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Furnas e sócios gastam R$ 337 milhões em 16 eólicas que não saíram do papel

OESP, Economia, p. B1, B3
10 de Set de 2018

Furnas e sócios gastam R$ 337 milhões em 16 eólicas que não saíram do papel

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

O crescimento da energia eólica no País esconde o fracasso de uma série de empreendimentos de Furnas Centrais Elétricas SA. A subsidiária da Eletrobrás detinha 49% de três complexos com 16 centrais eólicas cujos investimentos previstos somavam R$ 1,25 bilhão. Tudo devia estar funcionando até 2017. Ao todo, desde 2012, a estatal e seus sócios - a J&F e o Banco BMG - aportaram R$ 337 milhões nas empresas, mas o dinheiro não acendeu uma lâmpada sequer.
No fim, os sócios foram obrigados a pagar R$ 81,8 milhões de multas para desfazer os contratos de venda da energia que prometiam fornecer e, assim, não arcar com multas que chegariam a R$ 240 milhões. E assim tiveram as outorgas das 16 centrais cassadas pela Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os dados são da própria estatal. Furnas informou que o fracasso dos empreendimentos está ligado à falência da empresa argentina Impsa, que devia fornecer 300 turbinas eólicas no País por meio da Wind Power Energia (WPE) e deixou uma dívida de R$ 3,2 bilhões, em 2014. A estatal informou que ela e seus sócios pagaram por aerogeradores que não foram entregues.

Parte do pagamento foi feita pouco antes de a Impsa entrar com pedido de recuperação judicial, em 2014. O Estado apurou que JBS e Furnas alegaram que quem devia ter verificado a saúde da empresa eram as seguradoras que emitiram apólices para a Impsa, além das garantias oferecidas pelo BNDES. Como a empresa argentina apresentou as apólices, o consórcio não viu razão para não fazer os pagamentos. Um desses pagamentos envolvia R$ 170 milhões e foi alvo de uma disputa resolvida por meio de arbitragem na Câmara de Comércio Brasil-Canadá.

Furnas e seus sócios foram à Justiça para receber o seguro pela não entrega dos aerogeradores. Receberam R$ 112 milhões por meio de um acordo com a Zurich Seguros pelo complexo de Punau. E obtiveram outros R$ 69 milhões pelo atraso das obras em Pau Brasil. Um terceiro processo corre na Justiça sobre o complexo de Baleia - a disputa envolve cerca de R$ 120 milhões.

Os R$ 181 milhões em indenizações não cobrem o que foi apostado por Furnas e seus sócios nas Sociedades de Propósito Específico (SPEs) dos complexos eólicos de Punau, Baleia e Pau Brasil - todos no Ceará e no rio Grande do Norte.

"A Aneel não reconheceu a quebra da Impsa como motivo de força maior", disse a advogada especialista no setor elétrico Laura Souza, do escritório Machado Meyer. E não prorrogou os prazos das obras. Se as empresas não tivessem participado do leilão de descontratação de energia, a multa seria maior.

Sigilo. No caso de Pau Brasil, apesar de os sócios aportarem R$ 97,34 milhões, relatório da Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Geração da Aneel diz que, desde a insolvência da WPE, nenhuma alternativa de fornecimento de equipamentos foi apresentada, sendo que "as obras nem sequer foram iniciadas ou mesmo evidenciada a instalação de canteiro de obras".

O fracasso frustrou a criação de empregos em Icapuí, no Ceará. "Estavam previstos 12 parques eólicos na cidade, mas só seis (da Vale) foram feitos", diz o secretário de desenvolvimento e Trabalho da cidade, Iran Félix.

O BMG não se manifestou. A J&F informou que não pretende retomar os empreendimentos.

Correções
10/09/2018 | 18h00
O total de gasto por Furnas e seus sócios nas centrais eólicas de Punau, Baleia e Pau Brasil foi de R$ 337 milhões, e não de R$ 419 milhões, conforme publicado na edição desta segunda-feira, 10, na página B1. Furnas esclareceu que o primeiro valor já incluía o total pago no leilão de descontratação de energia de reserva (R$ 81 milhões) para que a empresa se livrasse das multas contratuais e não apenas os investimentos que estavam previstos no plano de negócio dos complexos.

