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Forasteiros no litoral

CB, Brasil, p. 14
23 de Ago de 2008

Forasteiros no litoral
Espécie de coral típica dos oceanos Índico e Pacífico chegou à costa brasileira, trazida por navios e plataformas de petróleo.
O animal se reproduz rápido e coloca em risco o ecossistema

Hércules Barros
Da equipe do Correio

A ocupação desordenada está tomando conta do litoral brasileiro. Mas, desta vez, não se trata de construções irregulares. A invasão vem do fundo do mar. É o coralsol, espécie típica da região do Indo-Pacífico, que veio de longe para ameaçar o ecossistema nacional. Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) localizaram o forasteiro nas costas fluminense e paulista. Ele se reproduz rapidamente e já se alastrou por uma extensão marítima de 900km, ocupando espaço de espécies brasileiras.
Acredita-se que o animal chegou em águas tropicais por meio dos cascos de navios petroleiros e das plataformas de petróleo.
"O primeiro registro é da década de 1980, em plataformas de petróleo na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro", conta o biólogo Alberto Lindner, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP.
Segundo o pesquisador, na década seguinte o animal foi encontrado na Baía de Ilha Grande, também no Rio. No estado, a pesquisa catalogou a espécie na Baía da Sepetiba, no Arquipélago das Cagarras, em Arraial do Cabo e em Búzios. Em São Paulo, o coral já chegou a Ilha Bela. A última ocorrência foi em uma plataforma de petróleo de Itajaí, em Santa Catarina.
De acordo com o levantamento da USP, os animais se instalam e vivem facilmente em estruturas artificiais, como casco de navio e plataformas.
Lindner diz que não há evidências, até o momento, de que o coral-sol traz prejuízo econômico, mas é certo que ele concorre com o coral-cérebro, da espécie Mussismilia hispida, nativo do Sudeste brasileiro. "O coral-sol necrosa os tecidos do coral-cérebro e tem sido nocivo às espécies da região", destaca. Nos próximos 45 dias, o biólogo vai coordenar um grupo de pesquisadores para realizar um levantamento da área portuária paulista de Santos a Ubatuba. "Vamos propor uma ação de monitoramento e remoção", diz.
Situação crítica
O litoral fluminense tem situação mais crítica, na avaliação dos pesquisadores. "Pelo que acompanhamos, o coral veio do Caribe em plataformas de petróleo que foram deslocadas para atender à Petrobras", esclarece o professor Joel Creed, do Departamento de Ecologia da UERJ. De acordo com o acadêmico, 150 quilômetros quadrados da Baía de Ilha Grande estão comprometidos. "A mudança na estrutura da comunidade marítima pode afetar os seres humanos porque mexe com a produtividade local de alimentos para os peixes e outros animais", destaca.
O professor lamenta não existir norma específica ou lei para controle internacional de organismos da flora e da fauna marinha que se instalam em cascos de navios ou em estruturas de plataformas que tente impedir ou minimizar os impactos da ocupação de seres exóticos, levados de um continente a outro. Para Creed, a Lei de Crimes Ambientais deveria ser aplicada no território brasileiro, mas ele reconhece a complexidade em apontar culpados. "É difícil dizer quem iniciou, mas é fato que a indústria de petróleo tem responsabilidade", afirma.
Creed coordena uma ação de controle da espécie no Rio de Janeiro que visa diminuir o impacto ambiental em Ilha Grande. O Projeto Coral-Sol, que reúne pescadores e comunidades dos locais atingidos, recebe apoio de instituições públicas e privadas desde o ano passado para a extração do animal. "O Ibama emitiu licença para controle e transporte para fins de pesquisa. Estamos aguardando autorização para a retirada e venda do esqueleto como artesanato", ressalta o professor.
Em termos ambientais não há muito o que fazer na avaliação do especialista Álvaro Roberto Tavares, da gerência de qualidade costeira do ar do Ministério do Meio Ambiente (MMA). No entanto, o técnico ambiental reconhece que os setores petrolífero e de carga são os principais vetores da ocupação exótica. "São quase oito mil quilômetros quadrados de costa no Brasil", justifica, lembrando que é muita área para pouca fiscalização.

Fiscalização é muito pequena

O ecossistema dos oito mil quilômetros de litoral brasileiro convive diariamente com a ameaça da descarga de espécies exóticas de outros oceanos. Além de se alojarem em cascos de embarcações e plataformas de petróleos, os imigrantes ilegais chegam ao Brasil por meio de água de lastro, colocada em cargueiros para manter o equilíbrio durante o deslocamento em buscar produtos como mineral e grãos. De acordo com norma marítima brasileira de 2006, os navios são obrigados a fazer troca de água em alto-mar, mas não há como garantir obediência à regra.
A Marinha do Brasil estima que só consegue fiscalizar cerca de 20% da frota que entra em território nacional. O comandante Fernando de Araújo, gerente de Meio Ambiente da Diretoria de Portos e Costa (DPC) da Marinha esclarece que, de acordo com a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA), a inspeção é "um ato aleatório e inopinado, não havendo periodicidade estabelecida portanto". "Nos navios de bandeira estrangeira, o acordo de Viña del Mar estabelece um mínimo de 20% de inspeções anuais, sendo que, em 2007, o Brasil alcançou o expressivo percentual de 36% (de fiscalização)", justifica.
A vigilância de embarcação que traz a bandeira brasileira é ainda mais frouxa. "A experiência e a prática mostram que a inspeção é realizada uma vez a cada seis meses", afirma o militar. Dados repassados pela gerência de transportes marítimos da Petrobras para a Marinha dão conta de que das sete mil escalas realizadas pelos navios da companhia nos portos de todo o mundo no ano passado, 78% ocorreram em portos brasileiros.
Procurada pelo Correio para esclarecer sobre projetos ou programas ambientais para proteção do ecossistema marinho brasileiro, a Petrobras limitou-se a esclareceu que pesquisadores do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) e outros profissionais da companhia têm se dedicado ao tema há mais de 10 anos. "Em 2006, foi iniciado um projeto de pesquisas, intitulado Água de Lastro, para intensificar o desenvolvimento de tecnologias para o gerenciamento da questão, visando a redução do risco de transferência de organismos exóticos", afirmou, por meio da assessoria de imprensa. (HB)

CB, 23/08/2008, Brasil, p. 14

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