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Funai defende índios que invadem terras no MS

O Globo, O País, p. 14
24 de Jan de 2004

Funai defende índios que invadem terras no MS
Relatório defenderá reserva de 9,5 mil hectares em Mato Grosso do Sul, mas fazendeiros preparam protesto

A Funai conclui, na segunda-feira, um relatório que reconhecerá como áreas indígenas as 14 fazendas ocupadas há um mês pelos guaranis ñandeva em Iguatemi e Japorã, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. O relatório será assinado pelo antropólogo italiano Fábio Mura, que ontem acompanhou os procuradores da República Ramiro Rochenbach e Charles Pessoa em visita à sede de uma das propriedades ocupadas, a Fazenda São Jorge. Mura dirá, no relatório, que os guaranis têm direito histórico a uma área de 9.461 hectares, quase seis vezes maior do que a atual reserva, de 1.648 hectares.
Dois dias após terem entrado em confronto com fazendeiros, os índios ontem estavam mais calmos. A maioria ainda exibia máscaras, rostos pintados e armas (arcos, lanças e tacapes). Mas liberaram a entrada dos jornalistas, que tiveram os rostos pintados e foram recebidos com uma dança da paz. Em Iguatemi, porém, o clima continua tenso. Os fazendeiros, que acusam os índios de roubarem os seus pertences, destruírem as propriedades e dizimarem o gado, estão convocando um protesto para na semana que vem.
"Fui expulso de minha casa sem levar nada. Eles estão acabando com minhas 85 cabeças de gado. Estou quase dormindo sob as árvores da cidade", disse o pecuarista José Joaquim do Nascimento, de 81 anos, que chorou ao relatar seu problema num encontro de fazendeiros.

Genealogia foi levada em conta
Pesquisador da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Mura disse que seu relatório é baseado em documentos de época e na genealogia dos guaranis. O trabalho serviu de base para o Ministério Público pedir à Justiça à suspensão da sentença de reintegração de posse dos fazendeiros. Após a publicação do resumo do relatório no Diário Oficial da União, começa o prazo de três meses para a contestação. A partir daí, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, terá pelo menos mais um mês para assinar portaria declarando a área como terra indígena.
Mas os ruralistas não pretendem acompanhar o processo de braços cruzados. O presidente da Federação da Agricultura do Estado de Mato Grosso do Sul, Leôncio de Souza Brito Filho, teve de usar argumentos fortes para conter os mais exaltados. Ele disse aos fazendeiros que, se "partirem para a ignorância, vão perder a razão". Leôncio quer evitar cenas como as de quarta-feira, quando índios e fazendeiros se enfrentaram. Na ocasião, ruralistas foram fotografados com revólveres em punho.
Uma equipe da Polícia Federal esteve no encontro dos ruralistas, para tentar identificar os fazendeiros que portaram armas e o que teria agredido um guarani de 14 anos com um golpe de pá na cabeça. Em Iguatemi, o clima é hostil aos índios. Os moradores acham que a cidade teve sua imagem abalada.
Na Fazenda São Jorge, antiga Agrolac, a imagem de destruição contrasta com a alegria dos índios. Nas paredes da sede, da escola e do curral e nas cercas, os índios pintaram a inscrição Aldeia Yvy Katu, que significa "terra autêntica".
No campo de futebol, meninos e meninas disputaram uma pelada.
Os índios só voltaram a exibir as armas e máscaras quando os procuradores chegaram. Rochenbach disse que pretendia iniciar a negociação de um termo de ajustamento de condutas, conforme decisão do Tribunal Regional Federal. Segundo ele, o ideal é que cada área tenha um termo, o que levará o Ministério Público a também negociar com os ruralistas.

O Globo, 24/01/2004, O País, p. 14.

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