VOLTAR

Funai acusa Coiab de manipular indigenas

A Critica, Cidades, p.C1
12 de Fev de 2005

Lideranças indígenas criticam atitude da direção nacional da Funai e negam acusações feitas pelo presidente em exercício do órgão, Roberto Lustosa. Justiça Federal determinou uma inspeção judicial
Funai acusa Coiab de manipular indígenas
Presidente em exercício, Ricardo Lustosa, disse que entidade indígena quer os 16 cargos comissionados
Antonio Paulo e Julio Pedrosa
Da equipe de A Crítica
O escritório da Funai em Manaus vai continuar fechado até que a justiça Federal do Amazonas determine medidas de segurança para que os servidores do órgão tenham condições de retornar ao trabalho e continuar as ações voltadas para os 28 mil índios que recebem atendimento por meio da administração regional. A informação é do presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa. As providências deverão ser tomadas pelo procurador da Advocacia Geral da União, que representa os interesses da fundação no Amazonas. 0 dirigente reitera que as administrações de São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga,Atalaia do Norte e Parintins estão em pleno funcionamento.
Lustosa admite que ò ato de fechado escritório do Amazonas por causa da insegurança supostamente provocada pelos indígenas é "paradoxal e esquizofrênica", já que a instituição existe para protegê-los, "mas a direção nacional não pode aceitaras pressões e imposições de uma minoria que deixou suas aldeias para morar na cidade". Os cerca de 300 índios que ocuparam, em janeiro, a sede da Funai de Manaus, exigiam a exoneração do admisnistrador Benedito Rangel, acusado pelos índios de desviar recursos públicos, abuso de poder e utilização de veículos em atividades particulares. Outra reivindicação é a nomeação de um "nativo" para dirigira instituição. 0 presidente em exercício acusa os dirigentes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) de manipular os "índios urbanos" para conseguir os cerca de 16 cargos existentes na Funai do Amazonas. Roberto Lustosa rejeita a crítica de que a fundação não tenha dirigentes indígenas e cita o chefe do posto de São Gabriel da Cachoeira (AM), de Porto Seguro e Monte Pascoal (BA), em Campo Grande (MS) e dezenas de servidores que trabalham na Funai. Segundo ele 40% do quadro da instituição é formado por índios.
De acordo com o presidente,mesmo depois do pedido de demissão do administrador titular, Benedito Rangel, um grupo de índios continuou com o movimento de ocupação disfarçada. Os cinco membros da Comissão de Sindicância passaram a freqüentar diariamente a Funai, levando outros companheiros; teriam ameaçado os demais componentes da comissão, indicados pela direção nacional, dizendo que poderiam a qualquer momento trazer de volta os 300 índios. `Não suportando mais as ameaças e se sentindo inseguros para continuar o trabalho, toda a equipe da administração regional, os três servidores convocados para investigar as acusações e o próprio administrador interino, Manuel Hélio de Paula, resolveram parar com as atividades até que alguma providência fosse tomada', declarou Roberto Lustosa.
0 presidente da Funai disse ainda que as demais etnias e o movimento indígena não somente do Estado do Amazonas, mas também de outras regiões do País, condenam o movimento encabeçado pela Coiab, que prometeu invadir os demais escritórios do Estado. Por conta do fechamento da sede de Manaus, as comunidades indígenas que vivem nas aldeias e em suas terras demarcadas vão ser prejudicadas com falta de atendimento.
Defesa
0 presidente da Coiab, Gecinaldo Barbosa -Saterê Mawe, rebateu as acusações do dirigente nacional da Funai. Segundo ele, que estava viajando pelo interior do Amazonas, a coordenação foi fundada e é dirigida por índios e, portanto, não faz articulação. "A ocupação foi decidida pelas lideranças de base das comunidades indígenas revoltadas com a lentidão da Funai em realizar a demarcação de terras", afirmou. Segundo ele, os dirigentes do órgão insistem em manter o integracionismo da década de 60, onde tutelavam a assistência indígena e faziam o que bem entendessem, dando margem à corrupção. Ele considerou o fechamento do órgão uma irresponsabilidade. "Lustosa mostrou que é mentiroso ao não cumprir o acordo firmado diante da Justiça", afirmou.
Segundo Gecinaldo, a Funai não está podendo responder aos anseios dos índios e demonstra a incapacidade para resolver os problemas. Ele considera louvável o trabalho da Justiça Federal, que determinou a realização de um levantamento sobre a situação do índios e do órgão no Estado. Ajuíza federal Jaíza Fraxe determinou o início do processo de inspeção judicial, nomeando um perito para verificar a situação. Uma comissão de sindicância formada por índios está acompanhando os trabalhos. "Pela primeira vez a Justiça está nos ouvindo", observou Gecinaldo Barbosa.

