VOLTAR

Funai, agora, ganha elogios

CB, Brasil, p. 16
20 de Abr de 2006

Funai, agora, ganha elogios
Índios apóiam a gestão da fundação responsável pela demarcação de terras e atacam a Funasa. Há 20 dias, a posição era inversa, com críticas ao órgão tutor e elogios à entidade que atende à saúde das tribos

André Carravilla
Da equipe do Correio

Reza a regra da etiqueta que em uma festa os convidados devem tentar agradar ao anfitrião. Os índios têm seguido a norma ao pé da letra. A última prova disso foi a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, realizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) entre 12 e 19 de abril, no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. Os participantes aprovaram a gestão do órgão e assumiram o papel de porta-vozes da Funai: cobraram mais recursos para o governo e a ampliação do quadro de funcionários. As críticas mais fortes foram reservadas apenas para Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Os índios reivindicam que a Funai volte a ter entre suas atribuições a gestão da saúde indígena.

A decisão dos índios contrasta com a que foi tomada na 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, evento realizado pela Funasa na Pousada do Rio Quente, a 320km da capital, entre 27 e 31 de março. Naquela ocasião, embora tenham sugerido mudanças pontuais, os índios aplaudiram a gestão da Funasa, dando respaldo ao órgão, que deveria continuar como único responsável pela saúde índígena. Por outro lado, eles condenaram a atuação da Funai. O grau de insatisfação com o órgão era tão grande que os líderes indígenas chegaram a aprovar uma proposta que tinha como objetivo criar um novo órgão para promover a demarcação de terras indígenas, hoje uma atribuição exclusiva da Funai.

Vinte dias depois de condenar a Funai, os índios voltaram atrás e defendem, agora, o órgão. Durante o encontro encerrado ontem, os líderes indígenas presentes aplaudiram o presidente do órgão, o antropólogo Mércio Pereira Gomes. Os índios rejeitaram a proposta de criação de um Ministério Indígena, que cuidaria da saúde, educação e demarcação de terras. A idéia de concentrar todas as políticas em um único órgão voltará a ser debatida pelos índios em uma próxima conferência, marcada para ocorrer daqui a dois anos e poderá representar a extinção da Funai.

Estrutura
Enquanto o novo ministério não sai do papel, os índios planejam tomar o poder dos órgãos que cuidam dos seus interesses. A palavra mais comum entre os participantes do evento era a reestruturação e o fortalecimento. "Precisamos fortalecer a Funai. Porque não ter um presidente índio? Ele vai entender melhor nossas necessidades. Só depois podemos pensar em um ministério", disse o índio Daniel Matenhyo Cabixi. Mércio Pereira Gomes apóia a idéia, apesar de admitir que, do ponto de vista prático, a medida não produziria nenhum resultado prático. "Mas seria uma simbologia muito forte", acredita.

Mesmo admitindo não conhecer o teor do documento final, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu que, para as propostas dos índios avançarem, é necessário o apoio do Congresso. Ela admite que a tarefa ficaria mais fácil se houvesse parlamentares índios na Câmara e Senado.

"Os índios precisam amadurecer essa discussão antes de tomar alguma decisão e criar um ministério", entende o índio Vilmar Martins Guarany. Funcionário da Funai, ele nega que o órgão tenha sido beneficiado pelo evento ou manipulado os participantes. "O maior vitorioso desse evento não foi a Funai, mas os índios", avalia Mércio Gomes. Em nota divulgada à imprensa, a Funasa limitou-se a lembrar que durante a conferência realizada na Pousada do Rio Quente, "a maioria dos delegados eleitos pelas comunidades indígenas deliberou contra a criação de uma Secretaria de Atenção à Saúde do Índio e legitimou a permanência da Funasa como executora da atenção à saúde dos povos indígenas".

O documento

A Conferência Nacional dos Povos Indígenas aprovou documento de 25 páginas que preserva a Funai. Veja abaixo algumas das decisões:

- Rejeição à proposta de criação de um Ministério Indígena, órgão que centralizaria todas as ações e políticas públicas voltadas para os povos indígenas.

- Apoio à reivindicação de que a saúde indígena saia da gestão da Funasa e volte a ser gerida pela Funai.

- Reestruturação do quadro de funcionários com a contratação de mais servidores para a Funai, garantindo efetivo igual ao de 1997: 5 mil.

- Indicação e nomeação de índios para os cargos de chefia em órgãos, como Funai e MEC.

- Readequação do processo administrativo de demarcação de terras, para que sejam processadas sem que grileiros tenham direito de contestar, deslocando para a Justiça o fórum adequado para as impugnações.

CB, 20/04/2006, Brasil, p. 16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.