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Futuro incerto

O Globo, Amanhã, p. 12-13
07 de Ago de 2012

Futuro incerto

Enquanto projetos como o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) ainda engatinham, adiando para um futuro incerto o começo de um novo ciclo de desenvolvimento econômico da região, o estado do Amazonas continua dependente da Zona Franca de Manaus.
Sozinha, essa área de livre comércio e com incentivos fiscais especiais responde por 93% dos impostos arrecadados no estado. São tributos pagos basicamente por industrias de montagem, que pouco ou quase nada contribuem para o aprimoramento do conhecimento científico da região. É uma combinação que guarda uma contradição intrínseca: ao mesmo tempo em que inibe o surgimento de outras opções econômicas, a Zona Franca ajudou parcialmente a conter a migração descontrolada para Manaus, capital de um dos estados com a maior taxa de população urbana do país.
De carro ou de barco, não é preciso se afastar muito do centro de Manaus para adentrar a mata. A preservação das áreas verdes em torno da capital é constatada pelo próprio Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que, há 40 anos, monitora o bioma amazônico. Nessas quatro décadas, o órgão não encontrou alterações significativas nos sistemas naturais em torno da capital. Uma dessas áreas preservadas é a Reserva Adolpho Ducke, com 10 mil metros quadrados e gerida pelo INPA. A reserva fica próxima ao Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Ainda assim, ecologistas e ambientalistas não escondem suas preocupações.
- Não vejo salvação. Manaus é uma bomba, uma cidade prestes a explodir. Cada vez que o governo prorroga os benefícios fiscais da Zona Franca, Manaus incha ainda mais. É uma cidade artificial. Se a ideia era preservar a floresta, teria sido melhor não ter colonizado a região - critica a bióloga paulista Flávia Costa, do Departamento de Ecologia do INPA, que mora na cidade há seis anos.
No período das chuvas, comunidades inteiras da Região Norte costumam ficar isoladas. É o que ocorreu em abril último. A cheia dos Rios Negro e Solimões deixou 3,5 mil famílias desabrigadas.
- Esse lugar parece amaldiçoado. Luz, só mesmo dos vaga-lumes que voam por aqui - pragueja o ribeirinho Paulo Augusto de Souza Monteiro, de 73 anos.
A palafita onde Paulo Augusto mora, na comunidade de São Lázaro II, na Ilha de Manchataria, no município de Iranduba (a 27 quilômetros de Manaus), foi praticamente engolida pelas chuvas. Mesmo assim, ele não arredou o pé, com medo de eventuais saqueadores. Ele dormia num espaço exíguo, de menos de um metro de altura, que a água não invadiu. Todo o resto da casa ficou submerso. Seu maior temor era à noite, quando as ondas provocadas pelos barcos que passavam eram tão grandes, que seu medo era ser engolido por uma delas.
- Há cinco anos não há um ano normal no estado do Amazonas. Ou há seca severa ou chuvas torrenciais. Não se sabe no que isso vai dar - alerta a bióloga Flávia Costa.
A expansão urbana de Manaus nunca chegou a ser uma preocupação das autoridades locais. É que seu crescimento vinha sendo contido pela Reserva Adolpho Ducke e por um campo de instrução do Exército. Só que, em outubro passado, foi inaugurada uma ponte sobre o Rio Negro. Cidades até então isoladas de Manaus - o acesso era exclusivo por barcos - passaram a ficar conectadas. É o caso de Iranduba, primeiro município depois da ponte, também conhecida como a Mesopotâmia amazonense, devido à fertilidade de suas terras.
A nova frente de expansão aberta com a ponte está mostrando que o país não aprendeu a lição com as experiências do passado. O prefeito de Iranduba, Raimundo Nonato Lopes (PMDB), delegado e ex-secretário de Segurança do Amazonas, disse que, desde a inauguração da ponte, já enfrentou 30 tentativas de invasão de terra no município.
Uma delas, lembra, chegou a mobilizar 3 mil pessoas e provocou a devastação de uma área de 38 hectares, no bairro Ouro Verde, em Manaus.
- Tem até vereador metido no meio. Se baixarmos a guarda, ninguém segura mais as invasões - admite o prefeito.
A ponte provocou também a explosão nos preços dos imóveis.
Se há quatro anos um terreno na entrada da cidade era negociado a R$ 90 mil, depois da inuaguração ponte uma propriedade com as mesmas características está sendo oferecida por R$ 1 milhão. O preço salgado não afugentou, por exemplo, o único interessado: um empresário do setor varejista.
Os perigos da falta de alternativas econômica para a região redobram os desafios da biotecnologia - talvez a única saída possível para desafogar a capital amazonense.

O Globo, 07/08/2012, Amanhã, p. 12-13

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