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Funai vai comandar no primeiro dia do novo ano a demarcação da terra indígena reconquistada no ES

Seculodiário.com.br
Autor: Flávia Bernardes
05 de Dez de 2007

No alvorecer do novo ano, exatamente no dia 1 de janeiro de 2008, começará o procedimento para a demarcação administrativa dos 11.009 hectares de terras indígenas reconquistados pelas comunidades Tupinikim e Guarani, em Aracruz, norte do Estado. O procedimento terá duração de 30 dias, segundo anúncio oficial feito após a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre os índios e a Aracruz Celulose, nessa segunda-feira (3). A demarcação administrativa tem caráter declaratório. Consiste na fase define que o tamanho oficial da área indígena reconquistada. Declarados os limites da área, a Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciará o processo de demarcação física, que tem prazo de 90 dias e o objetivo de assegurar a proteção dos limites demarcados, impedindo a ocupação por terceiros. O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para homologação por decreto. A terra demarcada e homologada será registrada em até 30 dias após a homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e Serviço de Patrimônio da União (SPU).

Com a homologação das terras indígenas, o território Tupinikim e Guarani no Estado passa de 7.000 hectares para 18.027. A medida permitirá o reflorestamento da área e consequentemente a sustentabilidade da comunidade, que tem planos para desenvolver pequenas atividades econômicas na região.

Segundo os índios, a comunidade plantará alimento e desenvolverá atividades visando à sustentabilidade dos quase três mil índios que vivem no norte do Estado.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, responsável pelo TAC assinado entre as partes, classificou o acordo como histórico, já que dá segurança jurídica à transnacional e atende às demandas das comunidades indígenas.

Entre os termos do TAC estão a não reivindicação, no futuro, de terras pelos indígenas, a retirada da madeira pela Aracruz Celulose do território em questão, em um prazo de um ano, e a disponibilidade de R$ 3 milhões para a realização de estudos e projetos na área indígena visando à avaliação da degradação das terras, ao reflorestamento na região e ao desenvolvimento de atividades sustentáveis para os indígenas, com orientação da Funai.

A assinatura do TAC foi acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Procuradoria da República do Estado do Espírito Santo.

A luta

Foram 40 anos de luta até que os Tupinikim e Guarani reconquistassem a totalidade dos 18.027 hectares de terras tradicionalmente indígenas ocupadas pela transnacional Aracruz Celulose. Durante todos esses anos, eles lutaram para que os 11.009 hectares, que já haviam sido reconhecidos como terras indígenas em 1997 - fato ignorado pelo então ministro da Justiça, Íris Resende - deixassem de ser explorados pela Aracruz Celulose e voltassem a pertencer aos índios do norte do Espírito Santo.

Em 2005, a luta se acirrou. No dia 17 de maio eles iniciaram a autodemarcação de suas terras após inúmeras tentativas de diálogo - sem sucesso - com a empresa. Ao todo, a luta passou pela gestão de três ministros da Justiça (Íris Resende, Márcio Thomaz Bastos e, finalmente, Tarso Genro), e só este ano foi resolvido.

A luta foi árdua e durante todo o tempo os índios deixaram claro que sua luta era pela terra já reconhecida e que por direito deveria ser reconhecida como tal. Entretanto, a empresa se recusou a admitir que a terra era tradicionalmente indígena, assim como a devolvê-la aos seus verdadeiros donos, acirrando ainda mais a luta indígena.

Os índios tinham a comprovação de que a terra é indígena. Com eles, havia ainda a comprovação da Fundação Nacional do Índio (Funai), de antropólogos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), de historiadores, ambientalistas e geógrafos de que a terra era indígena e de que cada dia na mão da empresa significava o fim dos costumes e da comunidade indígena do norte do Estado.

Com a empresa estavam suas inúmeras influências políticas e seu poder econômico. Foi este que lhe permitiu desrespeitar e violentar as comunidades, através, por exemplo, de cartilhas distribuídas nas escolas de Aracruz chamando os índios de "supostos índios". Cartazes também foram espalhados pela cidade por sindicatos, e através de mobilizações as comunidades foram constantemente usadas para incitar a sociedade contra os índios.

Só depois de muitas intervenções do Ministério Público, muitas manifestações indígenas e o reconhecimento internacional sobre o problema causado pela transnacional no Estado é que o ministro da Justiça, Tarso Genro, reconheceu oficialmente que os 11.009 hectares de terras no norte do Estado eram, de fato, tradicionalmente indígenas. Ainda assim, o reconhecimento só foi feito depois que os índios aceitaram o acordo com a Aracruz Celulose.

O termo foi uma imposição que em nada lembra a classificação do ministro de que o TAC era uma demonstração de "boa fé" da empresa. Em um problema marcado por tanta desigualdade, o termo encerra o litígio e põe fim a uma sucessão de erros da transnacional, mas isenta-a dos crimes cometidos contra essa comunidade e sustenta a idéia vendida pela empresa de que todo o conflito foi conduzido de forma civilizada.

Apesar disso, os índios estão satisfeitos. Sabem que perdem muito de seus direitos com o TAC, mas têm consciência de que, sem ele, a terra dificilmente voltaria a seus domínios.

Depois do TAC, os índios lutarão pelo cumprimento de seus termos, entre eles a promessa de recuperação de suas terras e o desenvolvimento de projetos sustentáveis dentro das comunidades.

Entre os termos do acordo assinado figuram: a desistência dos processos judiciais contra a transnacional, o direito à transnacional de todas as benfeitorias dentro da terra indígena, a garantia de que não haverá mais disputas de terras e a recuperação e o desenvolvimento de projetos dentro dos 11.009 hectares.

Ao todo, vivem no norte do Estado 2,5 mil índios Tupinikim e Guarani.

Além de reflorestar e recuperar os 11.009 hectares reconquistados, os índios também terão que saber cobrar da União para que a comunidade tenha suporte para reconstruir tudo o que a empresa destruiu na região.

Ao todo, foram 12 anos de estudos que comprovam a legitimidade da terra indígena no Espírito Santo. Os índios só querem agora ver sua terra recuperada e seus peixes de volta. Querem, principalmente, retomar sua cultura e deixar para seus filhos um futuro de respeito e tranqüilidade dentro da terra que é deles por direito.

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