Índios vivem na indigência
Um dos parlamentares da bancada do Amazonas que tem focado seu mandato na causa indígena, Lupércio Ramos (PPS), disse que essa situação em Manaus é um reflexo do descaso com os índios em todo o Estado. Dizendo conhecer de perto a região do Alto Solimões, o deputado federal descreve como caótica a vida das populações indígenas, principalmente na área de saúde. "Eles vivem quase na indigência e por terem que se misturar com a população urbana adquiriram os vícios dos não-índios. As crianças são desnutridas, as doenças se alastram e não vejo a Funai, nesses quase 40 anos, realizar o trabalho que lhe foi destinado". Lupércio prometeu conversar com toda a bancada do Amazonas para fazer uma gestão coletiva com relação à causa indígena no Estado do Amazonas. Também vai propor à bancada do PPS para que se reúna com o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes (filiado ao partido), a fim de encontrar soluções ou ações que minimizem os problemas vividos pelos índios da Amazônia e do Brasil.
A direção nacional da Funai diz que' além das ameaças, a insegurança na sede administrativa aumenta com o sumiço de 17 armas de fogo utilizadas s nas expedições de contato com índios isolados para prevenir ou inibir a presença de animais perigosos na floresta. Os índios "rebelados" também teriam se apropriado de um veículo D-20 no período da ocupação.

Servidores defendem dialogo
0 Sindicato dos Servidores Federais do Amazonas está disposto a interceder nas negociações entre os índios e a administração regional da Fundação Nacional do índio (Funai), de Manaus, fechada na última quinta-feira. 0 secretário-geral da entidade, Walter Matos, disse ontem que realizará uma assembléia na próxima terça-feira com os cerca de 80 servidores federais do órgão para tratar a questão. Matos considerou o fechamento do prédio uma medida acertada. "Não entramos na discussão sobre quem vai dirigir a Funai, mas é preciso desarmar os lados para poder discutir o problema", afirmou.
Para ele, o papel do sindicato é trabalhar na possibilidade de unir trabalhadores e índios. Após a assembléia com os servidores, o dirigente pretende realizar uma reunião com lideranças indígenas para estabelecer com eles o verdadeiro foco de luta. 0 secretário geral confirmou a falta de segurança e de condição de trabalho para os servidores da Funai. No local, depois da ocupação pelos índios havia muita sujeira e muita água empoçada em pneus, que podem vir a ser focos de dengue.
0 Amazonas é o Estado com a maior população indígena do Brasil. Ao todo, são 120 mil índios, de um total de 345 mil existentes no País. De acordo com a Funai, 190 mil índios estão vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há cerca de 53 grupos não-contatados. Só no Amazonas existem 66 etnias.
Personagem 1 : Jeferson Peres Senador
"Esse gesto do governo me faz lembrar a anedota do marido traído que resolve castigar o sofá. O Estado de maior população indígena não pode ficar nem temporariamente sem uma superintendência ou delegacia da Funai na Capital. Faltou ao Governo Federal disposição para enfrentar o problema.
Personagem 2 : Wanessa Graaiotin Deputada Federal
"0 fechamento foi temporário por questões de segurança. 0 diálogo entre o Governo, a Funai e os índios foi muito bom. Apesar de terem ocupado a sede do órgão, não houve incidentes. Temos índios capacitados para ocupar a administração do órgão. Talvez o Governo devesse experimentar isso.

A Crítica, 12/02/2005, p. C1

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.