Aneel não informou falhas de projetos eólicos a MPF e TCU
R$ 81 milhões foi quanto Furnas e seus sócios pagaram no leilão de descontratação de energia de reserva para se livrarem do pagamento de multas e da execução de garantias

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

Apesar de constatar falhas na construção de centrais eólicas que consumiram em parte dinheiro público, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não encaminhou cópias de seus relatórios para órgãos de fiscalização, como a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) ou Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a agência, "não há registro de encaminhamento do processo" a nenhum daqueles órgãos. A razão disso é explicada pela própria agência: "A fiscalização realizada pela Aneel não diferencia o fato de empreendimentos utilizarem, ou não, recursos públicos. Os agentes de geração, independentemente da origem dos recursos financeiros aplicados, são fiscalizados com o mesmo rigor, com as penalidades indicadas na Resolução n.o 63".
Ou seja: tudo foi tratado no âmbito administrativo, do cumprimento do contrato do Operador do Sistema Elétrico com as Sociedades de Propósito Específico montadas por Furnas com seus sócios. E tudo acabou arquivado por meio dos votos dos conselheiros da agência, conforme proposto pelo relator, o conselheiro Reive Barros dos Santos, em 12 de dezembro de 2017, que referendou despacho de Romeu Donizete Rufino, então presidente da agência.
Complexos. O complexo Pau Brasil é um desses casos. Com quatro usinas, devia entrar em funcionamento até 2017. As empresas solicitaram prorrogação desse prazo para 1.o de julho de 2018, o que foi indeferido pela Aneel. Para a Aneel, não havia "factibilidade na implantação" das eólicas. "Não houve obtenção de financiamento desde que as usinas foram outorgadas e não há evidências de que tal situação seja equacionada, bem como não foi demonstrado aporte de recursos próprios".
Em função disso, o então superintendente de fiscalização dos serviços de geração da Aneel, Alessandro Cantarino, propôs em fevereiro de 2017 a abertura de processo contras as centrais - em outras duas decisões, fez o mesmo com os complexos de Punau (sete centrais) e Baleia (seis centrais). O processo podia levar à revogação da outorga e a imposição de multas. Em março, Cantarino propôs a "revogação da outorga" e a punição das empresas. Um mês depois, o Ministério das Minas e Energia anunciou os leilões de descontratação de energia, que permitiu às empresas se livrarem da punição. O Estado buscou o TCU, MPF e CGU, que informaram desconhecer as fiscalizações.
Balanço. Mesmo após a cassação das outorgas das eólicas, o balanço da Eletrobrás entregue à Securities and Exchange Commission (SEC), nos Estados Unidos, em abril (20F), diz ter ainda concessões dos complexos de Punau e Baleia. A informação está na página 213 e se choca com o que consta no demonstrativo financeiro de Furnas de 31 de dezembro, quando a empresa alertou o mercado que as outorgas haviam sido canceladas. A Eletrobrás disse que as informações à SEC, "por serem consolidadas, precisam observar a materialidade para fins de divulgação". "Alguns dados não materiais (com baixa representatividade diante do reporte consolidado) de controladas como Furnas podem ficar de fora".
Investimentos. Furnas quer voltar a investir nos parques eólicos cujas outorgas foram canceladas apesar das perdas registradas. Ao todo, os compromissos futuros declarados com os complexos de Punau e Baleia chegam a R$ 303,1 milhões entre 2020 e 2022, de acordo com as demonstrações financeiras da estatal - a empresa confirmou a intenção ao Estado.
Os dois complexos reuniam 13 centrais eólicas. Furnas mantém 49% deles - 51 % é do FIP Milão, fundo de investimento da J&F. O problema é que a J&F informou que não pretende retomar os investimentos no setor, pois considera não fazer sentido pagar a multa para descontratar a energia, para depois ressuscitar o negócio. Assim, para retomar os empreendimentos por meio de adiantamento para futuro aumento de capital Furnas teria de comprar a parte da J&F ou arrumar novo sócio.
Outro empecilho aos planos de Furnas foi a decisão da Aneel, de 24 de julho, na qual a agência suspendeu por um ano o direito de a estatal contratar ou participar de licitações promovidas pela Aneel. Isso porque a estatal e seus sócios nos últimos dez anos deviam ter colocado em operação 56 usinas eólicas, mas cumpriram o cronograma de 23,2% do total - 30,4% desses empreendimentos já tiveram a outorga revogada e outros 37,5% estão em processo de cancelamento. Terá de pagar ainda multas de R$ 9,2 milhões em razão do atraso em 11 empreendimentos.

OESP, 10/09/2018, Economia, p. B1, B3

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