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Ganha-pão, sururu desaparece e deixa pescadores sem sustento em Maceió

FSP, Cotidiano, p. B6
12 de Ago de 2017

Ganha-pão, sururu desaparece e deixa pescadores sem sustento em Maceió

KATIA VASCO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MACEIÓ

Às margens da lagoa Mundaú, em Maceió, uma quadra antes cheia de pessoas vendendo sururu agora está abandonada. Sentada no local, Verônica Alves dos Santos, 47, ainda tenta manter a esperança, mas está apreensiva com o desaparecimento do produto, uma referência da culinária alagoana e bem cultural do Estado.
A diminuição do nível da salinidade da lagoa fez o animal desaparecer, o que deixou 3.000 famílias (cerca de 11 mil pessoas) sem renda.
Mãe de cinco filhos, Verônica diz que aprendeu o ofício com a avó e a mãe e depois ensinou aos filhos. Agora não sabe o que vai fazer se ele não reaparecer. "Sem estudo, quem vive do sururu não sabe fazer outra coisa."
Os pescadores de sururu não recebem o seguro-defeso -espécie de seguro-desemprego pago pelo INSS a pescadores artesanais- porque o molusco não está entre as espécies ameaçadas e, portanto, cobertas pelo benefício.
Antes, a pesca e a venda do sururu chegavam a render R$ 200 por dia às famílias. Para fazer isso, os pescadores mergulhavam até o fundo da lagoa e capturavam o animal com a mão. Em terra ele é lavado, retirado das ostras, limpo e fervido, antes de ser levado ao consumidor.
Presente em praticamente todos os Estados do Nordeste e no Espírito Santo, o sururu é um molusco bivalve (inserido entre duas conchas) que precisa de um teor de salinidade entre 12 ppm (partes por mil) e 30 ppm para sobreviver. Na lagoa Mundaú esse teor chegou a zero devido ao grande volume de água doce.
O excesso de chuvas nos últimos dois meses é apontado como a principal causa do desaparecimento do sururu nas lagoas Mundaú e Manguaba, também na região metropolitana. Somente nos meses de maio e junho choveu em média 83% do esperado para todo o ano, segundo a Defesa Civil de Maceió. A lagoa da cidade de Roteiro (a 60 km da capital) também foi afetada.
Até agora o problema está restrito a Alagoas, não há casos no restante do Nordeste.
Com o sumiço do animal, apenas os pescadores que possuem rede ainda conseguem capturar alguns tipos de peixes, como bagre e tainha -que rendem entre R$ 10 e R$ 50 por dia.
O pescador João Alves de Amorim, 58, diz que, mesmo com as redes, não está conseguindo nada. Por isso o barco passa mais tempo ancorado do que navegando.
A maior parte das famílias está sobrevivendo da reciclagem do lixo e de doações. Alguns buscaram as colônias de pescadores atrás de bicos, como pedreiro e pintor.
O casal Jaciara Luciano dos Santos, 48, e Washington Diniz Machado, 60, sobrevive dessas doações para completar a renda da pesca bagre.
O governo estadual não tem um plano imediato para evitar a extinção do molusco, diz o coordenador de Gerenciamento Costeiro do IMA (Instituto do Meio Ambiente), Ricardo César. Segundo ele, estão sendo feitos estudos para criar um plano de ação.
Ele defende que a solução é uma dragagem para a entrada da água do mar no leito do rio, aumentado da salinidade. A última vez que uma draga abriu o caminho do mar para a lagoa foi na década de 1990.
DESAPARECIMENTO
O biólogo e consultor ambiental Álvaro Borba Júnior, afirma que a possibilidade de desaparecimento em definitivo do sururu é real.
Segundo ele, não basta apenas a dragagem, é preciso aumentar a profundidade das lagoas e fazer uma recuperação da mata ciliar dos rios. "Houve uma degradação sistemática das lagunas, principalmente da Mundaú, que banha a capital e que sofre com o crescimento da cidade."
Além das chuvas e do assoreamento, a poluição, causada sobretudo por ligações clandestinas de esgoto e o acúmulo de lixo, influenciam na baixa produção e na qualidade do molusco na laguna.
O IMA diz acreditar que o problema de salinidade só deva ser contornado entre setembro e outubro. Os pescadores dizem que isso só deve ocorrer no final do ano.
A Federação dos Pescadores de Alagoas afirma que pediu aos governos estadual e municipal a distribuição de cestas básicas emergenciais, sem receber respostas.
A Secretaria Municipal de Assistência Social afirmou que não recebeu o pedido.
O governo estadual disse que está buscando uma forma de ajudar os pescadores, mas que ainda não tem previsão se isso será feito.

FSP, 12/08/2017, Cotidiano, p. B6

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/08/1909339-ganha-pao-sururu…

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