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Frente de Resistência e Luta Pataxó

Lideranças Pataxó
30 de Jul de 2002

Para: Funai Brasília
Ministério Público Federal e 6a Câmara do MPF
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados - BSB
Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa - Bahia
Prezados Senhores,
O presente documento assinado por dois porta-vozes da Frente de Resistência Pataxó, tem como objetivo alertar para a situação que nós Pataxó no Monte Pascoal, estamos
atravessando, nestes momentos de luta pela recuperação, ampliação e demarcação de nosso território tradicional. A nossa ação vem incomodando aqueles invasores que há séculos e décadas vem usufruindo de nossas riquezas em nossa terra, destruindo nossas florestas, ameaçando a sobrevivência de nossas famílias. Sabemos muito bem que o governo brasileiro tem grande culpa pois demora para demarcar a nossa terra e reconhecer nosso direito, fechando os olhos para os conflitos que a cada dia ficam mais intensos. O estudo que foi realizado por um grupo técnico deve ser divulgado neste mês de agosto, para prosseguir a demarcação. Entre uma demora e outra, vamos realizando retomadas de parte das terras em estudo, única via para garantir e reagir contra aqueles que não querem entender a nossa luta e cada vez mais nos ameaça, nos afronta e calunia de várias formas o nosso povo, aumentando
o conflito que envolve índios, posseiros, fazendeiros, empresas de turismo e etc.
Recentemente o juiz federal de Ilhéus Pedro Calmon Holliday concedeu uma liminar de
reintegração de posse ao fazendeiro Manoel Batista, prefeito de Itanhém, extremo sul da Bahia; esta liminar está para ser cumprida até o dia 07 de agosto; chamamos a atenção dos senhores para o que poderá ocorrer caso isso se concretize e o que houver de grave, o juiz federal de Ilhéus terá que ser responsabilizado, pois a sua decisão foi e tem sido sempre de claro favorecimento aos fazendeiros da região.
Os índios tem sofrido com este clima de violência, tem sido desrespeitado e impedido de transitar seja em alguma cidade próxima, seja em estradas que dão acesso às aldeias ou à praia. É costume nosso e de nossas famílias, mudar periodicamente. Só porque algumas famílias vão mudar entre os dias 12 a 15 de agosto, fomos informados que alguns fazendeiros na região do Pequi(margem do rio Caí) contrataram 100 homens para fechar as estradas e impedir a nossa chegada em terra nossas e de nossos parentes. Assim mesmo as 13 famílias vão se mudar e precisam de proteção da justiça. Ao mesmo tempo as famílias que moram naquela aldeia estão encurraladas, isoladas pela a ação dos pistoleiros, sem poder sair nem para buscar alimento, nem ser atendidos pela a equipe de saúde da Funasa, que por conta
disso teme chegar à região; inclusive o cacique recebeu um recado dos homens na estrada que se ele tentar passar com a alimentação(proveniente da Funai), será barrado e tomará uma surra. Até o momento nada foi feito.
Outro caso grave afeta a aldeia Guaxuma, na margem da BR-101, próximo ao povoado de Monte Pascoal: com a demora dos estudos e por ser uma área que ainda não está demarcada, a Funasa vem negando a assistência à saúde, conforme direito que a comunidade tem. Falta
água e faltam remédios; há semanas atrás os índios chegaram a prender um carro da Funasa para chamar a atenção e pedir providências sobre o compromisso da água(abertura de poço, instalação de equipamentos, etc..) mas nada disso foi providenciado. Com a omissão da Funasa, começaram os casos de dengue na aldeia; até o momento já são três casos, um sendo dengue hemorrágica conforme um atendimento de emergência num hospital em Itamaraju. A aldeia está assustada e revoltada, pois outras pessoas começaram a sentir os sintomas da doença.
Constantes documentos foram enviados às autoridades responsáveis diante de tanta ameaças e descaso com a nossa situação. Comunidades como a da Barra do Caí que vem sofrendo humilhações diariamente por estar acampados no povoado de Cumuruxatiba e de reivindicar as suas terras de volta. O grupo da Barra do Caí tem sido bastante compreensivo e paciente, na esperança que a justiça prevaleça, mas começa desconfiar tamanha é a gravidade da situação e pretende organizar-se para buscar alternativas próprias, porque o sofrimento cada vez mais só vem aumentando.
Já em Corumbauzinho e Craveiro, continuam os riscos de novos conflitos com gente dos sem terra, pois de nada adiantou as tentativas de reunião entre os envolvidos. Para a humilhação dos índios, os seus filhos são obrigados a estudar na escola da agrovila dos sem terra, no assentamento Corumbau, sendo alvo de desconfianças e xingamentos. Cadê a escola diferenciada ? estamos duvidando se existe mesmo...
Esta carta é um alerta mas é também um apelo, para que todos nós sejamos de verdade atendidos, antes que aconteçam coisas piores e as notícias cheguem até os senhores pelos jornais.
Casos como os de violência e desrespeito que ocorrem na região do Monte Pascoal, só se resolve com uma ação da Polícia Federal enquanto os resultados do estudo não seja divulgado pela Funai. Por isso solicitamos que neste mês de agosto a Polícia Federal esteja na área entre Cumuruxatiba, Barra do Caí, Pequi e Monte Pascoal, para um acompanhamento das diferentes situações que ocorrem ou que venha a ocorrer, principalmente no período em que as famílias vão mudar e no prazo para o cumprimento da liminar que pretende nos expulsar da área Santo Agostinho.
Não foi à toa ou por acaso que nasceu o nosso movimento que criou a Frente de Resistência e Luta Pataxó. A Frente é formada por sete aldeias que enfrentam a luta pela demarcação da terra do Monte Pascoal e tem os seus porta-vozes. As decisões nascem nas comunidades e as divulgamos aos interessados na causa indígena e às autoridades competentes. A Frente é a voz dessas comunidades.
Estamos conscientes dos nossos direitos e esperamos contar com os senhores para
garanti-los.
Atenciosamente,
Eunápolis, nestes dias de resistência, 30 de julho de 2002
José Raimundo Souza Ramos/Aldeia Guaxuma
Joel Braz dos Santo/Aldeia Nova do Monte Pascoal

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