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Fraudes ajudam carvoarias a devastar floresta

O Globo, O País, p. 12
13 de Mai de 2007

Fraudes ajudam carvoarias a devastar floresta
Operação do Ibama no Pará descobre que empresas usam documentos falsos e são mais nocivas que madeireiras

Fellipe Awi Enviado especial

Pela temperatura, pelo odor e pelas condições degradantes de quem ali está, a visão de uma carvoaria em atividade lembra a imagem do inferno. Para as autoridades ambientais e de fiscalização do trabalho, o setor está superando os velhos demônios da Amazônia, os madeireiros e grileiros, e sofisticando suas ações ilegais. A última prova foi a operação concluída semana passada pela gerência do Ibama de Marabá contra produtoras de carvão vegetal beneficiadas por esquema de fraudes do Documento de Origem Florestal (DOF), sistema eletrônico de fiscalização de transporte e armazenamento de produto florestal.

Há anos, as carvoarias desmatam, poluem e empregam trabalhadores em condições análogas às de escravos, mas o cerco às produtoras de carvão se intensificou após a descoberta da fraude no DOF. Foram injetados ilegalmente 800 mil metros cúbicos de lenha e carvão ilegais em 57 carvoarias, só na região da gerência de Marabá.

Operação Carvão 2 embargou seis carvoarias
O GLOBO acompanhou semana passada parte da Operação Carvão 2, que fiscalizou carvoarias envolvidas nas fraudes nos municípios de Rondon do Pará, Goianésia, Breu Branco, Jacundá, Tucuruí e Novo Repartimento. A operação embargou seis carvoarias, apreendeu 576 mil metros cúbicos de madeira e aplicou multas no total de R$ 12,2 milhões. Das carvoarias flagradas, pelo menos 11 foram autuadas por comercializar crédito fraudado de madeira.

- Nesta região do Pará, as carvoarias desmatam mais que o setor agropecuário - disse o coordenador da operação, Paulo Sérgio Almeida.

Desde o mês passado, três operações do Ibama no Pará atacaram direta ou indiretamente a atividade que, segundo o instituto, queimou 21 milhões de árvores nos últimos sete anos, o equivalente à área de 100 mil hectares.

No relatório da operação, os fiscais apontaram indícios de que carvoarias fantasmas receberam créditos de madeira fraudados. Elas nunca funcionaram, têm endereço inexistente, mas lavaram créditos, vendendo-os para carvoarias reais. Assim, essas últimas podem emitir a guia que vai legalizar madeira que nunca existiu para o Ibama.

- O crédito fictício de madeira serve para esquentar a matéria-prima ilegal que acaba nas siderúrgicas - explica o gerente-executivo da unidade do Ibama de Marabá, Antônio Augusto Aguiar.

O sistema DOF - que substituiu as ATPFs, emitidas em papel, para diminuir o número de fraudes - funciona como conta bancária. Empresas que trabalham com produto florestal recebem créditos em metros cúbicos de madeira ou de outro produto florestal, mediante autorização do Ibama. Quando os comercializam, ocorrem débitos.

Se houve apenas injeção do crédito falso, o crime é de estelionato. Se foi comercializado, é também crime ambiental.

Ibama investiga participação de funcionários em fraude
A PF está rastreando o DOF para descobrir a origem da fraude e sindicância do Ibama tenta apurar participação de seus servidores no esquema. A Carvão 2 encontrou pelo menos três carvoarias que comercializaram os créditos fraudados. A S.E. de Souza, de Goianésia, vendeu 4.958 metros cúbicos de carvão ilegal e recebeu multa de R$ 495.800. Também de Goianésia, Reginaldo Reges da Silva vendeu 5.898 metros cúbicos e foi multado em R$ 589.800. A R.

Rodrigues, de Tucuruí, recebeu em conta ajuste de 43 mil metros cúbicos de madeira. O dono, Raimundo Rodrigues, alegou que o problema foi causado por erro de digitação.

- Tínhamos um crédito de 43 mil, mas foi digitado 43. Esse ajuste foi a correção do erro - disse Rodrigues, que a seu favor tem o fato de ser um dos poucos encontrados pela fiscalização com a documentação em dia.

As carvoarias se diferem dos outros agentes do desmatamento por proliferarem na informalidade. O Sindicato dos Produtores de Carvão Vegetal do Pará informa que das 750 do estado, apenas 230 são formalizadas.

Para o Ibama, 80% delas estão na clandestinidade. Durante a operação, os fiscais tiveram dificuldade de localizá-las em estradas vicinais. Pela relativa facilidade de fazer novo fornos, os endereços mudam sempre e nem os funcionários sabem o nome da carvoaria em que trabalham e quem são os patrões.

Essa carvoaria aqui muda de nome toda hora. Era Cipó, agora não sei. Mas parece que quem comprou foi uma pessoa chamada Batata - explicou Cícero Gilmar Saturnino, gerente de uma carvoaria de Breu Branco.

O presidente do sindicato dos produtores de carvão, Cledemilton Araújo, diz que a informalidade e a mudança freqüente de donos e endereço são reflexo da "pouca compreensão" do governo com o setor.

- Pouca gente se atreve a ter CNPJ e endereço fixo. Os que se legalizam pagam por eles e pelos outros. A legislação ambiental brasileira é a mais rígida do planeta, é impraticável, foi feita por quem não conhece o setor florestal. Queremos nos legalizar e ser fiscalizados, mas precisamos que haja uma regularização fundiária maior para viabilizarmos áreas de manejo - afirma Cledemilton.

Siderúrgicas financiam carvoarias

Dono da maior carvoaria de Tucuruí, com 150 fornos e 73 funcionários, o ex-carvoeiro Raimundo Rodrigues tem uma dívida de gratidão com a Cosipar, a mais antiga siderúrgica do Pará. Segundo ele, durante anos, foi ela quem bancou o seu negócio e comprava o produto a preço especial. Hoje, ele produz cinco mil metros cúbicos de carvão vegetal por mês.

A R. Rodrigues Carvoaria mostra até onde pode chegar a relação entre as poderosas siderúrgicas e as primitivas carvoarias. Houve um tempo em que as usinas mantinham centrais de carbonização internas, mas elas decidiram romper o vínculo por causa dos problemas da atividade carvoeira.

No Pará, uma ainda depende da outra, pois o carvão representa de 60 a 70% dos custos da produção de ferro-gusa, matéria-prima do aço. Mas, como as carvoarias estão cada vez mais associadas ao desmatamento e ao trabalho escravo, as usinas guseiras se esforçam para se separar delas, não só pelas altas multas do Ibama e do Ministério do Trabalho, mas pelo desgaste de imagem no exterior, o que já provocou queda recente no preço do ferro-gusa nos Estados Unidos.

- As siderúrgicas contratam um Intermediário, que recruta os trabalhadores e que é colocado como dono da carvoaria. Depois tiram o corpo fora quando tem Irregularidade - afirma o procurador do Trabalho de Marabá, Adolfo Jacob.

O Globo, 13/05/2007, O País, p. 12

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