os intermediadores do contrabando. Com o que faturaram garimpando, os líderes cintas-largas compraram caminhonetes, imóveis, adquiriram antena de TV por satélite e até puseram suas crianças em escolas particulares nas cidades. Sempre se endividando. Os atravessadores de pedras, dizem os indigenistas, incorporaram o estilo madeireiro de manter os índios endividados.
"Os índios não vão a uma concessionária comprar um carro diretamente. Eles compram de atravessadores e assinam notas promissórias", diz Izanoel dos Santos Sodré, de 54 anos, responsável pela supervisão das ações da Funai na Amazônia Ocidental. Os juros cobrados dos índios são de agiota. Um dos índios comprou um Toyota (avaliado em R$ 90 mil) e, três meses depois, já devia R$ 240 mil, conta Sodré.
O dinheiro circula
A Caixa Econômica repassou R$ 431 mil aos índios cintas-largas, pela venda de diamantes
Mas o dinheiro será usado para pagar dívidas contraídas com comerciantes ligados ao contrabando, que vendem víveres e equipamentos dentro da reserva
São 1.332 índios, que assinam promissórias sem entender os cálculos e pagam juros de até 100% ao mês
Época, 14/03/2005, p. 59

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