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Funai defende discussão sobre mineração em Terras Indígenas na primeira reunião da CNPI

ISA- Instituto Socioambiental
11 de Jun de 2007

Movimento indígena quer debater o assunto junto com Estatuto dos Povos Indígenas, que está parado no Congresso há mais de 14 anos. Anteprojeto de Lei sobre o tema foi entregue aos integrantes da Comissão Nacional de Política Indigenista. Proposta prevê que 3% do faturamento com exploração da atividade deverão ser revertidos para povos indígenas. Comunidade afetada só ficaria com metade disso e não controlaria recursos diretamente.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, defendeu ontem, terça-feira, que a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) (saiba mais) discuta o tema da mineração em Terras Indígenas (TIs) em seu próximo encontro, no dia 12 de julho. A sugestão foi criticada pelos representantes indígenas e não-governamentais e criou polêmica logo na primeira reunião do colegiado. Eles defenderam que o tema seja discutido juntamente com o Estatuto dos Povos Indígenas, que está parado no Congresso há 14 anos. A proposta foi aceita e incluída na pauta do encontro de julho, que vai tratar também da saúde e violência cometida contra povos indígenas.

"Temos de acabar com a hipocrisia nesse assunto. Os membros da comissão têm o direito de ter informações sobre ele", defendeu Meira. Ele lembrou que já havia prometido publicamente colocar o tema da mineração em Tis em discussão e acha importante iniciá-la para que as posições dos interessados venham a público. A reunião de julho será extraordinária e foi pedida por Meira, segundo ele, apenas para adiantar os trabalhos da comissão. O presidente da Funai negou que houvesse intenção de discutir a questão já na primeira reunião da CNPI, como foi divulgado por alguns jornais há alguns dias.

O governo elaborou um anteprojeto de lei (APL) sobre a mineração em Tis, mas ainda não o havia reconhecido oficialmente. A proposta foi disponibilizada para os integrantes da comissão, mas já circula informalmente desde o ano passado. Grandes empresas do ramo pressionam pela liberação da exploração mineral dentro das Tis, atividade de alto impacto ambiental e social.

"Acho que a CNPI não foi criada para discutir uma coisa que já está pronta, acabada. Não podemos analisar um tema como este se ainda estamos debatendo a instalação da comissão", criticou Eliton Gavião. Ele argumentou que as comunidades indígenas precisam conhecer melhor o assunto para se pronunciar a respeito. Eliton reforçou o coro das lideranças indígenas que temem que a autorização para a mineração em suas terras abra a porta para a degradação ambiental e a cooptação de lideranças.

Os Yanomami, por exemplo, já têm posição firmada a respeito. Consideram que a mineração em suas terras pode representar sua destruição. Por conta disso, os professores Yanomami divulgaram carta sobre o tema, que foi entregue à CNPI e endereçada ao presidente Lula. Em um dos trechos, os professores escrevem: "A nossa terra já está homologada e registrada. Nós precisamos da terra para viver, pescar, caçar, fazer roça e construir as nossas casas. Nós já temos a nossa alimentação garantida, o que a natureza oferece para os filhos do patrimônio de Omama, criador do mundo. Nós não pensamos como vocês brancos pensam. Não queremos dinheiro, queremos que o nosso povo viva bem, feliz, com saúde". (Leia abaixo o documento na íntegra).

Discussão conjunta

As lideranças indígenas avaliam que o Estatuto dos Povos Indígenas pode vir a ser o marco regulatório de um conjunto integrado de políticas públicas de saúde, educação, meio ambiente e segurança alimentar, entre outros. A aprovação em separado de temas controversos e de interesse de grandes empresas, como mineração e recursos genéticos, por outro lado, poderia fazer com que a regulamentação de assuntos de interesse dos povos indígenas continue no limbo do Congresso.

O APL de mineração prevê que a exploração nas áreas indígenas poderá ser feita por empresas, mediante licitação pública, pela própria comunidade ou por uma sociedade entre os dois. De acordo com a proposta, as comunidades afetadas poderiam impor condições aos empreendimentos, mas não poderiam rejeitá-los. Apenas a Funai teria a prerrogativa. Além disso, 3% do faturamento das atividades seriam revertidos para os povos indígenas, sendo que metade do percentual iria para um fundo dirigido pela Funai e somente a outra metade seria controlada por um comitê gestor em que a comunidade teria assento, mas também outras instituições que não estão definidas no APL. Portanto, apenas 1,5% dos recursos obtidos com a mineração seriam destinados diretamente ao grupo indígena atingido – mas não seriam controlados diretamente por ele. O licenciamento ambiental seria feito só no final do conjunto de consultas e estudos sobre o pedido de exploração minerária, o que pode aumentar a pressão das empresas quando o trâmite administrativo já estivesse quase terminado.

Se a legalização da mineração fosse um remédio para o garimpo ilegal, este já não existiria mais no País. Fora das terras indígenas não há qualquer restrição à atividade das empresas mineradoras e, no entanto, a todo momento surge a notícia de um novo garimpo clandestino”, aponta Raul do Valle, do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA. Ele lembra que a mineração empresarial não pode ser necessariamente considerada uma alternativa ao garimpo, pois nem todo mineral é garimpável e nem toda área passível de ser garimpada poderia abrigar uma mineração industrial, como a que faz a Vale do Rio Doce, por exemplo. Muitas vezes a concentração ou qualidade do mineral é tão baixa que só vale a pena para o garimpeiro desenganado, que por sua vez só tem lucro na clandestinidade”.

"Queremos discutir a questão da mineração. O problema é como vamos fazer isso. Acho muito ruim começarmos os trabalhos da CNPI com a antecipação desse debate", salientou Saulo Feitosa, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ele insistiu que o tema da mineração deve ser discutido com o Estatuto dos Povos Indígenas. "Pinçar esta questão do estatuto foi uma manobra do governo Fernando Henrique Cardoso no Congresso, há quase dez anos, para atender o lobby das mineradoras."

A primeira reunião da CNPI começou no dia anterior. Foram aprovados o regimento interno e nove subcomissões (confira abaixo). Cada uma delas terá um coordenador governamental e um coordenador escolhido entre os representantes indígenas e não-governamentais. A CNPI é um órgão consultivo que reúne vários ministérios, representantes indígenas e de organizações da sociedade civil de defesa dos direitos indígenas. Ela passou a integrar a estrutura do Ministério da Justiça e terá a função de propor diretrizes para a política indigenista oficial.

A proposta original do movimento indígena era de que o colegiado tivesse caráter deliberativo. Em uma difícil negociação com o governo, as lideranças indígenas tiveram de ceder e esperar por mais algum tempo que sua reivindicação seja efetivada. Segundo o regimento aprovado na terça-feira, uma das funções da CNPI é preparar um APL para o futuro Conselho Nacional de Política Indigenista, que terá caráter deliberativo. A subcomissão responsável pelo tema tem até o dia 10 de outubro para apresentar uma proposta de APL

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