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Fracassa negociação

CB, Brasil, p. 18
28 de Abr de 2005

Fracassa negociação
Secretários levados pelo governador de Roraima para resolver conflito não conseguem libertar os policiais federais, feitos reféns em Flechal. Governo reforça efetivo da PF e mil soldados entram em estado de alerta

André Carravilla
Da equipe do Correio

A cada dia o clima na aldeia Flechal, situada na reserva indígena Raposa Serra do Sol, fica mais tenso. As dificuldades para soltar quatro agentes da Policia federal sob poder de 1300 índios macuxi levaram o governo federal a enviar ontem para a área 46 agentes especializados em distúrbios sociais. 0 Exército está sob alerta: mil soldados estão de prontidão, aguardando uma ordem de Brasília para intervir no local. 0 ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, descartou a necessidade do uso de força. "Confio que tudo se resolverá pacificamente. 0 governo federal está tomando as providências para acertar o problema fundiário no estado", disse.
Feitos há cinco dias reféns dos índios macuxi que apóiam os arrozeiros, os policiais federais perderam ontem as poucas regalias que tinham dentro da tribo. Os quatro agentes tiveram suas armas apreendidas pela comunidade indígena e foram levados para um local não divulgado no meio da floresta. Dois secretários estaduais de Roraima, designados pelo governador Ottomar Pinto para negociar com os índios, não conseguiram ver os agentes. Eles deixaram a área afirmando que a situação está "extremamente delicada" e que os índios estão irredutíveis.
"Eles garantiram que só soltam os quatro depois que o presidente voltar atrás na homologação. E exigem ainda a presença de alguém do Ministério da Justiça, da Funai ou do próprio presidente Lula para negociar", explicou o chefe da Casa Civil em exercício do Estado de Roraima, Netão Souto Maior. De acordo com o secretário, os índios não falam em matar os agentes, mas disse que as duas viaturas dos policiais correm o risco de serem extraviadas. "Os índios querem botar fogo", disse Netão, referindo-se às duas camionetes, cada uma avaliada em R$ 200 mil.
Os policiais não têm mais a calma dos primeiros dias. "Conversei com uma pessoa que os viu e disse que eles estão começando a ficar desesperados, apelando para que o governo federal faça alguma coisa que os tire de lá", disse o secretário da Casa Civil. Os agentes ficaram assustados com o fato de terem perdido as "regalias". Embora não pudessem deixar a aldeia, até terça-feira eles podiam circular entre as malocas, carregando suas armas.
Tensão
Ontem o discurso dos índios ficou mais acirrado. "Eles dizem que morrem ou matam, mas não aceitam a homologação de jeito nenhum", afirmou Netão. 0 ministério informa que 150 índios, inclusive crianças, estão preparados para o combate, boa parte deles estão armados com pedras, tacapes, arcos e flechas.
Superintendente da Polícia Federal em Roraima, o delegado José Francisco Mallmann garante que está fazendo o possível para retirar os agentes de forma pacífica. "Estamos trabalhando com todas as alternativas de negociação", disse. 0 superintendente afirma que está sempre em contato com Gabinete de Segurança Institucional, órgão vinculado à Presidência da República, para informar o que está acontecendo na reserva. "A nossa maior dificuldade é que como os agentes aprisionados são nossos, eles (os índios) não aceitam a nossa presença para negociar", reconhece. A Fundação Nacional do índio (Funai) não enviou ninguém para a aldeia, mas funcionários trabalham para evitar que o problema se alastre para outras aldeias.

Entrevista: Danilo Macuxi
As Ongs têm raiva do apoio ao governador"
Paloma Oliveto
Líder da aldeia Monte Muriá, no município de Uiramutã, o tuxaua Danilo Macuxi, 54 anos, é um dos 800 índios que se uniram aos moradores de Flechal, onde três agentes e um delegado da Polícia Federal são mantidos como reféns desde sexta-feira passada. 0 índio integra a Sociedade de Defesa dos Índios do Norte de Roraima (Sodiur), contrária à homologação da Raposa Serra do Sol. Ele diz que, em Flechal, 150 homens e crianças estão armados com arco e flecha, prontos para enfrentar os policiais, caso a PF tente resgatar os reféns. `Agente não vai negociar com a polícia'; diz o tuxua.
Correio Braziliense - Por que a Sodiur é contra Raposa Serra do Sol?
Danilo Macuxi - 0 presidente Lula não ouviu a gente. Tirar as vilas e os arrozeiros vai impedir o desenvolvimento da gente. Tem índio professor, enfermeiro, que vive nas vilas e muitos trabalham nas plantações de arroz. A gente precisa das vilas para comprar mantimento. A gente não quer ficar isolado da civilização. E agora as Ongs (organizações não-governamentais) estão com raiva porque a gente apóia o governador.
Correio - O governador prometeu alguma coisa para vocês?
Danilo - Ele tem propostas para mecanizar as terras e para desenvolver a agropecuária. Isso ia ser bom para os índios.
Correio - Como está a situação dos reféns?
Danilo - Os policiais estão bem, comendo carne com os índios. Eles podem andar por lá. Mas os índios estão muito revoltados porque esses (agentes) federais vêm de fora e querem mandar na gente. Não queremos a polícia, queremos o Lula, a Funai ou o ministro da Justiça. A gente não negocia com a polícia. A estrada para Uiramutã (RR-202) foi fechada para os federais não entrarem na aldeia.
Correio - Os índios estão armados?
Danilo - Tem 150 índios com arco e flecha. Adultos e crianças também. A gente não quer machucar os reféns. Prender eles foi uma forma de chamar a atenção do Lula. A gente votou nele,', teve boa vontade, e ele não quer ouvir os índios. A gente quer que tudo termine em paz, ninguém vai fazer mal para os policiais, mas eles não saem de lá enquanto uma pessoa indicada pelo Lula não vier aqui.

CB, 28/04/2005, Brasil, p. 18

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