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Futuro da Raposa divide Roraima

OESP, Nacional, p. A11
03 de Mai de 2009

Futuro da Raposa divide Roraima
Saída de não-índios de reserva provoca apreensão, mas há entidades que apostam no desenvolvimento da área

Roldão Arruda
Enviado especial Boa Vista

Após uma polêmica de 30 anos, o território da Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, será entregue aos índios nos próximos dias. Os grandes rizicultores obtiveram ontem à tarde um prazo extra para concluir a colheita de arroz nesta semana, mas, logo em seguida, vão deixar a área. Os pequenos e médios produtores rurais, que não conseguiram retirar o gado no prazo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), esgotado na quinta-feira, estão recebendo ajuda da Fundação Nacional do índio (Funai). Pelas estimativas da Polícia Federal, a área estará livre de não-índios dentro de quinze dias.
E agora? 0 que vai ser da terra com 1,7 milhão de hectares, na qual vivem cerca de 19 mil índios, de cinco diferentes grupos étnicos? Há um grupo que vaticina a catástrofe. Nele, estão desde os rizicultores expulsos de lá, o governador do Estado, José de Anchieta (PSDB), a quase totalidade dos políticos do Estado e a gente comum das ruas de Boa Vista.
Para eles, sem a presença dos não-índios, que ofereciam emprego nas fazendas, cuidavam da manutenção de parte do sistema de tráfego (de estradas a balsas, para garantir a circulação das carretas de arroz), controlavam quase todo o comércio e faziam circular riquezas, a qualidade de vida dos índios vai piorar. 0 deputado Márcio Junqueira (DEM-RR), que até quarta-feira ainda tentava em Brasília prorrogar a saída dos rizicultores, não cessa de repetir, com sua voz poderosa de apresentador de programas de rádio e animador de TV, que, sem emprego, os índios logo vão se "amalocar" na capita.
É comum ouvir tanto na capital quanto no interior do Estado que os índios são preguiçosos, não têm capacidade de iniciativa para negócios e vivem pendurados em benefícios oferecido; pelo governo. "Eles não gostam do trabalho", diz Antonio Glemyson da Silva, rapaz que trabalha como ajudante de serviços gerais na capital. "Eles não plantam nada, nem a mandioca para fazer a farinha deles. Só sabem roubar", ecoa a senhora Alaíde Rebouças, que foi obrigada a deixar a Vila Surumu. - antigo e pequeno povoado, na Raposa - e hoje vive na sede do município de Pacaraima.
Do outro lado estão os dirigentes do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), que encabeçou a luta pela demarcação da terra em área contínua, com a expulsão dos não-índigenas, a Funai e outras organizações não-governamentais e religiosas. Todos acreditam que a Raposa passará por uma fase de desenvolvimento econômico e também de revitalização da cultura indígena, especialmente com a recuperação de suas línguas. Mas todos também acreditam que isso só será possível se o governo investir na área e não deixá-la ao abandono - como ocorre com outros territórios indígenas do País.
"O grande desafio agora é a gestão territorial, segundo os próprios índios", diz o presidente da Funai, Márcio Meira. "Já temos várias ações do governo federal sendo iniciadas naquela área, com o participação dos ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social, da Agricultura. A Funai já assinou convênio com a Embrapa para o estímulo à agricultura. A Raposa também faz parte do Territórios da Cidadania, nos quais as políticas públicas têm prioridade."
Os índios querem esse apoio. Mas não basta, segundo o presidente do CIR, Dionito José de Souza. "Não podemos viver de migalhas de programas sociais. Precisamos de desenvolvimento."
E como seria possível obter esse desenvolvimento, além dos programas oficiais de governo? Uma solução proposta pelo presidente do CIR é a regulamentação da mineração em terras indígenas - que está em discussão no Congresso. Quando isso ocorrer, os índios poderiam firmar acordos com empresas de mineração (a região é rica em ouro, nióbio, cassiterita e outros minérios), em troca de uma participação nos lucros ou royalties, como fazem os índios canadenses que permitem a extração de petróleo em suas terras.
Na sexta-feira à tarde, antes que o arrozeiro Paulo Cesar Quartiero saísse da Fazenda Providência, no município de Normandia, na divisa com a Guiana, o índio Avelino Pereira já estava lá, anunciando que ele e outros membros da comunidade Santa Rita, que ele lidera, iriam tomar posse da área.
Morando numa área próxima dali, Pereira mantinha boas relações com o rizicultor. "Sempre fomos parceiros", disse. Para Souza, do CIR, o discurso do índio destina-se sobretudo a marcar posição. "Sabemos que vamos morar juntos aqui dentro e que precisamos conversar." Por via das dúvidas, as autoridades que estão controlando a operação de retirada dos não-indígenas já determinaram que a ocupação terá de ser decidida de comum acordo entre as seis entidades que existem na Raposa. É o começo de uma nova etapa naquela região.

OESP, 03/05/2009, Nacional, p. A11

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